O Fresno e o mal da televisão
Lucas Silveira, vocalista e principal compositor da Fresno, tem hoje 30 anos de idade e já vivenciou muita coisa nessa vida. Viveu tanto que lançou, só com a banda, seis álbuns e dois EPs – sem contar os projetos paralelos chamados Visconde, Beeshop e SirSir. Suas letras são desde sempre carregadas de emoção, potencialmente inspiradas em situações reais, provavelmente pessoais, além de conter uma espécie de visão de vida. Isso significa que nada na obra da Fresno é superficial, dos amores adolescentes às temáticas de auto-ajuda. Um dos aspectos menos evidentes e mais recentes é o ódio pela “televisão” – ou seja, a imprensa.
Há diversas menções diretas a ela nos últimos trabalhos da Fresno, assim como referências à imprensa de modo geral. Em alguns casos, dá pra entender a televisão como uma entidade reguladora, que julga a todo tempo e controla sua vida pública. Em outras, ela é aquele vilão clássico, alienador e manipulador. É impossível não fazer ligação direta com a velha polêmica do som emo, dos rótulos distribuídos a esmo e da maneira depreciativa que a banda foi encarada em um período da carreira, mas que reverbera até hoje. (Pra entender melhor, há o documentário Do Underground ao Emo, que conta como a forte cena do hardcore foi traduzida meramente em estética pelo mainstream com ajuda da grande imprensa nos Anos 2000).
Isso fica evidente porque as primeiras referências não são exatamente negativas. Elas estão primeiro em Quebre as Correntes, música do álbum Ciano (2006), aquele que popularizou a banda. “E o quê dizer quando sua vida não é igual à da TV?”, canta Lucas. Depois, aparece de novo no álbum Redenção (2008), o primeiro da banda por uma grande gravadora (Universal Music). Na música-título, ele avisa: “desligue o rádio e a TV porque no seu domingo vou aparecer”, enquanto que em Europa relaciona a TV a “imagens do passado”, a um pesadelo do qual não há como acordar. Nada muito grave, portanto.
Mas foi com o Redenção (2008) que chegou ao auge a rotulação da Fresno, que deixou de ser vista como uma banda cool para fazer parte de uma estética vazia e afetada. Isso foi potencializado com um disco que a banda, hoje em dia, enxerga com ressalvas. O álbum seguinte, não por acaso chamado Revanche, foi escrito pra provar que a banda era rock suficiente. Lucas admitiu, no documentário feito na gravação do EP Maré Viva, que, por mais doido que pareça, Revanche se destinou àqueles que não gostavam de Fresno.
A TV, essa entidade que conta as histórias do dia-a-dia e influencia milhões de pessoas, não foi poupada, e a partir daí as referências à imprensa aumentaram exponencialmente. Em Deixa o Tempo, Lucas canta: “Queria tanto estar em casa vendo mentiras na televisão”. Em Relato de um Homem de Bom Coração, ele desabafa: “de que adianta abrir os olhos se sei que os flashs são pra me cegar”. Em A Minha História Não Acaba Aqui, a mais representativa do álbum, elenca: “vão te vender sem saber o que há por dentro e vão achar que com alguns trocados podem te comprar, vão encontrar mil maneiras de rotular”.
Do Revanche para frente, todas as referências são negativas. Como, por exemplo, na música A Gente Morre Sozinho, do inexplicável EP Cemitério das Boas Intenções (2011): “enquanto pintavam os muros de sangue pra vender jornais”. Ou como em Farol (Infinito, 2012): “mas saiba que o teu olho me emburrece mais que as mentiras que eu li nos jornais de ontem”. No mais recente EP, Maré Viva (2014), o mesmo ocorre em À Prova de Balas: “sente o veneno que sai da tua televisão, eles vão dar uma festa pra nossa extinção. Quem muito mostra, esconde e engana quem vê de longe”.
O NTR é imprensa? Sei lá. Só sei que aqui estamos mais uma vez tentando interpretar as músicas do Fresno, dando significado a algumas coisas que, como temos a humildade de admitir neste momento, podem nem ser isso mesmo. Mas que esse ódio pela televisão faz sentido, faz. Talvez seja uma espécie de bode-expiatório, uma forma de canalizar esse incômodo que, se não é culpa da “televisão”, foi amplificado e popularizado por ela – de qualquer maneira, eu ainda acho que, sim, é culpa da televisão como principal componente do mainstream.
Diz um ditado americano: those who tell the stories rule the world. Isso tudo é o Fresno brigando para poder contar a sua própria história, em vez de amplificá-la por outros meios.