Ouvi Butcher Babies e gostei do que vi

Comecei a ouvir Butcher Babies recentemente. Conheci a banda pelo Spotify, que a indicou baseado nas músicas que eu andava ouvindo. Vi na listagem que havia apenas um álbum. Dei o play. Até então, a única referência era a capa: uma coisa sombria, uma criança olhando para um casal adormecido na cama – provavelmente os próprios pais. Eu esperava uma faixa de introdução ao estilo abstrato, como é de costume com essas bandas, mas o que ouvi foi a primeira música: I Smell a Massacre. Gostei.

São quatro acordes até a bateria entrar com tudo, pedais duplos e um berro agudo. Na hora, me lembrou a introdução de People = Shit, do Slipknot. Será que é uma mulher berrando? A faixa avança mais um pouco, e eu entro em dúvida: parece que ouço duas mulheres alternando berros com vocais harmoniosos. Se for uma só enfiando camadas de voz na música, vou parar de ouvir, pensei. Isso faria da banda algo muito artificial. Mas não. Eram duas vozes bem diferentes. Gostei mais.

Escutei mais umas quatro faixas, cada vez mais satisfeito com a pegada, já achando tudo muito inspirado em Pantera e Lamb of God. Não há um segundo de lirismo na voz das vocalistas. Abri o Google e digitei o nome da banda para finalmente ver o estilo, a aparência. Quase caí da cadeira. Encontrei duas modelos seminuas, corpos esculturais segurando microfones com facas e serras-elétricas acopladas, à frente de uma banda de homens maquiados para um filme de terror, estilo Rob Zombie.

butcher

Heidi (à esq.) e Carla

Foi importante ouvir a banda antes de vê-la porque, para a maioria das pessoas, ocorre o contrário. Ouvi Butcher Babies e gostei do que vi é um comentário maldoso muito difundido nos sites de heavy metal, que ironizam a qualidade da banda e creditam a atenção ganha – que nem é tão grande assim – à aparência e ousadia da morena Carla Harvey, escritora e ex- repórter da Playboy TV; e de Heidi Shepperd, hoje de cabelos vermelhos, radialista e modelo. As duas são espetacularmente lindas. Mas e daí?

A princípio, as duas encarnavam o que chamavam de sluty metal. Inspiradas em Wendy O. Willians, vocalista e líder da banda Plasmatics, elas se apresentavam de topless, com esparadrapos cobrindo os mamilos. Quase sempre são essas fotos que aparecem em matérias e resenhas. Wendy, que se matou em 1998, fazia esse tipo de coisa – inclusive com berros nas músicas – no começo dos anos 80. Era uma transgressora. E tinha, também, um corpaço. Não é difícil relacionar os dois casos. O nome Butcher Babies vem de um EP Solo gravado por Wendy em 1980, chamado Butcher Baby. Hoje em dia elas não usam mais esse visual.

Wendy O. Williams

Wendy O. Williams

É complicado tentar entender porque a banda atrai tanta crítica. O som é bem feito, coerente. Não há indícios de que os vocais sejam artificiais. Faltam vídeos oficiais da banda a não ser clipes, mas há alguns shows gravados de forma amadora no Youtube, e as duas seguram a bronca no mínimo satisfatoriamente. Tudo recai, então, no visual, que é obviamente explorado pela banda na figura das vocalistas. Sobram comentários dizendo que as duas não precisariam colocar os peitos de fora para fazer sucesso. Mas por que elas não podem fazer isso? O assunto, é claro, envolve machismo.

A discussão é complicada, mas tem avançado no rock em geral. A presença feminina na indústria da música – e, principalmente, no universo do rock – infelizmente ainda é imensamente inferior em relação à masculina, mas sobram exemplos como Joan Jett, The Donnas, Kittie, Walls of Jericho, 45 Grave, Evanescense eArch Enemy. Tem mulher fazendo som pesado para todo tipo de estilo. Que Carla e Heidi se vistam da forma como quiserem para se apresentar. Você pode não gostar do estilo, da voz, das músicas. Mas não dá para – e acho que nem teria mais como – limitar as vocalistas e o Butcher Babies apenas às aparências.

Recentemente, a banda saiu em turnê com o Down, de Phil Anselmo (vocalista do Pantera); e com o Black Label Society, de Zakk Wylde, guitarrista do Ozzy osbourne. Os dois monstros do rock não devem estar ligando mais para como elas se vestem do que para o som que fazem. Um conselho de um cara que ouviu Butcher Babies antes de ver a banda: coloque o fone de ouvido e ouça a intensidade do álbum Goliath (2013). É tão intenso quanto a beleza das vocalistas. E mais relevante do que isso tudo também.

Cool Covers: Love On Top (Beyoncé)

Peguei este vídeo na minha timeline do Facebook, mas já não me lembro quem o postou, mas obrigado a você, pessoa. Obrigado também por me apresentar a The Walkervilles, banda canadense que mistura rock e soul de forma agradabilíssima.

Foi isso o que fizeram com o som da Beyoncé “Love On Top”, neste cover que acho que é o melhor desta música até agora.

E aqui você confere o clipe da música original. Eu nunca fui fã de Beyoncé e acho até que é bem chatinha, mas confesso que sempre que via este clipe passando na TV eu parava para assistir, pois a nossa amiga aí está… como dizer sem parecer machista… bem gostosa.

Trilha sonora digna de aplauso em “Guardiões da Galáxia”: Jackson 5, The Runaways, David Bowie e mais

Se você está por dentro dos lançamentos cinematográficos super-heróicos, está sabendo que está para sair o filme Guardiões Da Galáxia, da Marvel. O filme apresenta um grupo de anti-heróis não muito conhecidos do grande público e vem a ser uma grande aposta da Marvel, mas o que mais me chamou a atenção nesse filme foi a excepcional escolha de trilha sonora.

Sem contar com artistas populares (que, francamente, já estão dando no saco) como Pharrell Williams, Imagine Dragons e outros, a trilha do filme traz sucessos dos anos 80 e anteriores, uma orgia da nostalgia. É, sem dúvidas, a melhor trilha sonora em filmes do gênero desde Watchmen – que é assunto para outro post.

Lista de trilhas de “Guardiões Da Galáxia”
1. Blue Swede – Hooked on a Feeling
2. Raspberries – Go All the Way
3. Norman Greenbaum – Spirit in the Sky
4. David Bowie – Moonage Daydream
5. Elvin Bishop – Fooled Around and Fell in Love
6. 10Cc – I’m Not in Love
7. Jackson 5 – I Want You Back
8. Redbone – Come and Get Your Love
9. The Runaways – Cherry Bomb
10. Rupert Holmes – Escape (The Piña Colada Song)
11. The Five Stairsteps – O-O-H Child
12. Marvin Gaye/Tammi Terrell – Ain’t No Mountain High Enough

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O Fresno e o mal da televisão

Lucas Silveira, vocalista e principal compositor da Fresno, tem hoje 30 anos de idade e já vivenciou muita coisa nessa vida. Viveu tanto que lançou, só com a banda, seis álbuns e dois EPs – sem contar os projetos paralelos chamados Visconde, Beeshop e SirSir. Suas letras são desde sempre carregadas de emoção, potencialmente inspiradas em situações reais, provavelmente pessoais, além de conter uma espécie de visão de vida. Isso significa que nada na obra da Fresno é superficial, dos amores adolescentes às temáticas de auto-ajuda. Um dos aspectos menos evidentes e mais recentes é o ódio pela “televisão” – ou seja, a imprensa.

Há diversas menções diretas a ela nos últimos trabalhos da Fresno, assim como referências à imprensa de modo geral. Em alguns casos, dá pra entender a televisão como uma entidade reguladora, que julga a todo tempo e controla sua vida pública. Em outras, ela é aquele vilão clássico, alienador e manipulador. É impossível não fazer ligação direta com a velha polêmica do som emo, dos rótulos distribuídos a esmo e da maneira depreciativa que a banda foi encarada em um período da carreira, mas que reverbera até hoje. (Pra entender melhor, há o documentário Do Underground ao Emo, que conta como a forte cena do hardcore foi traduzida meramente em estética pelo mainstream com ajuda da grande imprensa nos Anos 2000).

lucasfresnoIsso fica evidente porque as primeiras referências não são exatamente negativas. Elas estão primeiro em Quebre as Correntes, música do álbum Ciano (2006), aquele que popularizou a banda. “E o quê dizer quando sua vida não é igual à da TV?”, canta Lucas. Depois, aparece de novo no álbum Redenção (2008), o primeiro da banda por uma grande gravadora (Universal Music). Na música-título, ele avisa: “desligue o rádio e a TV porque no seu domingo vou aparecer”, enquanto que em Europa relaciona a TV a “imagens do passado”, a um pesadelo do qual não há como acordar. Nada muito grave, portanto.

Mas foi com o Redenção (2008) que chegou ao auge a rotulação da Fresno, que deixou de ser vista como uma banda cool para fazer parte de uma estética vazia e afetada. Isso foi potencializado com um disco que a banda, hoje em dia, enxerga com ressalvas. O álbum seguinte, não por acaso chamado Revanche, foi escrito pra provar que a banda era rock suficiente. Lucas admitiu, no documentário feito na gravação do EP Maré Viva, que, por mais doido que pareça, Revanche se destinou àqueles que não gostavam de Fresno.

A TV, essa entidade que conta as histórias do dia-a-dia e influencia milhões de pessoas, não foi poupada, e a partir daí as referências à imprensa aumentaram exponencialmente. Em Deixa o Tempo, Lucas canta: “Queria tanto estar em casa vendo mentiras na televisão”. Em Relato de um Homem de Bom Coração, ele desabafa: “de que adianta abrir os olhos se sei que os flashs são pra me cegar”. Em A Minha História Não Acaba Aqui, a mais representativa do álbum, elenca: “vão te vender sem saber o que há por dentro e vão achar que com alguns trocados podem te comprar, vão encontrar mil maneiras de rotular”.

fresno_marevivaDo Revanche para frente, todas as referências são negativas. Como, por exemplo, na música A Gente Morre Sozinho, do inexplicável EP Cemitério das Boas Intenções (2011): “enquanto pintavam os muros de sangue pra vender jornais”. Ou como em Farol (Infinito, 2012): “mas saiba que o teu olho me emburrece mais que as mentiras que eu li nos jornais de ontem”. No mais recente EP, Maré Viva (2014), o mesmo ocorre em À Prova de Balas: “sente o veneno que sai da tua televisão, eles vão dar uma festa pra nossa extinção. Quem muito mostra, esconde e engana quem vê de longe”.

O NTR é imprensa? Sei lá. Só sei que aqui estamos mais uma vez tentando interpretar as músicas do Fresno, dando significado a algumas coisas que, como temos a humildade de admitir neste momento, podem nem ser isso mesmo. Mas que esse ódio pela televisão faz sentido, faz. Talvez seja uma espécie de bode-expiatório, uma forma de canalizar esse incômodo que, se não é culpa da “televisão”, foi amplificado e popularizado por ela – de qualquer maneira, eu ainda acho que, sim, é culpa da televisão como principal componente do mainstream.

Diz um ditado americano: those who tell the stories rule the world. Isso tudo é o Fresno brigando para poder contar a sua própria história, em vez de amplificá-la por outros meios.

99 problems – A Origem

O ano é 1994. Um negro dirige por uma rodovia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e ele tem cocaína escondida no carro.  Ele olha no retrovisor e vê “A Lei” se aproximando, sirene e giroflex ligados. Por um momento, cogita pisar fundo e arriscar uma perseguição mas… tudo bem, ele tem dinheiro, pode encarar a ocorrência de uma forma ou de outra. “Filho, você sabe por que eu mandei você parar?”, pergunta o policial. Muita coisa passa pela cabeça do rapaz – questões raciais e sócio-econômicas, principalmente. Ironia e impaciência se misturam: “estou sendo preso ou tem mais nisso aí?”.

“Bem, você estava 2 km/h acima do limite. Documentos e, por favor, desça do carro. Você está armado? Eu sei que muitos de vocês andam armados“, diz o policial. Definitivamente, questões raciais e sócio-econômicas fizeram a diferença. Mas este negro sabe o que está fazendo: não vai descer do carro, e isso é tão certo como a validade de sua documentação. “Bem, você se importa se eu olhar seu carro um minuto?”, pede “A Lei”. Mas é claro que não. “Meu porta-luvas está trancado, assim como meu porta-malas. Então, você vai precisar de um mandado de busca“, rebate o rapaz.

O policial se impressiona: encontrou pela frente um espertinho. “Então você deve ser um advogado, alguém importante ou algo do tipo”, provoca. “Não”, responde o negro. “Não estou acima da média, mas sei alguma coisa. Sei o suficiente para você não revistar ilegalmente as minhas coisas“. A tensão é cada vez maior. “Bem, vamos ver se você vai continuar espertão quando a k9 chegar (Unidade Canina, em inglês, responsável pelos cães farejadores)”. Estacionados à beira da rodovia, eles veem justamente a viatura com a inscrição k9 passar a toda, com qualquer outro destino.

I got 99 problems, but a bitch ain’t one.

Esse é o cerne da música 99 Problems, sucesso de Jay-Z parte do “Black Album” lançado em 2004. Dez anos antes, o próprio rapper foi parado pela polícia, na sua opinião, apenas por ser negro. A letra criou polêmica nos Estados Unidos e levou a uma investigação que comprovou que a polícia de Nova Jersei abordava mais suspeitos negros do que brancos nas mesmas condições. Em 2011, um professor de direito fez a análise da letra e indicou que Jay-Z estava errado ao sugerir que um policial não poderia obrigá-lo a descer do carro ou que seria necessário um mandado para revistar o veículo.

Polêmicas a parte, a música é mais um dos argumentos dos que alegam a “genialidade” de Shawn Carter, nome verdadeiro do rapper. O refrão é ambíguo: começa com “If you’re having girls problems I feel bad for you, son” (se você está tendo problemas com garotas, eu sinto muito por você, filho). “I got 99 problems, but a bitch ain’t one”, completa. A palavra “bitch” poderia ser interpretada como referência a uma “mina”, mas na verdade diz respeito às cadelas que poderiam farejar o carro de Jay-Z, descobrir as drogas escondidas e dar razão ao policial.

Até Barack Obama já citou a música mais de uma vez. Em 2009, Jay-Z se apresentou em um evento exclusivo para financiadores da campanha que elegeu o primeiro negro presidente dos Estados Unidos e cantou 99 problems, mas alterou o refrão para “I got 99 problems, but a Bush ain’t one”, em referência ao ex-presidente George Bush. Já em 2013, em um encontro com jornalistas na Casa Branca, Obama mostrou senso de humor ao comentar os rumores que indicavam visita do rapper a Cuba. “É ridículo. Eu tenho 99 problemas, e agora Jay-Z é um deles“.

Por que cantar em português?

Banda de metal/hardcore de São Paulo, o Project 46 estava com a gravação seu primeiro álbum encaminhada quando resolveu incluir uma hidden track com letra em português. A coisa funcionaria como um teste, uma música diferente em meio ao álbum todo cantado em inglês. Quando a faixa ficou pronta, o impacto dela foi tão grande que deixou os cinco integrantes em dúvida. Ficou bom. Será que o resto delas também soaria bem se traduzida também? “Por que cantar em português?”, perguntaram-se.

Project 46

Project 46

As referências do headbanger brasileiro padrão são gringas, não só porque o estilo foi criado e aperfeiçoado fora do País, mas também porque boa parte das principais bandas daqui faz música em inglês – Sepultura e Korzus são exemplos. Assim funcionava com o Project 46 também. Antes de formar a banda, o quinteto integrava um cover de Slipknot. O primeiro EP, If You Want Your Survival Sign Wake up Tomorrow (2009)tem quatro faixas em inglês. Dois anos depois, eles resolveram arriscar: passaram todas as letras para português. Os efeitos disso são muito interessantes.

Primeiro porque algumas músicas foram traduzidas quase que fielmente, sem grandes adaptações. Wake Up, do EP inicial, virou Acorda Pra Vida no primeiro álbum, intitulado Doa A Quem Doer (2011), assim como If You Want agora é Se Quiser Tomorrow é Amanhã NegroSurvival Signs, por sua vez, foi uma das músicas bem alteradas, transformando-se em No Rastro Do Medo. De qualquer maneira, a temática é a mesma: porrada, desgraça e a luta para superar os medos, problemas e dificuldades. Cantar em português, por fim, acabou fazendo toda diferença para o Project 46.

O principal motivo é a identificação com as letras. O guitarrista Vinícius Castellari explicou, em entrevista ao site Whiplash, como é muito mais relevante e significante para o fã gritar um palavrão em português do que em inglês. A gente enche a boca pra falar “Acorda pra vida, caralho”, muito mais do que faria com “Wake up to your life, bastard”, como no original. Além disso, não dá para deixar de notar como a dicção do vocalista Caio MacBeserra em inglês é contestável, enquanto que em português ele consegue marcar melhor as sílabas. Apesar do vocal gutural, dá para entender o que é cantado.

Capa do novo disco

Capa do novo disco

Em português, o Project fala a língua dos fãs, com frases como “Aqui se faz, aqui se paga”, “Então cola na grade e vem” e “Abre a roda ou sai fora”. O efeito disso no show é devastador, da maneira como tem que ser quando um metal é tocado. Resta, então, o nome em inglês, que provavelmente não será trocado. É uma herança dos tempos de Slipknot cover, quando Jean Patton e Vini Castellari resolveram formar a banda. No cover, Patton era o #6, o palhaço, percursionista e backing vocal, enquanto Castellari imitava o #4, guitarrista.

“Project forty-six”, mas eles não se incomodam se a pronúncia mudar para “Project quarenta e seis” ou mesmo “Projeto quarenta e seis”. A banda nunca foi tão engajadamente brasileira como agora. O álbum novo já está pronto, vai se chamar Que Seja Feita a Nossa Vontade e terá, em sua capa, arte do grafiteiro Will Ferreira, conhecido por retratar questões sociais do País em seu trabalho. Uma música já foi liberada: Empedrado, sobre vício em crack, uma questão mais do que atual. Daria para falar disso em inglês? Claro. Mas não teria o mesmo impacto. Em português, o Project 46 é mais relevante. Essa é a resposta para aquela pergunta. E eles acertaram.

Compare as letras do Project 46 em inglês/português (links com vídeo)

Inglês                                                                                             Português
Wake Up                                                                                      Acorda Pra Vida
If You Want                                                                                Se Quiser
Tomorrow                                                                                  Amanhã Negro
Survival Sign                                                                             No Rastro Do Medo

Metallica: perdemos uma grande chance

Estávamos no meio Carnaval, a maioria na folia ou de folga, então talvez nem tenhamos percebido, mas encerrou-se o prazo para escolher as músicas do show que o Metallica vai fazer em São Paulo, no próximo dia 22. Todos que compraram ingresso para o evento no Morumbi, chamado Metallica by Request, puderam usar o código recebido na operação para acessar um site e votar em 17 das 18 que vão compor o setlist – uma delas será inédita. A conclusão disso é que perdemos uma grande oportunidade. A América Latina, no geral, perdeu.

Perdemos a chance de ver um show do Metallica como nunca seria possível. Como a banda corajosamente abriu a votação todas as músicas já gravadas, poderíamos ter escolhido uma apresentação com pelo menos alguns “lados Bs”, talvez as bem antigas, as desconhecidas pelo grande público, as boas músicas novas. Por quê não? Em vez disso, acabamos formando um setlist relativamente dentro do padrão, com grandes sucessos, ainda que baseado nos primeiros álbuns da banda. Será assim no Brasil, mas também em Bogotá (16 de março), Quito (18), Assunção (24), Santiago (26) e Buenos Aires (29 e 30). Lima (20) é a exceção.

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Em todos os países, a música mais votada foi Master of Puppets – em Quito, onde teve a maior parcela de votos, alcançou 78%. Além dela, estarão em todos os shows as músicas Enter Sadman, Seek and Destroy, Fade to Black, The Unforgiven, Battery, Creeping Death, …And Fustice For All, Welcome Home (Sanitarium) e Ride the Lightning. É um baita setlist, e talvez seja essa a explicação para a homogeneidade da votação na América Latina: em um continente onde ainda é relativamente raro ver o Metallica, os fãs querem o melhor do melhor, os sucessos e os clássicos.

Basta olhar o exemplo da Argentina, a única a receber dois shows, e entre eles apenas uma música varia: Blackened dá lugar a Orion da primeira para a segunda noite. One foi a segunda música mais votada em todos os países, exceto na Colômbia, onde surpreendentemente sequer foi incluída no repertório – isso porque One foi o primeiro videoclipe feito pelo Metallica. Além de Blackened e Orion, outras músicas que aparecem em algumas listas são Whiplash e Fuel, a mais recente de todas, do álbum ReLoad, de 1998. Ao todo, a banda colocou mais de 200 músicas para votação. A América Latina reduziu tudo a 23 delas.

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Metallica toca em São Paulo no Morumbi

Brasileiros e argentinos foram os únicos a escolher uma música que não é do Metallica: Whiskey In The Jar, canção folclórica irlandesa. Os brasileiros elegeram uma canção que ninguém mais quis: Wherever May I Roam. Nada disso se compara, no entanto, ao que fez o Peru. Foram eles os que melhor aproveitaram a votação, e definitivamente Lima receberá um show único.

Os peruanos abriram mão de sucessos como Nothing Else Matters, Sad But True e For Whom The Bell Tolls para incluir músicas da fase mais trash do Metallica. Serão os únicos que vão ouvir The Four Horseman (Kill ’em All, 1983), Fight Fire With Fire (Ride The Lightning, 1984) e Disposable Heroes (Master of Puppets, 1986). Eles ainda quase incluíram duas músicas do último álbum da banda, Death Magnetic (2008): All Nightmare Long e The Day That Never Comes. O Peru foi o país em que Master of Puppets teve o menor índice de votação, com 50%.

Não há explicação óbvia para esse cenário diferente. Talvez os fãs de lá sejam mais engajados com os primeiros álbuns. O que há é um caso de amor dos headbangers do país com o Metallica, banda que protagonizou o maior show da história do Peru, com 50 mil pessoas no Estádio Nacional de Lima, em 2010. Quatro anos depois, são definitivamente um ponto fora da reta sul-americana pela qual passarão James Hettfield e cia. Para o brasileiro, não há dúvida de que não restará lamento pelas músicas não escolhidas. O show será cantado do início ao fim. Vai ser, em grande medida, como nas outras vezes em que a banda esteve por aqui.

Raimundos: acabou a nostalgia

Raimundos, aquela banda foda com som pesado, letras de duplo sentido e divertidas, influência nordestina e um jeito ímpar de falar sobre questões sociais – essa banda está mais viva do que nunca. Ela lançou álbum novo, Cantigas de Roda (2014), com 12 músicas para acabar de vez com a tristeza e a nostalgia que a perseguem desde 2001, quando o grupo se desmembrou no auge do sucesso, com saída do vocalista Rodolfo Abrantes, convertido em evangélico.

A questão aqui não é o ex-vocalista. Afinal de contas, já fazem 13 anos que ele deixou a banda – são dez anos sem sequer sua sombra no mainstream, desde o fim do Rodox. Aquele Rodolfo nem existe mais (o NTR falou sobre isso aqui). Ele recusou, por exemplo, participar do álbum acústico do CPM 22 porque a igreja “não permite“. O Raimundos com ele não é, há muito tempo, uma opção. Sem ele, agora voa com as próprias asas.

montagemraimundosNão que a boa fase da banda seja novidade, com a formação incluindo o baterista Caio e o guitarrista Marquim consolidada. Em 2010, vi a banda tocar na Virada Cultural em São Paulo surpreendida e instável diante do mar de gente que se reuniu na Avenida São João. Meses depois, em festas de faculdade já se mostrava cada vez melhor. Voltou aos grandes festivais – em 2011 tocou no SWU, em 2012 voltou ao Planeta Atlântida, em 2013 fez o Circuito Banco do Brasil e 2014 reserva a ela o Lollapalooza, entre outros. Do Rio de Janeiro a Fortaleza a Goiânia e Curitiba, toca no Brasil inteiro.

Seu público não guarda mágoas, o que ficou provado com o sucesso da arrecadação da campanha de crowdfunding para a produção do disco novo. O objetivo inicial era chegar a R$ 55 mil. O resultado final, mais de R$ 120 mil – mais que o dobro, portanto. E esse sequer é o primeiro trabalho pós-Rodolfo: lançaram o Kavookavala em 2002, além do DVD Roda Viva (2010) e singles esporádicos como Jaws (2011). Todos esses aspectos contribuíram para quem a banda chegasse ao Cantigas de Roda em alta. A expectativa em torno desse álbum não poderia ser falsa.

Com dinheiro em mãos, o Raimundos gravou sem precisar se restringir, com produção de Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, em seu estúdio em Los Angeles (Estados Unidos), e participação especial de Sen Dog, do Cypress Hill, entre outras.

raimundos-cantigas-de-rodaA primeira música é representativa em relação ao disco. Cachorrinha é um hardcore em que a porrada come solta com vocal cantado na velocidade da luz no melhor estilo Lapadas do Povo. Isso nunca vai tocar nas rádios. Quando Digão dizia, nos últimos meses, “vocês podem esperar tudo dessa banda, menos ela amansar”, não mentiu. É claro que há músicas com potencial radiofônico (Baculejo e Cera Quente, por exemplo), mas, em suma, o que se ouve é um passeio por todas as fases da banda – incluindo as baladinhas já citadas.

Tem reggae com arranjo de metais (Dubmundos), letras divertidas e sacanas (Importada do Interior e Gordelícia), contestação social (Politics) e o forró-core, com Gato da Rosinha, música de Zenílton, o compositor de tantas outras versões eternizadas pelo Raimundos, como Pão da Minha Prima e Tá Querendo Desquitar. Tem “piada interna” interna também. Em BOP, Digão pede “chame o José Pereira“, nome de Canisso. Em Nó Suíno, canta “vacilou os dente voa, mas o Caio bota cola“: baterista, Caio é também dentista em Brasília.

Cantigas de Roda é o álbum mais Raimundos desde que as pessoas passaram a se perguntar “isso ainda é Raimundos?”. Em BOP, Digão avisa: “enquanto os doido pedir, vamo continuar“. Em Politics, que fecha o disco, grita: “isso é Raimundos, caralho! Muito respeito!“. Não dá para ignorar: acabou a nostalgia.

Bônus: versão original de O Pão da Minha Prima, do disco O Cachimbo da Mulher (1981), nome de outro sucesso do forró que foi hardcorizado pelo Raimundos

Fuck you (Forget you), a origem

Fuck You (Forget you) é o primeiro single do terceiro álbum de estúdio de Cee Lo Green, The Lady Killer (2010). Foi lançado em 19 de agosto de 2010 e se tornou um hit instantâneo, apesar dos palavrões (é claro que há uma versão tosca suprimindo as palavras fuck, shit nigga). Aparentemente, é uma música de lamento sarrista do ponto de vista de um sujeito que foi trocado pela namorada por outro bem abastado. Ok, mas não é só isso. A origem dela está em Bruno Mars, no início de sua carreira e na admiração por Cee Lo. Vamos ao background da questão.

Bruno Mars lutou muito para vingar como músico, a ponto de cogitar voltar ao Havaí, onde nasceu, por dificuldades financeiras. Ele então vivia em Los Angeles exclusivamente em busca desse sonho e insistia em conseguir alguma faixa em parceria com outros produtores, algo que o fizesse estourar. Antes, chegou a ser contratado pela grandiosa Motown Records, companhia que fechou as portas em 2005 e que, no passado, foi casa de grandes nomes como Jackson 5, Steve Wonder, Marvin Gaye e The Temptations, entre outros. Acontece que a Motown não soube o que fazer com Bruno Mars. A questão era a seguinte: qual é o seu público alvo?

Mars foi dispensado da gravadora Motown

Mars foi dispensado da gravadora Motown

Analisando pelas músicas de Mars hoje em dia, dá pra notar a dúvida da gravadora: ele produziu baladinhas românticas (Just the way you are), reggaes (The lazy song), hip hops (Nothin’ on you), tem uma pegada oitentista (Treasure) e até músicas com batida mais pesada, densa (Granade). Para uma gravadora que está prestes a apostar em um desconhecido e investir tempo e dinheiro, essas questões parecem justas. Mars foi deixado de lado. Isso ocorreu em 2004. Dois anos depois, o Gnarls Barkley, com Cee Lo Green à frente, estourou com Crazy em seu álbum de debute, St. Elsewhere.

“Quando o Gnarls Barkley apareceu usando todos esses estilos diferentes de música e quando Crazy foi lançada, essa é uma música que eu gostaria de ter escrito“, disse Bruno Mars, durante uma feira promovida pela ASCAP, a associação americana de compositores, autores e publishers. De repente, o projeto de Mars recusado pela Motown estourou com o Gnarls Barkley. Enquanto isso, sua carreira começava finalmente a andar, mas com trabalho para outros. Ao lado de Philip Lawrence e Ari Levine, grupo de produção chamado The Smeezingtoons, começou a chamar a atenção com sucessos como o feito para o rapper B.o.B., com Billionaire.

Foi assim que surgiu o convite de Cee Lo Green para uma parceria com os Smeezintoons. Ele queria uma música, Mars criou uma a partir do verso: “I see you driving ’round town with the girl I love and I’m like fuck you”. Não é difícil perceber que trata-se de um desabafo bem humorado feito para Cee Lo Green. A história está bem explicada na divertida participação de Mars e seus companheiros de Smeezingtoons no evento da ASCAP. A parte abordada por esse texto começa aos 4min20s. Philip Lawrence, sentado à direita, é como o beatmaker do trio. Já Ari Levine, à esquerda, faz as vezes de letrista.

A partir do primeiro verso, os quatro criaram o riff de piano que marca a introdução e desenvolveram a letra. “Quanto mais trabalhávamos nela, menos brincadeira a letra se transformava”, disse Lawrence. Foi ideia de Cee Lo Green, por exemplo, dizer “fuck you” também para a garota na música, e assim o diálogo é travado com ele – o novo namorado – e ela – a ex-namorada – durante toda a canção. Cee Lo já disse, em entrevistas, que não teve ajuda para escrever a letra. Sabemos que isso é mentira. E se alguém não acredita, segue uma mensagem dos Smeezingtoons: “fuck you”.

Bônus: versão estilosa da Eliza Doolitle (com direito a dois dedinhos levantados pra dizer “fuck you”, estilo britânico)

Cool Covers: Blurred Lines

Peitos e bundas fazem parte do nosso cotidiano tão massivamente quanto trânsito em São Paulo, academias no Rio de Janeiro ou o mangue em Recife que acabam sendo banalizados. Eles passam, são empurrados e esfregados na nossa cara, mas a gente nem dá bola mais porque é uma coisa tão costumeira que nem nos chama mais a atenção.

Isso acaba tirando o nosso sendo crítico e, às vezes, não conseguimos enxergar logo de cara como uma imagem/vídeo pode ser ultrajante e sexista. Quando isso acontece, um exercício simples para “ligar” a nossa capacidade de julgamento é inverter os gêneros. Ao fazer essa troca de papéis das representações de gênero o homem assume a posição feminina tradicional e vice-versa.

Muitas vezes, é preciso fazer esse exercício mental (no caso, de imaginar homens com ~roupas provocantes~ e fazendo cara de desejo) pra se dar conta do absurdo a que somos expostos e pra ver como o que era pra ser sensual sem ser vulgar, na verdade, é ridículo e patético.

Uma música que se encaixa muito bem nesse contexto é o hit “Blurred Lines” de Robin Thicke. Quando você escuta o som pela primeira vez é muito fácil se viciar na batida pop chiclete com direito a um “hey hey hey” que você fica cantando o dia inteiro. Mas basta prestar atenção no videoclipe e na letra para constatar como a ela é perversa com a mulher, pois a retrata como sendo altamente sexual e submissa e o homem como dominante e agressivo. A música chegou até a ser banida por estudantes de Edimburgo por considerá-la um incentiva ao estupro por conter versos como: “I’ll give you something big enough to tear your ass in two”.

Para esse Cool Covers escolhi uma versão que faz justamente essa troca de papéis que citei anteriormente: o grupo Mod Carousel parodia a canção de Robin Thicke promovendo a inversão de gêneros. O resultado é incrível porque a gente está tão calejado de ver peitinhos por aí que um a mais ou um a menos não faz diferença, mas quando é um homem que se coloca nessa posição, aí a gente se dá conta de como a mulher é objetificada e do quão ridícula, absurda e misógina é essa situação.