Açaí, Djavan
Desde 15 de março de 2012, o programa Comédia MTV é apresentado ao vivo, com direito a sketches recheados de improvisação. Na edição de 19 de abril, o humorista Paulinho Serra começou uma brincadeira envolvendo o músico Djavan que traz referências imediatas a qualquer um que tenha ouvido, pelo menos, suas canções nas principais novelas da Globo. Ele se dirige a uma garota da plateia e pede uma palavra bonita: “coração”. Para o cara ao lado, uma palavra triste: “feio”. E assim vai variando, recebendo em troca “amor”, “botão”, “camiseta”, “cadeira”, “palito”, “pudim”, “lavanderia”, “felicidade”, “dentadura”, “azul” e “merda”. Com esses termos, Marcelo Adnet se transforma no cantor alagoano.
A sátira envolve as letras de Djavan, difusas, indiretas, enigmáticas e confusas – pelo menos à primeira vista. É o perigo da falta de referência. O que acontece no palco do programa é que as únicas referências são as letras difíceis de entender e que levam a situações engraçadas como quando “Amar é um deserto/E seus temores” se torna “Amarelo deserto e seus temores” na canção Oceano. É assim que Adnet faz uma paródia engraçada de “Nem um dia”, arrancando risos verdadeiros da plateia e, certamente do telespectador. Djavan parece nem ligar mais para esse tipo de coisa. Mas quando fala sobre o assunto, a mensagem é clara: “não há nada na minha letra que não faça sentido”.
Adnet e sua equipe não são os primeiros a satirizar Djavan por essa característica: o jornalista Artur Xexéo, colunista e editor do jornal O Globo, usou a música “Açaí” para nomear um prêmio pelo melhor do nonsense na música brasileira, o que deixou o cantor muito irritado.
Djavan falou sobre isso em uma edição do programa Som do Vinil, do Canal Brasil, depois de ser provocado sobre o assunto por Charles Gavin. O baterista dos Titãs elogia o swingue de Djavan e diz que isso permite que ele use as palavras como bem entender, escolhendo-as antes pelo som do que pelo significado. “Sim ou não?”, complementa Gavin. A explicação o deixa claramente desconfortável.
Para acabar com o mito, Djavan usa o refrão justamente de Açaí: “Açaí, guardiã/Zum de besouro, um imã/Branca é a tez da manhã”. Vamos à explicação.
“Não há nenhuma pessoa que viva no norte do Brasil que não entenda que o açaí é a fruta que faz com que a subsistência daquelas pessoas esteja garantida, porque é uma fruta abundante, barata, muito nutritiva e com ela se faz tudo. Por isso açaí guardiã. Todo nortista entende esse verso”, conta Djavan, que nasceu e cresceu em Maceió, Alagoas, um estado do nordeste. Agora o verso faz sentido, não é mesmo? A lógica extremamente simples é a mesma para os outros versos do refrão.
“Zum de besouro, um imã” é explicado assim: “todo mundo que gosta da natureza, é impossível ouvir um zunido qualquer e não se interessar por quem o está produzindo; por isso, um imã”. E, por fim, “branca é a tez da manhã”: “se você acordar às 5 horas da manhã em um dia nublado, a vida está branca”. Quando Djavan anuncia que “não há nada de nonsense nesses versos”, Charles Gavin já está balançando a cabeça entre sorrisos descompassados. Artur Xexéo, que também é citado no programa, já foi criticado em público pelo cantor por essa visão rasa de uma obra que pende, sim, para o lado subjetivo, mas que não é sem sentido.
“Não há nada de nonsense nesses versos. O que há é a falta de alcance de alguns críticos que nos punem pela sua ignorância. E eu não posso fazer nada. O verso está ali, é lindo, e não há nada na minha letra que não faça sentido”, complementa Djavan. Não é por isso que devemos deixar de rir com o sketche do Comédia MTV, pelo contrário. Mas é de se admitir: a música Açaí acabou de ficar muito mais bonita. E menos ignorante frente aos nossos olhos.