Eu vim de Santos!
Charlie Brown Jr. é uma banda muito repetitiva. Essa afirmação não trata de frases como “eu vim de Santos, sou Charlie Brown”, quase que um lema adotado por Chorão nos shows e CDs. Ela realmente tem identidade e, mais do que isso, uma grande história por trás. Trata das origens da banda, onde ela se formou e cresceu e de onde saiu para se tornar uma das mais populares do Brasil. Trata também da barraquinha que Chorão atropelou com seu carro em um dia de forte chuva e alagamento. Daí surgiu o nome, acrescentando apenas um “Jr.” por se tratar da nova geração. De lá para cá foram dez álbuns – nove de inéditas – em um espaço de apenas 12 anos. Em seis deles encontrei letras repetidas, a partir de uma pesquisa simples e feita no mais puro olhômetro, comparando.
Chorão é o principal letrista da banda, o que faz com que as mudanças de estética e estilo musical fossem pontuais de um disco para o outro, apesar de a formação ter mudado consideravelmente três vezes. Há trechos repetidos que aparecem em músicas de álbuns de sonoridades diferentes como o “Preço Curto, Prazo Longo” (1999), gravado com a formação original, e “Bocas Ordinárias” (2002), talvez o disco mais hard rock do CBJr e já sem o guitarrista Thiago Castanho.
Já em “Imunidade Musical” (2005), álbum que marcou a ruptura da banda com a saída de Marcão, Champignon e Pelado, não encontrei nenhuma repetição significativa. O mesmo aconteceu em relação ao mais recente “Camisa 10 Joga Bola Até Na Chuva” (2009) e no primeiro, “Transpiração Contínua Prolongada” (1997), do qual nenhum verso foi reaproveitado nos álbuns seguintes.
Lançar quase um álbum por ano em quase dez anos não deve ser mesmo fácil, o que pode ter facilitado a repetição de um ou outro verso. Outra explicação é o fato de o Charlie Brown Jr. produzir muitas faixas que funcionam quase como vinhetas, com mistura de batidas, riffs e letras. “Malabarizando”, que abre o disco “Tamo Aí Na Atividade” (2004), é um bom exemplo. Ela é feita de pedaços de letras de outras quatro músicas e tem até um riff de “Back In Black”, do AC/DC.
A repetição no Charlie Brown Jr. vai além de versos, chega também às ideias. “A vida me ensinou”, “o tempo é rei”, “um bom guerreiro”, “skate vibration” e “dias de luta, dias de glória” são imagens extremamente comuns nas composições. A ideia de “evoluir” e de “liberdade” também estão muito presentes. Note que é totalmente possível fazer uma letra reunindo tudo isso – com o passar dos anos, Chorão deixou a temática da banda homogênea.
Se levarmos em conta a teoria de que só se escreve e relata com propriedade o que se sente na pele, o sucesso tirou de Chorão a matéria prima para suas músicas. Ele não precisa ser mais malandro como em “Proibida pra mim”, não é mais da ralé como em “Tudo o que ela gosta de escutar” e, provavelmente, deixou de ter problema com drogas pesadas, como em “Quinta-feira”, só para citar músicas do primeiro CD, “Transpiração Contínua Prolongada” (1997). Supõe-se que punks conheçam as agruras do proletariado, sambistas tenham a malandragem do morro e sertanejos saibam a tristeza do Jeca. O principal letristra do CBJr. não tem mais esse artifício.
Charlie Brown Jr. é, por tanto, uma banda extremamente repetitiva, ainda que isso esteja diluído no trabalho todo. Estranho é que o que acaba chamando atenção e irritando algumas pessoas seja uma das frases com mais significado para a banda: “eu vim de Santos, sou Charlie Brown”. Uma triste e repetitiva ironia.
Confira os versos repetidos, as músicas e os álbuns
“Tu vai em festa que só entra quem não presta
não vai com a cara do sujeito
quer saber se o cara manda bem
Ele te prova quem é mostrando a base que tem
Eu sei bem como é que é, não vou tirar ninguém
O que é da casa é da casa (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
Local (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
“Toda noite, toda parte
a galera vem mostrar qual é a arte
qual é a arte então”
Não deixe o Mar te Engolir (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
Local (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
“Sua própria vida lhe ensinou a caminhar
com as próprias pernas yeah
Resta agora você se livrar do mal
que te corrói e te destrói”
Não deixe o Mar te Engolir (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
Somos poucos, mas somos loucos (Bocas Ordinárias, 2002)
“Tem pra mandar trazer, tem
Tem pra mandar buscar, vai
Tem pra mostrar o poder, tem
Tem pra te alucinar
Eu não fico dividido
Sei porque tomo o partido
Sistema falido
já aconteceu comigo”
A Banca (Nadando Com os Tubarões, 2000)
Quebra-Mar (100% Charlie Brown Jr., 2001)
“Estive pensando em me mudar
Sem te deixar pra trás
Resolvi pensar em nós
Vou te levar daqui
Te levar (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
Tudo Mudar (Nadando com os Tubarões, 2000)
“Passa, passa os homens querem te pegar
Hum… lá vem eles lá, eles querem te levar
maloqueiro, carro gringo, vão parar pra averiguar
Fichado (Nadando com os Tubarões, 2000)
A Banca (Nadando com os Tubarões, 2000)
“Sangue bom… nosso sócio diz que não vai ter pra já
Pra mais vai descolar
Pra mais tarde fazermos a cabeça, sangue bom…”
Fichado (Nadando com os Tubarões, 2000)
No desafio, Ibiraboys (Nadando com os Tubarões, 2000)
“uma cigarra se encantou na minha mão
anunciando a chegada do verão
verão aqui é legal, Brasil, puta carnaval
Mas na verdade todo mundo quer ver sangue
ver sangue é que é legal
todo mundo para, para ver o caos
O batuque e o massacre, o batuque e o crack
o batuque e a bola o pobre sempre é a bola
o pobre sempre é a bola”
Ouviu-se falar (Nadando com os Tubarões, 2000)
Somos extremes no esporte e na música (Nadando com os Tubarões, 2000)
“Hoje eu tenho tudo que eu podia querer
Mas dinheiro não é tudo tenho muito a fazer”
Talvez a metade do caminho (Nadando com os Tubarões, 2000)
Não uso sapato (Acústico MTV, 2003)
“No meio disso tudo eu não te iludo e não me iludo
A pouco tempo atras eu era um pobre vagabundo
Andava pela rua sem nenhum trocado ia a pé pra toda lado
Maltrapilho e maltratado falido e mal cuidado”
Rubão (Nadando com os Tubarões, 2000)
TDFP (100% Charlie Brown Jr., 2001)
Malabarizando (Tamo aí na Atividade, 2004)
“As flores são bonitas em qualquer lugar do mundo
Muita gente tem forma, mas não tem conteúdo
Eu não sou alienado, eu não vivo esse absurdo
Eu conheco o fim da linha, eu renasci do submundo”
Hoje eu só procuro a minha paz (Bocas Ordinárias, 2002)
Zóio de Lula (Acústico MTV, 2003)
Com a minha loucura faço o meu dinheiro, com meu dinheiro faço minha loucura (Bocas Ordinárias, 2002)
“Eu mergulhei fundo, tomei de tudo pra tentar chegar ao fim
De um poço de um mundo sujo”
História mal escrita (Preço Curto, Prazo Longo, 1999)
Hoje eu só procuro a minha paz (Bocas Ordinárias, 2002)
Com a minha loucura faço o meu dinheiro, com meu dinheiro faço minha loucura (Bocas Ordinárias, 2002)
“Atitude a gente tem, sorte a gente tem também
De um jeito ou de outro pode crer que elas vem
Mas não só prum rolé, pra muito mais que isso
O que elas querem é aquilo e você tá ligado disso
Malabarizando (Tamo aí na Atividade, 2004)
Champagne e Água Benta (Tamo aí na Atividade, 2004)
“Eu nasci pobre, mas não nasci otário
Eu é que não caio no conto do vigário
Eu tenho fé em Deus pra resolver qualquer parada
Chega com respeito na minha quebrada…”
Malabarizando (Tamo aí na Atividade, 2004)
Tamo aí na Atividade (Tamo aí na Atividade, 2004)
“De vez em quando eu vou pro baile que é pra sola gasta
Eu trabalho pra caralho, mas nasci pra vadiar”
Malabarizando (Tamo aí na Atividade, 2004)
Di sk8 eu vou (Tamo aí na Atividade, 2004)
“Zica tem de monte, zóião dá até em penca
Eu tomo banho de banheira
Com champagne e água-benta”
Champagne e Água Benta (Tamo aí na Atividade, 2004)
Indicados para o prêmio Nobel (Tamo aí na Atividade, 2004)
“Pra mim uma rima louca tipo o bom aprendizado
Que muda todo o quadro
E deixa o povo ligado
Que a vida cobra muito sério e você não vai fugir
Não pode se esconder e não deve se iludir”
Ninguém entende você (Ritmo, Ritual e Responsa, 2007)
Hoje eu só procuro a minha paz (Bocas Ordinárias, 2002)
“A vida te pede mas a vida não te dá
Devagar com meu skate um dia eu cheguei lá
Eu não sei como se escreve mas sei como se faz
Minha fé é meu escudo pra tanto leva e traz
Conceitos se dissolvem num mundo globalizado
Eu tô na fé, eu tô legal, menos um revoltado”
Eu vim de Santos, sou Charlie Brown (Tamo aí na Atividade, 2004)
Direto e Reto Sempre (Ritmo, Ritual e Responsa, 2007)
“Só o amor constrói pontes indestrutíveis”
Pontes Indestrutíveis (Ritmo, Ritual e Responsa, 2007)
Paranormal (Ritmo, Ritual e Responsa, 2007)