Adeus, Peu da Pitty

 

A música acima, instrumentalmente, simboliza muito do estilo de Peu Sousa, guitarrista encontrado morto na manhã desta segunda-feira em seu apartamento em Salvador. “Vício”, da banda Nove Mil Anjos, tem levada extremamente melódica, com acordes misturados a frases curtas, diretas. O timbre tem um pequeno drive, provavelmente causado por um amplificador valvulado ou simulador. Lembra John Frusciante. É uma das provas do talento que lamentavelmente se foi em um suicídio praticamente confirmado pela Polícia.

Peu de Sousa nasceu em 22 de julho de 1977, em Salvador. Aos dois anos, foi adotado por Luiz Galvão, membro dos Novos Baianos. Não se sabe o tipo de influência que isso causou em sua formação. A adoção aconteceu na época do fim da banda, após o lançamento do álbum “Farol da Barra” (1978). O auge veio antes, com clássicos como “Acabou Chorare” (1972). Peu, portanto, não viveu a época do “Sítio do Vovô”, do pseudo-anarquismo em plena ditadura militar.

O guitarrista só iria tocar com seu padrasto depois dos 20 anos, já músico formado, acompanhado-o na turnê “Galvão com a Palavra” para dividir palco com nomes como Luiz Melodia, Morais Moreira e Jorge Mautner, entre outros. Antes, fez parte da banda de Carlinhos Brown, mas também trabalhou com  Marisa Monte, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Ivete Sangalo, entre outros. Apesar do ecletismo, bem ao estilo Novos Baianos, Peu sempre foi roqueiro.

Sua primeira banda de grande relevância foi a Dois Sapos e Meio, que sem presença na mídia movimentava a cena roqueira baiana. Em 2002, ele gravaria seu maior sucesso com a cantora Pitty. “Admirável Chip Novo” (lançado em 2003) estourou com hits como “Equalize”, que instrumentalmente tem assinatura do guitarrista: construções em cima de acordes, riffs valvulados e peso no refrão. Foram seis singles lançados, com outras duas músicas fazendo parte de trilhas sonoras de novelas.

peusousa-materiaNa grande imprensa, Peu foi identificado como “ex-guitarrista da Pitty” na maioria das manchetes sobre sua morte. Sem dúvida esse foi seu trabalho mais relevante; e foi por isso que, quando deixou a banda, em 2005, a notícia foi recebida com tamanha surpresa. De repente, Pitty perdeu um guitarrista de fortíssima presença de palco. Ela chegou a postar comunicado na internet esclarecendo: “divergências de opinião com relação a caminhos, atitudes e projetos” causaram a mudança. “Ninguém saiu na mão, ninguém brigou, ninguém expulsou ninguém”.

Eu diria que sua principal manifestação artística veio com o Nove Mil Anjos, banda formada com o baixista Champignon (ex-Charlie Brown), o baterista Junior Lima (irmão da Sandy) e o vocalista Pericles Carpigiani. Juntos, lançaram apenas um álbum, “9MA” (2008). Nele, Peu demonstra toda sua criatividade, em linhas e levadas extremamente originais, sempre com inúmeros efeitos no som, principalmente de modulação.

Por que não estourou? Difícil dizer. O single “Chuva agora” não empolgou e os vocais de Peri foram muito contestados – e com razão.

É por isso que Peu de Sousa é o “Peu da Pitty”. Parecia que estava em um caminho promissor, sempre esperando para estourar. Foi elogiado por muita gente importante da indústria musical. De acordo com Luiz Galvão, foi um dos artistas da nova geração que transportou consigo algum legado da rica história dos Novos Baianos. Tinha talento e contatos para ir muito além. Só não teve tempo.
 
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Thiago Castanho, o capitão

 

Chorão estourou duas champagnes no palco, molhando parte do público do MixFest! no último sábado (21/07), no Anhembi, em São Paulo. O Charlie Brown Jr. foi a terceira banda a se apresentar no festival da rádio e canal de televisão e fez um show emocionado: apesar de não ser o primeiro na capital paulista desde a volta dos integrantes Champignon e Marcão, firmada no final de 2011, a reunião foi muito celebrada com discursos emocionados de quase todos os músicos. O guitarrista Thiago Castanho foi um dos mais exaltados.

“Se tem um cara que tem a cara dessa banda mesmo, que tem o Charlie Brown na veia, é esse cara”, disse Chorão, batendo no braço como quem indica “na veia” e arrancando aplausos do público. “Esse é o Thiago, o nosso capitão”, complementou. Mas quem é esse cara que impediu que o Charlie Brown Jr. se desfizesse no momento mais difícil da carreira de 20 anos da banda?

O capitão

Thiago Castanho nasceu em Santos em 8 de fevereiro de 1975 e começou a tocar com 13 anos, mesma época em que comprou seu primeiro vinil: Led Zeppelin IV (1971). Influenciado pela irmã, dona de um violão, e pelos sucessos “Black Dog”, “Rock ‘n Roll” e “Stairway to Heaven”, investiu no instrumento e desenvolveu grande habilidade. Entrou para o Charlie Brown em 1992, depois de abandonar a faculdade de administração com apenas um semestre completado.

Thiago Castanho é tão habilidoso quanto Marcão, com quem divide palco no Charlie Brown, mas seu estilo bem definido fez com que se destacasse com seus solos ágeis recheados por efeitos como wah-wah, chorus e delay – “Aquela Paz” (Transpiração Contínua Prolongada, 1998), “Zóio de Lula” e “Não deixe o mar te engolir” (Preço curto… prazo longo, 1999) são bons exemplos. Foi o primeiro a desintegrar a banda, ao sair em 2001 por “divergências musicais”. Participou dos três primeiros álbuns.

Se era outra identidade musical que Thiago buscava quando deixou o Charlie Brown, é bem possível que não tenha encontrado nos anos em que passou afastado da grande mídia. Montou o estúdio Digital Grooves, onde produziu uma demo para o Aliados 13 (hoje se apresenta apenas como Aliados). Passou a tocar com a banda, mas deixou o posto quando as coisas começavam a engrenar, em 2002, com direito a contrato com gravadora e a música “Sem sair do lugar” tocando na MTV.

Também tocou com a banda Power S.A. até que, em 2003, foi convidado por Rick Bonadio, produtor do Charlie Brown, a fazer parte do projeto que se tornaria o Acústico MTV Ira! (2004). Sem qualquer alarde, tocou na gravação completando a banda de apoio do grupo paulistano e com eles excursionou nos oito meses seguintes. Então, começou a manifestar a intenção de voltar ao Charlie Brown, chegando a fazer um show com a banda antes da traumática dissolução, com a saída de Chapignon, Marcão e Pelado. No palco do MixFest!, Chorão relembrou o período.

“No momento em que esses caras saíram e foram viver a vida deles, com todo direito, e eu estava totalmente confuso, pintou o Thiago na minha casa. Troquei ideia com ele e falei: “meu, vai ser muito difícil”. Ele falou: “velhão, vamo fazer na prática o que as nossas letras dizem na teoria.” E continuou: “se não fosse esse cara aqui, sinceramente, eu não estaria aqui hoje, nem Chapignon, nem Bruno nem Marcão, porque se esse cara não tivesse dado pra mim musicalidade, uma segurança a mais de que eu tinha alguém com DNA da banda mesmo (…), um cara que corria sangue do Charlie Brown na veia do cara, a gente não estaria aqui”.

Enquanto falava, Chorão batia no braço como quem diz “na veia”, emocionando Thiago. O vocalista ainda completou com a deixa: “é por isso que eu digo: existem pontes indestrutíveis”. E aí tocou a música de mesmo nome. A volta do guitarrista surpreendeu a todos e, com o álbum Imunidade Musical (2005), a dupla, auxiliada por André Ruas “Pinguim” na bateria e Heitor no baixo, conseguiu manter com êxito a relevância do Charlie Brown Jr.

Além de exímio guitarrista, Thiago Castanho também é artista plástico: segundo o site oficial do Charlie Brown Jr., já se dedicou à pintura e agora faz esculturas, além de ter criado a marca Urban Safari – a qual não há registros no mundo virtual, por sinal. Estreitou tanto os laços com Chorão a ponto de ajudá-lo a fazer um jantar para Grazi, a mulher do cantor (homenageada com a música “Proibida pra mim”, primeiro sucesso), episódio mostrado no programa Família MTV.

Desde que impediu o fim do Charlie Brown Jr., Thiago Castanho contribuiu em três álbuns de inéditas. Como anunciado no MixFest!, a banda agora prepara um novo registro, programado para servir como apoteose da formação quase que original – só Renato Pelado não voltou ao grupo, sendo Bruno Graveto o baterista atual. Durante o show em São Paulo e entre declarações de amor ao baixista Champignon e elogios a Marcão, Chorão falou com confiança sobre a nova fase e pediu: “uma salva de palmas pro salvador, capitão: Thiago Castanho”.

Confira o Show Completo:

Eu vim de Santos!

Charlie Brown Jr. é uma banda muito repetitiva. Essa afirmação não trata de frases como “eu vim de Santos, sou Charlie Brown”, quase que um lema adotado por Chorão nos shows e CDs. Ela realmente tem identidade e, mais do que isso, uma grande história por trás. Trata das origens da banda, onde ela se formou e cresceu e de onde saiu para se tornar uma das mais populares do Brasil. Trata também da barraquinha que Chorão atropelou com seu carro em um dia de forte chuva e alagamento. Daí surgiu o nome, acrescentando apenas um “Jr.” por se tratar da nova geração. De lá para cá foram dez álbuns – nove de inéditas – em um espaço de apenas 12 anos. Em seis deles encontrei letras repetidas, a partir de uma pesquisa simples e feita no mais puro olhômetro, comparando.