Fórmula musical: D-D-Djent

Como é difícil gostar de um estilo musical que mais ninguém do seu círculo social gosta. O Djent – e o metalcore, no geral – é motivo de piadas entre mim e meus amigos, que sempre citam “aquelas músicas lá que você curte” para falar sobre o lado mais extremo da meu ecleticíssimo gosto musical. Eu, por outro lado, me divirto colocando sons pesadíssimos enquanto eles estão no carro, só para ver as caras de espanto e susto. “Não dá pra entender o que ele canta” é normalmente o primeiro comentário. Aí eu tento explicar o que é Djent.

Como é difícil fazer isso por texto. Talvez porque o estilo seja quase onomatopéico: os break-downs do metalcore, marcados pelo pedal duplo da bateria, ficam mais intensos e marcados, ritmados ao longo de toda a canção. Guitarra e baixo trabalham especialmente com a mão que segura a palheta – sem chance de tocar essas músicas no finger picking – e a afinação é baixíssima.

O nome Djent é, em si, uma espécie de onomatopéia: diz respeito ao som da guitarra quando as cordas são tocadas ao mesmo tempo em que são abafadas com a palma da mão. Os maiores expoentes internacionais são Meshuggah, Born of OsirisVildhjarta, mas há também boas bandas brasileiras que incorporaram as características, como John Wayne e Sea Smile – ambas cantam em português e fazem trabalho que nada deve ao resto do mundo.

A verdade é que Djent é uma denominação muito curiosa e que é encarada com extremo bom-humor, como você pode ver nos vídeos ao redor desse texto. A onda do Djent é também impulsionada por memes e piadas que circulam nas redes. Eu sempre tento fazer essas piadas com meus amigos, mas ninguém me entende.

Temos uma playlist de Djent no Spotify. Siga o Não Toco Raul!

 

 

Fórmula musical: Nirvana

Craig Montogmery, engenheiro de som do Nirvana, ouviu o álbum Nevermind pela primeira vez em uma van. Estava então viajando com a banda para oito apresentações na costa oeste do Estados Unidos, onde as novas músicas seriam testadas. Quando ouviu a introdução arrematadora de “Smells Like Teen Spirit” e depois a queda abrupta que prepara o verso, comentou: “nossa… Pixies”. “Você acha que está muito parecido com o som do Pixies?”, perguntou Kurt Cobain. “Não, a música parte de lá”, respondeu Craig. Ele havia acabado de identificar a fórmula música da banda-simbolo do movimento grunge.

Pixies e Sonic Youth, mais precisamente, são as grandes influências quanto à forma como o Nirvana desenvolveu suas músicas. No documentário Back and Forth, que conta a história do Foo Fighters, Dave Grohl cita Cobain como um compositor extremamente simples e direto, e o estilo dessas duas bandas ajudou-o a fazer de suas canções algo mais pesado, como gostaria. Antes da gravação de Nevermind, Kurt deu apenas uma indicação ao produtor Butch Vig: “quero que esse álbum seja pesado”. E assim foi, alternando com passagens realmente tranquilas como em “Teen Spirit”.

A influência do Pixies no Nirvana é citada em diversos momentos da biografia de Dave Grohl, This is a Call, escrita por Paul Brannigan – inclusive o episódio que introduz esse texto. Mais do que isso, ela é absolutamente proposital. Antes do Nevermind, a banda ensaiava em Tacoma, cidade próxima a Washington. “Na época, estávamos experimentando a dinâmica, os versos calmos/refrão alto. Muito disso pegamos do Pixies e do Sonic Youth”, cita Dave Grohl. Foi assim que foi moldado o melhor período da banda.

Com Black Francis, Joey Santiago, Kim Deal e Dave Lovering, o Pixies foi formado em 1986 e fez muito sucesso especialmente no Reino Unido. As letras são enigmáticas e frequentemente baseadas em temas pesados como violência, religião e incesto. As músicas têm certo peso sem perder a forte melodia, uma das características do Nirvana – “Where’s my mind”, “Bone machine” e “Dig it for fire” são bons exemplos. A pedido da revista Melody Maker em 1992, Kurt Cobain elencou 10 discos que haviam mudado sua vida. Surfer Rosa (1988), do Pixies, foi colocado em segundo lugar (por curiosidade: o primeiro foi Pod, do The Breeders).

Por divergência entre os músicos, a banda acabou em 1993, retomando a formação em 2004. Em 1991, quando foi gravado o Nevermind, o Pixies já havia lançado quatro álbuns, incluindo Doolitle (1989), o de maior sucesso. Além de em “Smells Like Teen Spirit”, a fórmula musical aparece em outras canções como “In Bloom”, “Lithium”, “Drain You” e “Stay Away”. Ela é ainda mais evidente em “You Know You’re Right”, lançada em 2004. No entanto, se tornou cansativa conforme os anos passavam e o Nirvana se tornava cada vez mais refém de seu sucesso mundial.

“Krist, Dave e eu temos trabalhado com uma fórmula – essa coisa de passar do silencioso para o barulho – há tanto tempo que está, literalmente, ficando chato para nós. É como se disséssemos: ‘certo, temos esse riff. Vou tocar baixinho, sem uma caixa de distorção enquanto canto o verso. E agora vamos ligar a caixa de distorção e bater nos tambores com mais força'”, afirmou Cobain, em 1994, à revista Rolling Stone. Meses depois, em 5 de abril, ele se matou com um tiro de espingarda na garagem de sua casa em Seattle. Quase 20 anos depois, a fórmula musical continua fazendo perfeito sentido para os fãs.

Trouble, trouble, trouble

No momento em que escrevo esse artigo, a cantora Taylor Swift se encontra em um relacionamento amoroso. Isso não é novidade. O diferente, agora, é o outrém: o cantor inglês Tom Odell, 22 anos, que ainda não fez a carreira deslanchar – tem apenas um EP chamado “Songs From Another Love” (2012) e prepara o lançamento de um álbum para abril. Essa é a figura menos famosa com quem a cantora de 23 anos se enroscou nos últimos anos. Com os mais conhecidos, a história não terminou bem e virou música.

Taylor Swift é problema, e todos nós sabemos por antecipação: invariavelmente, ela transforma suas crises sentimentais em música. É a fórmula musical dela, a origem de boa parte de seus maiores sucessos. “Para mim, estou apenas escrevendo músicas do jeito que eu sempre fiz. Sou eu sentada na minha cama sofrendo com algo que eu não entendo, escrevendo uma música e desvendando”, contou à revista Elle. “É algo que me faz sentir melhor”, complementou.

Trata-se de uma terapia um tanto quanto egoísta, já que, apesar de não confirmar quais canções foram feitas para quais pessoas, ela admite que são inspiradas em seus ex-namorados. A exposição pública de tudo isso facilita a curiosidade de saber: sobre quem ela canta determinado verso? “I knew you were trouble” (Red, 2012), por exemplo, poderia ser sobre ela própria, mas fala sobre seu último ex, Harry Styles, um dos integrantes da boy band One Direction.

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Os tabloides britânicos vibraram com a história: a cantora americana se apaixona perdidamente por um jovem prodígio cinco anos mais novo (Harry tem 18 anos), leva um fora após breve relacionamento e viaja até a Inglaterra só para tentar reatar, mas recebe um grande “não” como resposta. Então ela volta para casa e grava: “I knew you were trouble when you walked in, so shame on me now” (eu soube que você era problema quando você apareceu, que vergonha de mim).

Dá até para achar que ela é uma coitada. Mas aí vem a lista: desde 2009, outros cinco ex-namorados, sempre famosos, foram homenageados com música. O cantor John Mayer ganhou a menção mais direta, na canção “Dear John” (Speak Now, 2010). “I lived in your chess game, but you changed the rules every day” (eu vivi no seu jogo de xadrez, mas você trocou as regras todos os dias), canta Taylor. O refrão é mais pesado: “don’t you think I was too young to be messed with?” (você não acha que eu era muito jovem para ser ‘bagunçada’ por você?). Em 2009, Taylor tinha 20 anos; John, 32.

Para o ator Taylor Lautner, a americana escreveu “Back to December” (Speak Now, 2010), uma espécie de pedido de desculpas. Para o também ator Jake Gyllenhaal, a música criada tem um tom mais maduro, quase de deboche: “We are never getting back together” (Red, 2012). Joe Jonas, um dos Jonas Brothers, ficou com as reclamações e broncas de “Forever & Always” (Fearless, 2008). Por fim, há Conor Kennedy (da família do ex-presidente John Kennedy), com “Begin Again” (Red, 2012).

Dá pra achar que a Taylor Swift é emocionalmente equilibrada?

paulataylor_montagemPelo menos a fórmula está dando certo: ora rende músicas mais agitadas, que vão tocar na rádio e fazer sucesso; ora surgem canções mais melosas, a grande base do repertório da “Paula Fernandes americana“. Não é à tôa que elas gravaram juntas a música “Long Live”. Ambas têm fama de sertaneja (country), mas na verdade fazem música romântica da mais melosa. Os fãs da brasileira adoram a comparação; os da Taylor, odeiam. Pelo menos a versão tupiniquim é menos dramática.

O fenômeno da Exaltarepetição, parte II

O leitor do Não Toco Raul há de desculpar pela insistência, mas o fenômeno da Exaltarepetição persiste mesmo após o final da banda. Em 26 de novembro de 2012, publicamos um estudo que concluía que, em 25 anos de carreira, o Exaltasamba registrou 237 músicas em 15 álbuns, entre as quais 50 começavam e terminavam com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização. As carreiras solos de Thiaguinho e Péricles, cantores do grupo de pagode, seguem a mesma Fórmula Musical, dando sequência à tradição.

Ambos lançaram álbum ao vivo pouco mais de um ano depois do final do Exaltasamba, em junho de 2011 – o último show foi feito em fevereiro de 2012. Péricles foi o primeiro, com Sensações, em outubro. Em novembro saiu o de Thiaguinho, Ousadia & Alegria. Com o Exalta, a taxa de uso desta fórmula era de 21%. Thiaguinho elevou-a ainda mais, chegando a 42,8% – nove das 21 músicas do cd novo começam e terminam com as mesmas palavras. Péricles praticamente manteve a média, com 28,5% em seu álbum – são seis, em 21 gravadas.

A diferença pode ser explicada no fato de Thiaguinho fazer muitas vocalizações, enquanto que Péricles quase não as usa. De modo geral, o pagode do primeiro é mais agitado, e o título do álbum reflete bem o espírito e a levada das músicas. Já Péricles faz um som de mais “classe”, lembrando muito a primeira fase do Exaltasamba, quando Chrigor dividia com ele os vocais. Mais uma vez, o NTR não faz juízo de valor pela fórmula musical: é apenas uma característica interessante adotada por esses pagodeiros.

Nenhum dos dois álbuns difere tanto do trabalho conjunto no Exaltasamba, o que faz retomar a pergunta: por que o grupo se separou? Segundo Thiaguinho, sua saída já havia sido definida no início de 2011, em reunião com a banda, quando afirmou que gostaria de fazer carreira solo. Depois, Péricles manifestou o mesmo desejo. Quando anunciaram a separação, ao vivo no Domingão do Faustão, da Rede Globo, o discurso foi de que cada um gostaria de investir no trabalho paralelo.

Até o momento, nenhum dos outros integrantes divulgou qualquer projeto. Perguntado por Faustão na ocasião, Brilhantina não escondeu o descontentamento: “Eu, sinceramente, fiquei bastante abalado, mas é a decisão que o grupo tomou e é isso que vai ser… vamos ver o que vai acontecer”. O que já aconteceu, por enquanto, não é tão diferente do que já vinha acontecendo, pelo menos musicalmente. Definitivamente, os fãs do Exaltasamba não estão órfãos. Mesmo separados, as cantores continuam começando e terminando as músicas com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização.

Thiaguinho – Ousadia & Alegria (2012)

Música: Buquê de Flores
Verso: “Eu tava pensativo então fui no pagodinho pra te encontrar/Peguei meu cavaquinho fiz um samba bonitinho pra te ver sambar, vem”

Música: Ousadia & Alegria
Verso: “Chego chegando, beijo no canto da boca”

Música: Desencana
Verso: Vocalização – “Lalalaiá”

Música: Ainda bem
Verso: “Ainda bem”

Música: Deixa eu te fazer feliz
Verso: “Deixa eu te fazer feliz”

Música: Eu quero é ser feliz
Verso: “Hoje eu acordei com vontade de cantar pagode”

Música: Tomara
Verso: Vocalização – “êiêiêiê”

Música: Motel
Verso: Vocalização – “Lalaiá Laiá”

Música: Deixa pra mim
Verso: Vocalização – “Êêêêêê”

Péricles – Sensações (2012)

Música: Pedaços
Verso: “Um pedaço de emoção”

Música: Supra Sumo do Amor
Verso: Vocalização – “Ôôôôôô”

Música: Leito de estrelas
Verso: “Te levei pro céu”

Música: Oyá
Verso: “Oyá”

Música: Linda Voz
Verso: “Olá, hoje eu te vi pela televisão”

Música: Cuidado cupido
Verso: “Cuidado cupido”

Saia do modo automático

 
Uma das minhas categorias favoritas do NTR é “A Origem”, onde são apresentadas as histórias por trás da criação de grandes clássicos, aquele tipo de coisa que pouco paramos para pensar quando estamos ouvindo a maioria das músicas. E é uma favorita pois sempre tive interesse na origem de certas músicas, o que o compositor estava pensando, o que estava sentindo, quem foi que fez isso, ou se é verdade ou não.

Acredito que este interesse se deva principalmente a esse fato: eu ouço boa música.

Não vou dizer que TODA música que eu escute seja do nível técnico ou tão marcante e atemporal como a música de Mozart ou Beethoven (argumento típico de haters), mas essencialmente é boa música. Também não pretendo entrar nos méritos do que é bom ou ruim aqui, mas não venha me falar que “gosto não se discute”. Tudo é discutível, dependendo dos interlocutores. O que me obrigo a fazer com a afirmação acima é, no mínimo, justificar-me.

Me baseio exclusivamente em um critério para defender a minha visão sobre a música: repetição.
A repetição, a meu ver, age de duas formas diferentes sobre os músicos e suas músicas. Quando age sobre o músico, de fora para dentro, é uma coisa boa, mas, se acontece o contrário e a repetição tem seu efeito no interior, no conteúdo da música, aí a coisa muda.

A repetição saudável (ou "O esforço dos bravos")

 
Prática, muita prática, aptidão e paixão também, mas eu diria que a prática é um dos principais fatores de sucesso para um musicista. Cantores, guitarristas, bateristas, maestros e até o cara que toca sax de suspensórios, todos tem uma coisa em comum: repetem a mesma nota, os mesmos acordes e os mesmos gestos durante anos, todos os dias, para conseguirem chegar onde desejam na música.

Este lugar desejado pode ser um Grammy de melhor instrumentista de jazz ou apenas conseguir tocar aquele solinho da introdução de Sweet Child O’mine mas, em ambos os casos, a repetição está ali, construindo o caminho e aperfeiçoando e desenvolvendo a técnica e habilidade das pessoas.

Quantas vezes na vida um baterista castiga um bumbo? Quantos aquecimentos de “trrrrrrrrrr” ou “zzzzzzmmm” faz um vocalista? Quantas vezes um guitarrista profissional repete uma escala enquanto estuda? Eu fiz esta última pergunta a um grande amigo, que por acaso vem a ser um dos melhores guitarristas do país, André Nieri. Juntos, fizemos umas contas rápidas. Se liga no resultado.

O André toca violão e guitarra desde os 9 anos de idade. Naquela época, treinava acordes, basicamente, durante cerca de 2 ou 3 horas por dia. Hoje, com 26 anos, passa a maior parte do dia com um violão ou uma guitarra a tiracolo. Podemos dizer que, na média, durante os 17 anos de música o André tocou 6 horas diariamente, contando sábados e domingos. Ok, com 6 horas diárias durante os 17 anos de música, foram tocadas um total aproximado de 36.720 horas. Essas horas, se divididas em dias, nos dão algo em torno de impressionantes 4 anos ininterruptos tocando.

Se quiser tocar assim algum dia, pare de ler e vá praticar, agora.

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Existem casos em que uma repetição bem utilizada transforma faz bem às músicas, transformando-as em uma espécie de hino, quase que um mantra. Um cara que sabe utilizar este artifício com maestria em suas letras é o cantor/guitarrista John Mayer. É difícil uma música de John que não tenha ao menos uma frase repetida cerca de 10 vezes, geralmente o refrão, atingindo picos, por exemplo, em Half Of My Heart, onde a frase título é repetida 25 vezes (até terminar em fade-out) durante os 4 minutos da música.

A partir de agora repare nisso, John Mayer repete muito, mas como tudo tem um sentido e um propósito dentro de cada canção, isso passa despercebido e acaba se tornando uma coisa boa.


 

A repetição prejudicial (ou "Ai, se eu te pego")

 
O ser humano civilizado precisa da repetição. O homem se sente confortável e seguro na sua rotina e a repetição dos mesmos hábitos, dia após dia, faz com que a percepção deste homem seja prejudicada. Vou explicar, dá um play aí embaixo, enquanto isso.

Ernold Same by Blur on Grooveshark
Se você entende um pouco inglês e ouviu a música acima, entendeu a estória, mas, se não entende, pelo menos percebeu que muitas vezes foi utilizada a palavra “same“, que quer dizer “mesmo”.

O personagem ironizado na música do Blur, Ernold Same, vive a mesma vidinha todos os dias. Todos os dias acorda do mesmo sonho na mesma cama, toma o mesmo café, pega o mesmo trem a caminho do mesmo lugar para fazer a mesma coisa de novo e de novo. Pobre Ernold. Você desejaria nunca ser o Ernold, certo? Má notícia: se você tem um emprego e segue uma rotina, você é Ernold e nada vai ser diferente amanhã. Triste, não? Pois é. Dias e ações repetitivas regem a nossa vida civilizada e essa normalidade é muito louca, se formos parar para pensar.

Dirigir, por exemplo, é uma ação extremamente complexa, ainda mais nos dias de hoje, onde centenas de milhares de pessoas fazem isso ao mesmo tempo passando pelos mesmos lugares. Se você parar para pensar na complexidade que é movimentar as duas pernas e os dois braços para direções diferentes, dividir a sua atenção entre os sons do motor e dos outros carros, pontos cegos, outros motoristas, pedestres, motos e tudo que você tem para fazer no trabalho dali a 30 minutos… me parece mais tranquilo tocar bateria no Rush.

Tudo isso é muito complexo, tanto que conheço pessoas que foram reprovadas 4 vezes na prova da baliza, mas através da repetição nos acostumamos e paramos de pensar, entramos em modo automático. Em modo automático nos tornamos seres imbecis que, mesmo diante da complexidade que acabei de descrever, se metem a fazer tudo aquilo enquanto digitam um SMS totalmente dispensável. Que beleza.

A repetição é prejudicial quando nos torna esses seres que não pensam mais no que estão fazendo, nem no porquê estão fazendo alguma coisa, e este, na minha opinião, é o maior trunfo das músicas que fazem sucesso com as grandes massas. As pessoas estão acostumadas a pegarem a rota mais curta mesmo sabendo do congestionamento, a escolherem o PF porque já vem pronto e a consumirem música porque é o que toca na TV.

Sucessos dos ritmos que mais vendem, como o sertanejo, o axé e tantos outros que seguem essa fórmula do repetitivo chiclete, se aproveitam da preguiça da maioria, da falta de espaço que a boa música tem na grande mídia e, principalmente, de todo o foco disperdiçado do brasileiro. É tanto tempo gasto com futebol, novela e carnaval, que fica muito fácil para os “universitários” que ganham milhões emplacaram sucesso atrás de sucesso, com propaganda em dancinhas de jogadores de futebol ou pagando um tema de novela aqui e outro ali. Para entender melhor, leia sobre o Fenômeno da Exaltarepetição.

Não estou querendo que todos parem de ouvir os sucessos da Transamérica, nem dizendo que isso faz de você uma pessoa pior e de mim uma pessoa melhor. Há, é claro, lugar para essa categoria de música. Duvido, por mais que eu goste de rock, que um churrasco ou festa com amigos seria animado ao som de Radiohead ou The Smiths, por exemplo.

Sempre vão existir lugares e situações que pedem os ritmos rápidos e repetitivos, onde aquela coletânea do É O Tchan é melhor aceita do que o Nevermind do Nirvana, mas é aí que eu faço meu ponto. Esse tipo de música é aceita por todas as pessoas (incluindo os mais radicais) somente nestas situações específicas, onde você não vai parar para ouvir letra ou melodia, onde sua atenção está voltada para coisas mais importantes, como uma conversa com seus amigos, o nível do estoque de cerveja ou o flerte com um broto.

A gente só precisa sair do automático depois que a festa acabar e a ressaca passar.

Ps. 1: Este texto foi escrito ao som do álbum “The Great Escape”, do Blur.
Ps. 2: Este texto não leva em consideração nenhum tipo de música eletrônica, fato observado após conversa sobre o assunto com um dos músicos convidados do NTR Convida, Guilherme Pires.

 
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O fenômeno da Exaltarepetição

Desde a primeira música do primeiro CD até a última gravada em um DVD em São Paulo, 25 anos depois, o Exaltasamba fez uso de uma fórmula musical específica: terminar as canções da mesma forma como começou – seja por uma frase, uma palavra, uma estrofe ou só uma vocalização. Essa característica esteve presente em quase todos os álbuns da banda, especialmente na reta final, quando o grupo fez menos inéditas, lançou mais sucessos e registrou diversos álbuns ao vivo. Pode ser que os Exaltamaníacos não tenham percebido, mas a Exaltarepetição é um fenômeno consolidado.

No DVD de comemoração gravado em 2010, por exemplo, oito das 20 músicas começam e terminam com as mesmas palavras. No DVD anterior, Ao vivo na Ilha da Magia (2009), são outras oito em meio às 22 do álbum. Para entender melhor como a banda fez uso dessa fórmula, o Não Toco Raul analisou a carreira discográfica do Exaltasamba, chegando à conclusão: 21% das canções do grupo começam e terminam com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização.

Ao todo, foram analisadas 237 músicas presentes em 15 álbuns, dentre as quais 50 apresentam tal característica. O último sucesso, “Tá vendo aquela lua”, é um bom exemplo: “Te filmando tava quieto no meu canto” é o primeiro e último verso. É claro que essa tática não é exclusividade do Exaltasamba – em 2001, Cássia Eller gravou o Acústico MTV com o marcante verso “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha”, que abre e fecha o hit “Malandragem”, por exemplo.

O Exaltasamba faz uso dessa tática em todas as fases, mas muito menos nos primeiros álbuns. Há uma explicação para isso: os primeiros sete CDs foram gravados em estúdio, e a grande maioria das músicas termina com fade out (quando a canção vai perdendo volume até seu final). Na verdade, 100 das 237 músicas analisadas terminam em fade out, totalizando 42,1% da obra da banda. O primeiro ao vivo só veio em 2002, ainda com Chrigor nos vocais.

Aliás, como tinha classe o Exaltasamba nessa época: era tempo de sucessos como “Cartão Postal”, “Me apaixonei pela pessoa errada” e “Megastar”. Chrigor saiu ainda em 2002, com depressão após a morte do pai. No mesmo ano, Thiaguinho participou do reality show “Fama”, da Rede Globo, e apesar de não vencer chamou a atenção. Em 2003 ele entrou para o Exalta para dividir os vocais com Péricles. “Estrela” foi sua primeira composição gravada – ela começa e termina com a palavra-título. As músicas ficaram mais jovens, mais sacanas e quentes, e o Exaltasamba alcançou o auge assim.

Em junho de 2011, o grupo anunciou recesso por tempo indeterminado, e agora Thiaguinho e Péricles seguem carreira solo. Os 25 anos de carreira e os inúmeros sucessos ficarão marcados para sempre na música brasileira. E para os fãs, fica a fórmula musical: se você sabe como começa, há boas chances de saber como termina a canção; e vice-versa.

Para entender os critérios

Foram analisados os álbuns: Eterno amanhecer (1992); Encanto (1994); Luz do Desejo (1996); Desliga e vem (1997); Cartão Postal (1998); Mais uma vez (2000); Bons Momentos (2001); Ao vivo (2002); Alegrando a massa (2003); Esquema novo (2005); Todos os sambas ao vivo (2006); Pagode do Exalta (2007); Ao vivo na Ilha da Magia (2009); Roda de Samba do Exalta (2010); e 25 anos ao vivo (2010). Os álbuns Livre pra voar (2007) e Tá vendo aquela lua (2011) não foram computados por não terem unidade entre as músicas apresentadas – são coletâneas que contêm inclusive versões já presentes em outros CDs.

Vocalizações, muito constantes no samba, foram consideradas na contagem por fazerem parte efetivamente da letra e, tantas vezes, serem inclusive a parte mais marcante. Músicas que fazem parte de pout-pourris entraram na contagem – afinal de contas, é relevante o fato de a banda, apesar de emendar diversas canções, manter o final igual ao início da música referente. Canções que aparecem em mais de um álbum também foram computadas, já que foi opção do Exaltasamba manter a estrutura nas diferentes gravações.

Para ver a lista com todas as músicas, clique aqui.

Segura esse flow

 
O Strike lançou em agosto seu melhor álbum, Nova Aurora, o terceiro e o que fez a banda voltar ao mainstream com força, principalmente pelo hit Fluxo Perfeito, trilha sonora da eterna novela Malhação, da Rede Globo. A música-tema tem participação de Rodolfo Abrantes, ex-Raimundos, e nenhuma temática religiosa, antes que surja a suspeita. Rodolfo se limita a cantar um verso e apoiar os refrões. Aos 2min46seg, a canção abre espaço para que o vocalista Marcelo Mancini cante 135 palavras em 25s, em um belo de um flow.

Não há como calcular as variações possíveis na levada do rap, mas ouvi-lo cantado bem rápido, com entonação nas sílabas e palavras mais marcantes, dá destaque a qualquer canção. Marcelo, que é fã do estilo e se arrisca no raggamuffin em diversas músicas – e em improvisações durante os shows – preenche esses requisitos na velocidade de 5,4 palavras por segundo. Rápido? Claro, mas de jeito algum o mais rápido de todos. Muitos outros rappers se destacaram pela velocidade do flow.

Twista, rapper americano de Chicago e parceiro das antigas de Kanye West, é alardeado como o mais rápido de todos. A música Mr. Tung Twista, de seu primeiro álbum Runnin’ Off at Da Mouth (1991), é um grande exemplo.

Bone Thungs ‘n Harmony, grupo de Cleveland, também cospe rimas na velocidade da luz em algumas das músicas. O efeito fica ainda melhor porque as cinco vozes (Layzie Bone, Krayzie Bone, Flesh-n-Bones, Bizzy Bone e Wish Bone) se intercalam, completando e enfatizando os versos. Com muitas gírias e palavras incompletas, fica difícil entender alguma coisa na música Flow Motion, do primeiro álbum, Faces of Death (1993).

Vocês certamente já ouviram falar: potência não é nada sem controle. O estilo de Tonedeff, outro americano da lista, radicado em Nova York, se aproxima dessa máxima, já que seu rap vai crescendo até explodir em um turbilhão de palavras, tantas quantas seu ouvido conseguir captar. É assim na música Velocity, que está no álbum Extended F@mm – “Happy Fuck You Songs” (2002). O nome é sugestivo.

Com certeza é mais difícil fazer rap assim – improvisar, então, provavelmente impossível. Mas fica mais bonito e divertido de ouvir, então deu para ter uma noção das influências de Marcelo Mancini, um mineiro que lidera uma banda de hardcore que agora faz sucesso no Brasil inteiro. “Quero ver quem decora o meu flow”, ele desafia na parte mais rápida de Nova Aurora. Quero ver também.

P.S.:
Os usuários do Youtube e os blogs de curiosidades adoram vídeos com os termos “mais <alguma coisa> do mundo”, e é assim que facilmente encontramos George Watsky, rapper de São Francisco com três albuns lançados, mas famoso mundialmente por um vídeo no qual rima extremamente rápido em cima da base da música Break Ya Neck, do Busta Rhymes. Como bônus, ele faz caras e bocas. Extremamente divertido.

 

 

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AC/DC quatro por quatro

Há muito a dizer sobre a voz aguda e marcante de Brian Johnson, mais ainda sobre a personalidade com que toca guitarra Angus Young. Pode ser que haja algo a comentar sobre o peso coadjuvante de Malcolm Young fazendo base ao lado do baixista Cliff Williams. Sobre o baterista Phil Rudd, uma definição é a mais repetida e, provavelmente, mais certeira: “he doesn’t overplay“.

Direto e reto, Phil Rudd nunca se excede quando está tocando bateria. Não faz grandes viradas, não usa grandes recursos e são muito raros os solos que faz. O baterista do AC/DC é quem define a fórmula musical da banda: marcação de tempo quaternária – bumbo-chimbal-caixa-chimbal e, de vez em quando, um ataque nos pratos. Clique abaixo para entender como a magia acontece.

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É muito, muito difícil ser tão direto e tão bom quanto Phil Rudd – passar compassos e compassos sem fazer uma virada, segurando a marcação para o resto da banda sem variar nem um pouco o ritmo. Outros falharam nesse quesito: em 1983, em meio a abuso de álcool e drogas, Rudd brigou com Malcolm e foi demitido da banda. Dois bateristas passaram sem  pelo AC/DC sem agradar da mesma forma.

O primeiro deles foi Simon Wright, que saiu em 1988 para tocar com Dio, outro Deus do rock. Chris Slade entrou em seu lugar e ficou até 1994, quando Angus e Malcolm se aproximaram de Rudd e o convidaram para voltar à banda. A justificativa foi de que o antigo baterista daria um som mais adequado ao grupo. Não precisa dizer mais nada, né?

Phil Rudd também é conhecido pelo jeitão caricato, seco e longe dos holofotes. Brian Johnson o descreve como um cara de poucas palavras, mas extremamente divertido, e conta uma história que diz que, em certa turnê, ele andava tocando com um pedaço de papel à frente da bateria, como uma partitura. Quando foi ver o que era, Johson encontrou um grande par de peitos, “o maior par de tetas que você já viu”. “Inspiração”, se limitou a dizer Rudd.

Manter uma linha de bateria não é exclusividade do AC/DC, embora chame a atenção o fato de todas as músicas possuírem a mesma levada quatro por quatro. O trunfo da banda é a variedade de riffs e melodias – e uma ou outra quebrada, é verdade, como no refrão do “Black in Black”, maior sucesso. Está aí a fórmula musical. Quero ver quem consegue copiar com qualidade. Difícil, né?

Eu vim de Santos!

Charlie Brown Jr. é uma banda muito repetitiva. Essa afirmação não trata de frases como “eu vim de Santos, sou Charlie Brown”, quase que um lema adotado por Chorão nos shows e CDs. Ela realmente tem identidade e, mais do que isso, uma grande história por trás. Trata das origens da banda, onde ela se formou e cresceu e de onde saiu para se tornar uma das mais populares do Brasil. Trata também da barraquinha que Chorão atropelou com seu carro em um dia de forte chuva e alagamento. Daí surgiu o nome, acrescentando apenas um “Jr.” por se tratar da nova geração. De lá para cá foram dez álbuns – nove de inéditas – em um espaço de apenas 12 anos. Em seis deles encontrei letras repetidas, a partir de uma pesquisa simples e feita no mais puro olhômetro, comparando.