Cool Covers: clássicos da Disney

Mais legal do que o gingado que o Exaltasamba coloca nesse clássico da Disney é o fato de o cover feito pelo grupo de pagode ter Thiaguinho, com sua ousadia e alegria, no papel de Simba, justo em uma música em que ele inocentemente sonha com poder – se vocês viram o filme, sabem que pouco depois ele estaria “rindo do perigo”. Zazu, o conselheiro real, é encarnado por Péricles. Então é claro que a versão do Exaltasamba para “O que eu quero mais é ser Rei” é divertidíssima. Mas não é de graça, claro.

A música faz parte de uma coletânea lançada pela Disney em 2010 chamada “Disney Adventures in Samba”, que reúne os maiores nomes do samba brasileiro para recriar as músicas temas dos maiores filmes da empresa. E essa não é a única ação feita nesse sentido: há também Disney Adventures in Bluegrass, Jazz, Country, Reaggae e Bossa Nova – essa, com mais vários outros brasileiros. São muitos Cool Covers, alguns deles muito interessantes. O Não Toco Raul separa para vocês os melhores.

Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

Imagine o peso de ser filha da maior intérprete do Brasil e de um dos músicos mais completos que a música brasileira já viu? A pressão, as expectativas, as opiniões e principalmente, as críticas. Foi por isso que Maria Rita Camargo Mariano, filha de Elis Regina, só começou a cantar profissionalmente depois dos 24 anos. Maria Rita morava nos Estados Unidos, estudava Comunicação Social e Estudos Latino-Americanos e, mesmo longe da música e dos brasileiros, não conseguiu fugir desse peso.

Ela conta que uma vez um garoto veio correndo e chorando pra ela e disse que a Elis era tudo pra ele. E que outra vez, cantou em um evento na faculdade (inscrita à força pelos amigos) e que viu pessoas chorando quando soltou a voz, pela lembrança da Pimentinha, apelido de Elis – como já havia acontecido com conhecidos em outras ocasiões. Todos pareciam lembrar mais de sua mãe do que ela mesma, que tinha nem 3 anos quando Elis morreu após overdose de cocaína.

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Sua primeira aparição por nossos palcos foi junto a Milton Nascimento, seu padrinho musical, no Credicard Hall. Desde então, a indústria musical ficou alvoroçada porque a filha da Elis estava cantando. A Warner foi na frente e lançou Maria Rita como “a cantora que todo mundo estava esperando”. Seu primeiro disco, “Maria Rita” (2003) vendeu mais de 1 milhão de cópias em todo mundo. As comparações foram fortes.

Muito se dizia que as músicas desse álbum eram lembranças de Elis, que os arranjos se pareciam e até que a imagem dela era igual. “Ela foi cantora, um mito, eu sou filha mulher. Lido com isso numa boa. A única coisa que não curto é quando dizem ‘ela vai tomar o lugar da mãe’, ‘é a nova Elis’, pois isso é desrespeitoso”, disse Maria Rita na entrevista coletiva de lançamento do álbum.

No trabalho seguinte, Maria Rita saiu um pouco dos ritmos do primeiro e lançou “Segundo” (2005), produzido por Lenine. Todo o disco tem o balanço característico de seu produtor e mostrou um pouco mais a personalidade dessa cantora que estava amadurecendo. Ainda assim, as comparações não pararam. Então ela jogou tudo pro alto e resolveu fazer um disco em homenagem ao samba, “Samba Meu” (2007). Colocou o umbigo de fora, trocou os pés descalços por sandália de salto alto e começou a sambar no palco. O show era lindo, colorido, alto astral. Era Maria Rita feliz. E mesmo assim, ainda teve quem quisesse comparar, lembrando que a Elis também havia lançado um disco em prol do samba, o seu 5º de carreira, “Samba – Eu canto assim” (1965).

Com o clima de “Samba Meu”, Maria Rita ficou quase três anos na estrada. Apresentou-se mundo afora, ganhou mais alguns prêmios e começou a reconhecer seus verdadeiros fãs: aqueles que não viveram Elis Regina ou que souberam distinguir uma da outra. Lançou “Elo” (2011) e as comparações foram diminuindo, uma vez que estava bem mais claro quem era Maria Rita e não quem era a “filha da Elis”.

968811_10151660055910336_1689817000_nSe ela permanecesse seguindo essa linha, provavelmente não haveria mais essas comparações. Acontece que, embalada por um projeto patrocinado pela Nívea e que contou com verbas da Lei de Incentivo à cultura, Maria Rita se uniu a João Marcello, seu irmão, e relembrou Elis Regina no show “Viva Elis”. Em entrevistas, disse que foi o momento certo, que se preparou muito, tanto tecnicamente quanto psicologicamente. As apresentações foram um sucesso e ela resolveu lançar o álbum e a turnê “Redescobrir”, cantando sucessos de sua mãe. Logo, as comparações voltaram, algumas pesadas, como a do cantor Jair Rodrigues – foram elas que geraram o #prontofalei de Maria Rita no Twitter.

Uma coisa que não podemos negar, desde o começo de sua carreira, é que quando Maria Rita realmente libera a voz, a lembrança de Elis fica evidente. Não é cópia. É gene. Tá lá, você vê que ela não está forçando nada. Muito pelo contrário. Sempre tive a impressão de que ela segurava um pouco o tom para não se fazer lembrar, mas durante as emoções de um show, às vezes escapava – e os fãs achavam lindo. Acontece que justamente quando as comparações e críticas estavam diminuindo, Maria Rita trouxe a Elis novamente pro palco. E se você tem a voz parecida, cantando as mesmas músicas, claro que vão falar que é imitação.

Claro que vão ter os que vão apontar o dedo na cara e dizer que ela estuda Elis e que imita a mãe de cabo a rabo. Contudo, pelo histórico de Maria Rita, logo percebemos que não há imitação e estudo algum. Realmente deve ser doloroso ver vídeos de sua mãe que morreu antes mesmo que você tivesse a oportunidade de conhecê-la. E deve ser um saco ouvir opinião de tanta gente que a conheceu muito mais do que você, a própria filha da cantora.

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Acredito que o momento para a homenagem à Elis foi inoportuno. Maria Rita poderia ter esperado um pouco mais para trazer a maior cantora do Brasil para o seu lado. A música brasileira é órfã de Elis Regina e como tal, também sente ciúme de sua imagem e de sua lembrança. Maria Rita sempre disse que o que mais odeia é quando falam que ela veio substituir Elis. “Ela é insubstituível”, e como todos os apaixonados pela Pimentinha também concordam com isso, as comparações sempre serão brutais. Mas se a cantora souber, novamente, se colocar a parte disso tudo, logo retorna seu caminho longe da sombra de sua mãe.


A expressão facial/corporal da Maria Rita cantando “Como Nossos Pais” diz tudo. É de arrepiar.
 

A própria biologia diz que todo mundo é 50% pai e 50% mãe. Logo, Maria Rita tem Elis, assim como tem César Camargo Mariano, e nunca vai conseguir fugir disso. Neste momento, ela está enfrentando tudo o que qualquer pessoa que se propõe a cantar Elis Regina sofre, tanto em karaokê como profissionalmente: um julgamento pesado. O fato é que tem que ter peito pra cantar qualquer música de Elis e receber aplausos. Isso, Maria Rita está conseguindo, independente de ter os genes ou não.

Texto por Regina Colon.

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Jeito Felindie: Tributo ao Raça Negra

 

Errou quem pensou que o vídeo acima seria a última grande coisa sobre o Raça Negra nos últimos tempos. Foi lançando na última sexta (12 de outubro) no site Fita Bruta o “Jeito Felindie (2012)”, disco Tributo ao Raça Negra. A homenagem tem como idealizador o jornalista Jorge Wagner, que convidou 12 bandas independentes para dar uma roupagem instagrâmica aos sucessos desse grupo pagode paulista.

Que fique claro que homenagem aqui, vem sem conotação irônica nenhuma: “não há um distanciamento irônico nesse projeto e não escolhemos regravar para salvar as canções, muito menos buscamos legitimar o som do Raça Negra. Consideramos as músicas boas, foram parte da nossa vida, da nossa infância. Assim, por que não fazer uma homenagem?”, diz Jorge em entrevista ao A Tribuna – ES.

O Raça Negra foi um dos grandes ícones da música brasileira nos anos 90. O grupo abriu portas para uma enxurrada de grupos de pagode que os sucederam  até os dias hoje. Não é a tôa, as 12 músicas escolhidas para serem regravadas são sucessos dos quase 30 anos de carreira do grupo que tocava boas canções românticas, sem exageros de “ôôÔ” ou “La-laiá”. Outro ponto marcante da banda eram os teclados utilizados em vez dos metais e por fim, o vocalista e principal compositor Luis Carlos. Sua língua presa virou um ponto forte, uma característica praticamente impossível de se “samplear”.

[pullquote_right]”Consideramos as músicas boas, foram parte da nossa vida, da nossa infância. Assim, por que não fazer uma homenagem?”[/pullquote_right]

Abaixo, vocês podem ouvir o disco na íntegra, que também está disponível para download aqui. Eu, que escutei Raça Negra minha infância inteira, gostei de todas as versões, mas destacaria sem pestanejar “Cheia de Manias”, interpretada por Vivian Benford,  “Te Quero Comigo”, da Minha Pequena Soundsystem e “Jeito Felino”, por Letuce.

Como o pessoal do Fita Bruta deixa sempre bem claro: não se trata de pagode, samba, rock ou indie.  Esses estilos que comumente são tratados como inconciliáveis e hierárquicos, são praticamente e apenas música pop.

 

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Já fui uma brasa, a origem

Há inúmeras canções de exaltação ao samba. Moleque Atrevido fala da nata do estilo, “linha de frente de toda essa história”, do “tempo do samba sem grana e sem glória”, e cobra: “respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”. A Batucada dos Nossos Tantãs tem a mesma linha: “você não samba, mas tem que aplaudir”. O Show Tem Que Continuar ainda avisa: “todo mundo que hoje diz ‘acabou’ vai se admirar”. O papo é sério, e o discurso foi construído por grandes compositores. Antes deles, no entanto, Adoniran Barbosa, um dos maiores, lidou com a questão de forma totalmente diferente.

Em 1966, Adoniran Barbosa estava longe da mídia – o que na época significava o rádio e a recém-implantada televisão. O último registro do compositor havia sido gravado em 1958, com Pafunça/Nois não os bleque tais. A moda era a Jovem Guarda de Erasmo, Roberto Carlos e cia., o que deixava o sambista magoado. Neste ano, ele compôs Já Fui uma Brasa. A música é extremamente simples e traz na letra um relato conformado da falta de espaço que se deu diante da turma que chamava atenção no programa de nome Jovem Guarda, da TV Record.

Enquanto os roqueiros do Brasil usavam gírias para cativar o público (caranga, pão, broto, coroa, pinta, etc), Adoniran usou uma metáfora para explicar sua situação: “Eu também um dia fui uma brasa/E acendi muita lenha no fogão”. E segue o drama: “E hoje o que é que eu sou?/Quem sabe de mim é o meu violão”. É impossível não fazer ligação com uma das frases mais marcantes de Roberto Carlos e que simbolizava bem o estilo da Jovem Guarda: “é uma brasa, mora?”. Uma brasa é algo (provavelmente alguém) quente, muito bom. Assim como Adoniran um dia havia sido.

O verso que define isso vem logo na sequência: “Mas lembro que o rádio onde hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro tocava Saudosa Maloca”. Esse é o ponto mais amargurado do discurso de Adoniran. Ele não exalta suas qualidades nem se autopromove. Pelo contrário: busca conciliação. “Eu gosto dos meninos desse tal de iê-iê-iê/Porque com eles canta a voz do povo”, diz o sambista paulistano. O último verso é o mais emblemático, dá impressão de ser dito sorrindo, meio como um aviso, uma ameaça. Dá até para sentir um tom de “respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”.

“E eu que já fui uma brasa/Se assoprar posso acender de novo”.

Adoniran foi mesmo uma brasa. Viveu afastado do grande público após 1966, mas “renasceu” ao se tornar ator das primeiras novelas e programas da TV Tupi e também da própria TV Record. Gravou e eternizou Já Fui uma Brasa, um de seus maiores sucessos até hoje. É como se ele nem precisa dizer que tem que ser respeitado, aplaudido e admirado.

Boas versões do clássico foram gravadas por Arnaldo Antunes e pelo grupo Casuarina, com participação especial do cantor Frejat. Confira abaixo as duas versões.

 

Luiz Beleza: Chegou a Hora

O estudante de engenharia Luiz Beleza, conhecido como Tupi entre os amigos, começou sua vida musical aos 14 anos, com sua banda de rock “Inércia 42”. Natural de Santos, morou em Manaus até os 18 anos e atualmente reside em Bauru, onde intercala aulas de eletromagnetismo com cervejadas e shows.

“Chegou a Hora”, lançado em 2011, foi produzido por Cesar Bottinha e contou com grandes nomes como por exemplo, o baixista Robinho Tavares, que já tocou com nomes como Ed Motta, Wilson Simoninha, Max de Castro, Simoninha e Jair Oliveira. No disco, nota-se grande influência de Tim Maia, Ed Motta, Djavan e Seu Jorge nas composições de Luiz, que também gravou alguns clássicos e músicas de autoria de amigos compositores.

Presente do próprio Luiz Beleza para o NTR, deixamos aqui o disco para você ouvir na íntegra.

Eu quero sol (faixa 1), tem pinta de tema de abertura de novela das oito. Faz lembrar àquelas cenas da mocinha correndo com o vestido esvoaçante contra o mar. A letra simples te faz cantar ao ouvir já pela primeira vez.

Mundo cruel (faixa 2), que não por acaso é a música de trabalho de Luiz Beleza, fala sobre dramas dos recém-chegados à vida adulta. O instrumental dessa música é simplesmente um chute nas partes baixas. Está tudo lá, em seu devido lugar: bateria, baixo, guitarra, teclados e os sopros – aaaah, os sopros! O refrão, que diz apenas “ÔÔÔÔ, mundo cruel”, não precisa de mais nada, graças aos sopros.

Capitães da areia (faixa 3), uma balada baseada no romance de Jorge Amado, mostra o lado mais “tranquilo” de Luiz, assim como Andarilho das estrelas (faixa 8).

Em Segredo (faixa 4) ele retoma o groove e coloca um pouco de romantismo, nada exagerado. A fórmula é mantida em Hey menina (faixa 7), e aqui, com certeza, lembramos um pouco de Claudio Zoli, o que troca de biquini sem parar.
Diz que fui por ai (faixa 5), samba composto por Hortênsio Rocha  e Zé Keti, começa só com voz e a caixinha-de-fósforo. A música já foi gravada pelo xará Luiz Melodia, Nara Leão e também por Fernanda Takai. Nessa versão, assim como em Geraldinos e arquibaldos (faixa 10), de Gonzaguinha, Luiz não inventa, faz o feijão-com-arroz e aproveita para mostrar sua versatilidade. Fechando o disco, temos a festiva Direção (faixa 9) e o samba-rock Já rolou (faixa 11), que com certeza bota o pessoal pra dançar nos shows.

Chegou a hora nos apresenta um cantor com muita personalidade, boas referências e uma boa mão para compor. O time que participou do disco, desde as composições, passando pelos músicos e produção, é de primeira classe, e merece também os parabéns pelo excelente trabalho. O disco vai melhor quando corre pelo Pop, Samba e Soul do que quando cai para as baladas, o que nem de longe faz com que ele deixe de ser um ótimo disco de estreia.

Só pra reforçar a brincadeira sobre a novela das oito: (1) dê um play no vídeo abaixo, (2) pause, (3) tire o som do player do youtube e (4) Dê play em “Eu quero sol”, primeira faixa do disco e em sequência, o vídeo abaixo.

Está até sincronizado. Curioso, não?