O fenômeno da Exaltarepetição, parte II

O leitor do Não Toco Raul há de desculpar pela insistência, mas o fenômeno da Exaltarepetição persiste mesmo após o final da banda. Em 26 de novembro de 2012, publicamos um estudo que concluía que, em 25 anos de carreira, o Exaltasamba registrou 237 músicas em 15 álbuns, entre as quais 50 começavam e terminavam com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização. As carreiras solos de Thiaguinho e Péricles, cantores do grupo de pagode, seguem a mesma Fórmula Musical, dando sequência à tradição.

Ambos lançaram álbum ao vivo pouco mais de um ano depois do final do Exaltasamba, em junho de 2011 – o último show foi feito em fevereiro de 2012. Péricles foi o primeiro, com Sensações, em outubro. Em novembro saiu o de Thiaguinho, Ousadia & Alegria. Com o Exalta, a taxa de uso desta fórmula era de 21%. Thiaguinho elevou-a ainda mais, chegando a 42,8% – nove das 21 músicas do cd novo começam e terminam com as mesmas palavras. Péricles praticamente manteve a média, com 28,5% em seu álbum – são seis, em 21 gravadas.

A diferença pode ser explicada no fato de Thiaguinho fazer muitas vocalizações, enquanto que Péricles quase não as usa. De modo geral, o pagode do primeiro é mais agitado, e o título do álbum reflete bem o espírito e a levada das músicas. Já Péricles faz um som de mais “classe”, lembrando muito a primeira fase do Exaltasamba, quando Chrigor dividia com ele os vocais. Mais uma vez, o NTR não faz juízo de valor pela fórmula musical: é apenas uma característica interessante adotada por esses pagodeiros.

Nenhum dos dois álbuns difere tanto do trabalho conjunto no Exaltasamba, o que faz retomar a pergunta: por que o grupo se separou? Segundo Thiaguinho, sua saída já havia sido definida no início de 2011, em reunião com a banda, quando afirmou que gostaria de fazer carreira solo. Depois, Péricles manifestou o mesmo desejo. Quando anunciaram a separação, ao vivo no Domingão do Faustão, da Rede Globo, o discurso foi de que cada um gostaria de investir no trabalho paralelo.

Até o momento, nenhum dos outros integrantes divulgou qualquer projeto. Perguntado por Faustão na ocasião, Brilhantina não escondeu o descontentamento: “Eu, sinceramente, fiquei bastante abalado, mas é a decisão que o grupo tomou e é isso que vai ser… vamos ver o que vai acontecer”. O que já aconteceu, por enquanto, não é tão diferente do que já vinha acontecendo, pelo menos musicalmente. Definitivamente, os fãs do Exaltasamba não estão órfãos. Mesmo separados, as cantores continuam começando e terminando as músicas com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização.

Thiaguinho – Ousadia & Alegria (2012)

Música: Buquê de Flores
Verso: “Eu tava pensativo então fui no pagodinho pra te encontrar/Peguei meu cavaquinho fiz um samba bonitinho pra te ver sambar, vem”

Música: Ousadia & Alegria
Verso: “Chego chegando, beijo no canto da boca”

Música: Desencana
Verso: Vocalização – “Lalalaiá”

Música: Ainda bem
Verso: “Ainda bem”

Música: Deixa eu te fazer feliz
Verso: “Deixa eu te fazer feliz”

Música: Eu quero é ser feliz
Verso: “Hoje eu acordei com vontade de cantar pagode”

Música: Tomara
Verso: Vocalização – “êiêiêiê”

Música: Motel
Verso: Vocalização – “Lalaiá Laiá”

Música: Deixa pra mim
Verso: Vocalização – “Êêêêêê”

Péricles – Sensações (2012)

Música: Pedaços
Verso: “Um pedaço de emoção”

Música: Supra Sumo do Amor
Verso: Vocalização – “Ôôôôôô”

Música: Leito de estrelas
Verso: “Te levei pro céu”

Música: Oyá
Verso: “Oyá”

Música: Linda Voz
Verso: “Olá, hoje eu te vi pela televisão”

Música: Cuidado cupido
Verso: “Cuidado cupido”

O fenômeno da Exaltarepetição

Desde a primeira música do primeiro CD até a última gravada em um DVD em São Paulo, 25 anos depois, o Exaltasamba fez uso de uma fórmula musical específica: terminar as canções da mesma forma como começou – seja por uma frase, uma palavra, uma estrofe ou só uma vocalização. Essa característica esteve presente em quase todos os álbuns da banda, especialmente na reta final, quando o grupo fez menos inéditas, lançou mais sucessos e registrou diversos álbuns ao vivo. Pode ser que os Exaltamaníacos não tenham percebido, mas a Exaltarepetição é um fenômeno consolidado.

No DVD de comemoração gravado em 2010, por exemplo, oito das 20 músicas começam e terminam com as mesmas palavras. No DVD anterior, Ao vivo na Ilha da Magia (2009), são outras oito em meio às 22 do álbum. Para entender melhor como a banda fez uso dessa fórmula, o Não Toco Raul analisou a carreira discográfica do Exaltasamba, chegando à conclusão: 21% das canções do grupo começam e terminam com o mesmo verso/frase/palavra/vocalização.

Ao todo, foram analisadas 237 músicas presentes em 15 álbuns, dentre as quais 50 apresentam tal característica. O último sucesso, “Tá vendo aquela lua”, é um bom exemplo: “Te filmando tava quieto no meu canto” é o primeiro e último verso. É claro que essa tática não é exclusividade do Exaltasamba – em 2001, Cássia Eller gravou o Acústico MTV com o marcante verso “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha”, que abre e fecha o hit “Malandragem”, por exemplo.

O Exaltasamba faz uso dessa tática em todas as fases, mas muito menos nos primeiros álbuns. Há uma explicação para isso: os primeiros sete CDs foram gravados em estúdio, e a grande maioria das músicas termina com fade out (quando a canção vai perdendo volume até seu final). Na verdade, 100 das 237 músicas analisadas terminam em fade out, totalizando 42,1% da obra da banda. O primeiro ao vivo só veio em 2002, ainda com Chrigor nos vocais.

Aliás, como tinha classe o Exaltasamba nessa época: era tempo de sucessos como “Cartão Postal”, “Me apaixonei pela pessoa errada” e “Megastar”. Chrigor saiu ainda em 2002, com depressão após a morte do pai. No mesmo ano, Thiaguinho participou do reality show “Fama”, da Rede Globo, e apesar de não vencer chamou a atenção. Em 2003 ele entrou para o Exalta para dividir os vocais com Péricles. “Estrela” foi sua primeira composição gravada – ela começa e termina com a palavra-título. As músicas ficaram mais jovens, mais sacanas e quentes, e o Exaltasamba alcançou o auge assim.

Em junho de 2011, o grupo anunciou recesso por tempo indeterminado, e agora Thiaguinho e Péricles seguem carreira solo. Os 25 anos de carreira e os inúmeros sucessos ficarão marcados para sempre na música brasileira. E para os fãs, fica a fórmula musical: se você sabe como começa, há boas chances de saber como termina a canção; e vice-versa.

Para entender os critérios

Foram analisados os álbuns: Eterno amanhecer (1992); Encanto (1994); Luz do Desejo (1996); Desliga e vem (1997); Cartão Postal (1998); Mais uma vez (2000); Bons Momentos (2001); Ao vivo (2002); Alegrando a massa (2003); Esquema novo (2005); Todos os sambas ao vivo (2006); Pagode do Exalta (2007); Ao vivo na Ilha da Magia (2009); Roda de Samba do Exalta (2010); e 25 anos ao vivo (2010). Os álbuns Livre pra voar (2007) e Tá vendo aquela lua (2011) não foram computados por não terem unidade entre as músicas apresentadas – são coletâneas que contêm inclusive versões já presentes em outros CDs.

Vocalizações, muito constantes no samba, foram consideradas na contagem por fazerem parte efetivamente da letra e, tantas vezes, serem inclusive a parte mais marcante. Músicas que fazem parte de pout-pourris entraram na contagem – afinal de contas, é relevante o fato de a banda, apesar de emendar diversas canções, manter o final igual ao início da música referente. Canções que aparecem em mais de um álbum também foram computadas, já que foi opção do Exaltasamba manter a estrutura nas diferentes gravações.

Para ver a lista com todas as músicas, clique aqui.