Axé, A Origem

Há um ano, escrevi neste blog um texto mostrando como o Carnaval é business, partindo de seu maior hino: We Are Carnaval, música composta pelo publicitário Nizan Guanaes. Em 2015, a indústria carnavalesca (especialmente na Bahia) vai lucrar muito – mais uma vez. O axé, estilo que simboliza a folia no nordeste, completa 30 anos de sua criação formal. Foi uma invenção mercadológica na mesma linha apresentada no outro texto, mas que vai um pouco além: o axé ainda luta para se definir entre suas origens tão diversas e suas manifestações mais arraigadas na cultura local.

O ano de criação do axé é 1985 porque é quando foi lançada Fricote, de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu, aquela da “nega do cabelo duro que não gosta de pentear“. Uma mistura de estilo muito influenciada por ritmos caribenhos, a música estourou no Brasil todo e começou a chamar a atenção com essa tendência que já era expressada no nordeste por muitos artistas. Por deboche, o jornalista Hagamenon Brito – que chamava Luiz Caldas de “Michael Jackson Tupiniquim” – começou a se referir à tal de “axé music”. E o termo pegou.

Então, o que é axé? Originalmente, simboliza “força” nas rodas de capoeira, os assentamentos de orixás distribuídos  nas cerimônias do candomblé ou, na forma mais popularesca, um sentimento bom. É tipicamente baiano; e esse é o único aspecto que mantém no mesmo balaio todos os artistas identificados com esse estilo. Quando essa denominação pegou, o axé virou fenômeno e se espalhou pelo Brasil de forma permanente. Virou business, claro. E, 30 anos depois, continua dando muito retorno, especialmente nessa época de Carnaval.

“É uma necessidade mercadológica. As empresas precisam rotular pra vender em grande quantidade. Se for fragmentar isso fica difícil pra o consumidor comprar”, explicou Luiz Caldas ao site Lelynho.com, especializado, inclusive, em negociar pacotes para folias carnavalescas por todo o Brasil. “O axé music é só mesmo um nome que se dá a um caldeirão onde cabe tudo. Nós, baianos, sabemos quando um cara toca alguma coisa ‘ah, isso é um samba-duro’. Aí daqui a pouco o cara toca alguma coisa e aí você diz ‘isso é um Ijexá’. Mas para o turista é axé music. Então pra mim é melhor ainda, que venham todos”, complementou.

luizcaldasAxé é samba-duro, Ijexá, Deboche, Merengue, Galope, Samba-Reggae, uma infinidade de gêneros semelhantes – de origem africana e influência caribenha – que já eram tocados e dançados pelas ruas de Salvador e dali saíram para os blocos. As dancinhas coreografadas também são uma característica importante em todos os casos. É a verdadeira folia, que mudou de vez a forma como o Carnaval era brincado na Bahia, com trios-elétricos e blocos de música instrumental, com fantasias ainda chamadas “mortalha”.

Se analisarmos o estilo, as letras e a temática, vai ser difícil dizer que Olodum e Ivete Sangalo estão debaixo do mesmo guarda-chuva musical. O mesmo para Araketu e É o Tchan, Luiz Caldas e Parangolé. As vertentes são tantas e com tantas especificidades. Mas o axé, como estilo único, ganhou força. “Nem a bossa-nova nem qualquer outra coisa, nem a Tropicália, tudo isso, ninguém nunca vendeu tanto disco quanto a gente vende e fez tanta alegria quanto a gente faz”, afirmou Caldas. Funcionou – e funciona – como business, principalmente.

E isso não quer dizer que o axé não seja legítimo. Percebem a ironia? Como produto, o axé se destaca e se sustenta, mas também se generaliza. Mas na sua individualidade, é a expressão do samba, do rock, do reggae baiano, um estilo transformado e aperfeiçoado, que pode ser extremamente rebuscado na sua forma de tocar ou extremamente eficiente, mesmo quando simples. O axé é realmente uma coisa muito louca, difícil de entender. Mas faz sucesso e respeita as próprias origens.

We are Carnaval, a origem

Raquel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT e autora de diversos comentários polêmicos nas bancadas por onde passou, dedicou ao Carnaval uma de seus primeiros desabafos que ressoaram nacionalmente. Há três anos, ainda pela TV Tambaú, da Paraíba, falou sobre os festejos que se iniciam nesta sexta-feira, em discurso com referências históricas, exemplos atuais e um aviso: essa não é uma festa popular. “Balela”, diz Raquel: “o Carnaval virou um negócio dos ricos”. Talvez o mundo não seja trágico como diz a jornalista, mas é de se pensar: Carnaval é business, assim como é business o seu grande hino.

Só o rótulo de hino do Carnaval baiano diz muito sobre a importância mercadológica da música We are Carnaval. Ela foi composta por Nizan Guanaes, um dos maiores publicitários do Brasil e do mundo. Nizan é um monstro do mundo publicitário, criador da agência DM9 (que depois se fundiu e virou DM9DD9), participou da fundação do iG (internet gratuita) e é presidente do Grupo ABC de comunicação. Já foi incluído pelo jornal Financial Times como um dos homens mais influentes do mundo (em 2010) e obteve destaque mundial em outras oportunidades.

foto_nizan_guanaesDá para imaginar o cuidado com que escolheu as palavras de We Are Carnaval em sua composição? Isso porque trabalhar com música tem sido rotineiro para Nizan no mundo publicitário. Ele é o autor, por exemplo, da propaganda do Guaraná Antarctica que virou hit nacional (pipoca na panela começa a arrebentar…). Também participou de campanhas presidenciais, e nelas compôs jingles e mais jingles. Não há como mensurar a contribuição comercial de We Are Carnaval para o festejo na Bahia. Comercial mesmo: com seus trios, abadás, pacotes de viagens, passaportes da alegria…

A música já começa em tom de propaganda oficial: “Ah que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, coração do Brasil. Vem, você vai conhecer a cidade de luz e prazer correndo atrás do trio”. Milhões de pessoas, ano após ano, pagam caro para poder fazer isso. “Vai compreender que o baiano é um povo a mais de mil. Ele tem Deus no seu coração e o diabo no quadril”. Genial, Nizan. Para fechar com chave de ouro, vem o refrão internacionalizado, mas de fácil compreensão. “We are Carnaval, we are folia. We are the world of Carnaval, we are Bahia”.  Se isso não servir para business – ainda mais em ano de Copa…

Na verdade, Margareth Menezes cantou essa música acompanhada do Olodum no sorteio dos grupos da Copa do Mundo, realizado na Costa do Sauípe, na Bahia, em dezembro de 2013, e transmitido para o mundo todo. É de se perder a conta da quantidade de artistas consagrados que gravaram o sucesso: Ivete Sangalo, Jammil e uma noites, Asa de Águia e muitos outros. O responsável pelo sucesso dela foi Netinho, em 1996. Curiosamente, We Are Carnaval não foi veiculada como um jingle. Nizan compôs a música, e Ricardo Chaves gravou em 1991, sem grande alarde.

A melhor parte é que antes de ser o hino do Carnaval baiano, a canção foi usada como forma de arrecadar verbas para as obras de Irmã Dulce. Beatificada em 2011 e indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1998, a “beata dos pobres” lutou contra as desigualdades até sua morte, em 1992. Em honra a isso, ainda em 1988, mais de cem artistas se reuniram e gravaram um clipe cantando We Are Carnaval. Nenhuma parte da letra foi suprimida – nem “prazer“, nem “diabo no quadril“. Essa é a origem da música: a campanha realizada pela DM9 de Nizan Guanaes.

A pegada publicitária não tira a relevância nem a importância da música. E também não a deixa menos divertida. Mas que bom é saber que em cada “we are the world of Carnaval” temos também muito de business – mesmo com as melhores das intenções.