Fórmula musical: D-D-Djent

Como é difícil gostar de um estilo musical que mais ninguém do seu círculo social gosta. O Djent – e o metalcore, no geral – é motivo de piadas entre mim e meus amigos, que sempre citam “aquelas músicas lá que você curte” para falar sobre o lado mais extremo da meu ecleticíssimo gosto musical. Eu, por outro lado, me divirto colocando sons pesadíssimos enquanto eles estão no carro, só para ver as caras de espanto e susto. “Não dá pra entender o que ele canta” é normalmente o primeiro comentário. Aí eu tento explicar o que é Djent.

Como é difícil fazer isso por texto. Talvez porque o estilo seja quase onomatopéico: os break-downs do metalcore, marcados pelo pedal duplo da bateria, ficam mais intensos e marcados, ritmados ao longo de toda a canção. Guitarra e baixo trabalham especialmente com a mão que segura a palheta – sem chance de tocar essas músicas no finger picking – e a afinação é baixíssima.

O nome Djent é, em si, uma espécie de onomatopéia: diz respeito ao som da guitarra quando as cordas são tocadas ao mesmo tempo em que são abafadas com a palma da mão. Os maiores expoentes internacionais são Meshuggah, Born of OsirisVildhjarta, mas há também boas bandas brasileiras que incorporaram as características, como John Wayne e Sea Smile – ambas cantam em português e fazem trabalho que nada deve ao resto do mundo.

A verdade é que Djent é uma denominação muito curiosa e que é encarada com extremo bom-humor, como você pode ver nos vídeos ao redor desse texto. A onda do Djent é também impulsionada por memes e piadas que circulam nas redes. Eu sempre tento fazer essas piadas com meus amigos, mas ninguém me entende.

Temos uma playlist de Djent no Spotify. Siga o Não Toco Raul!

 

 

Ouvi Butcher Babies e gostei do que vi

Comecei a ouvir Butcher Babies recentemente. Conheci a banda pelo Spotify, que a indicou baseado nas músicas que eu andava ouvindo. Vi na listagem que havia apenas um álbum. Dei o play. Até então, a única referência era a capa: uma coisa sombria, uma criança olhando para um casal adormecido na cama – provavelmente os próprios pais. Eu esperava uma faixa de introdução ao estilo abstrato, como é de costume com essas bandas, mas o que ouvi foi a primeira música: I Smell a Massacre. Gostei.

São quatro acordes até a bateria entrar com tudo, pedais duplos e um berro agudo. Na hora, me lembrou a introdução de People = Shit, do Slipknot. Será que é uma mulher berrando? A faixa avança mais um pouco, e eu entro em dúvida: parece que ouço duas mulheres alternando berros com vocais harmoniosos. Se for uma só enfiando camadas de voz na música, vou parar de ouvir, pensei. Isso faria da banda algo muito artificial. Mas não. Eram duas vozes bem diferentes. Gostei mais.

Escutei mais umas quatro faixas, cada vez mais satisfeito com a pegada, já achando tudo muito inspirado em Pantera e Lamb of God. Não há um segundo de lirismo na voz das vocalistas. Abri o Google e digitei o nome da banda para finalmente ver o estilo, a aparência. Quase caí da cadeira. Encontrei duas modelos seminuas, corpos esculturais segurando microfones com facas e serras-elétricas acopladas, à frente de uma banda de homens maquiados para um filme de terror, estilo Rob Zombie.

butcher

Heidi (à esq.) e Carla

Foi importante ouvir a banda antes de vê-la porque, para a maioria das pessoas, ocorre o contrário. Ouvi Butcher Babies e gostei do que vi é um comentário maldoso muito difundido nos sites de heavy metal, que ironizam a qualidade da banda e creditam a atenção ganha – que nem é tão grande assim – à aparência e ousadia da morena Carla Harvey, escritora e ex- repórter da Playboy TV; e de Heidi Shepperd, hoje de cabelos vermelhos, radialista e modelo. As duas são espetacularmente lindas. Mas e daí?

A princípio, as duas encarnavam o que chamavam de sluty metal. Inspiradas em Wendy O. Willians, vocalista e líder da banda Plasmatics, elas se apresentavam de topless, com esparadrapos cobrindo os mamilos. Quase sempre são essas fotos que aparecem em matérias e resenhas. Wendy, que se matou em 1998, fazia esse tipo de coisa – inclusive com berros nas músicas – no começo dos anos 80. Era uma transgressora. E tinha, também, um corpaço. Não é difícil relacionar os dois casos. O nome Butcher Babies vem de um EP Solo gravado por Wendy em 1980, chamado Butcher Baby. Hoje em dia elas não usam mais esse visual.

Wendy O. Williams

Wendy O. Williams

É complicado tentar entender porque a banda atrai tanta crítica. O som é bem feito, coerente. Não há indícios de que os vocais sejam artificiais. Faltam vídeos oficiais da banda a não ser clipes, mas há alguns shows gravados de forma amadora no Youtube, e as duas seguram a bronca no mínimo satisfatoriamente. Tudo recai, então, no visual, que é obviamente explorado pela banda na figura das vocalistas. Sobram comentários dizendo que as duas não precisariam colocar os peitos de fora para fazer sucesso. Mas por que elas não podem fazer isso? O assunto, é claro, envolve machismo.

A discussão é complicada, mas tem avançado no rock em geral. A presença feminina na indústria da música – e, principalmente, no universo do rock – infelizmente ainda é imensamente inferior em relação à masculina, mas sobram exemplos como Joan Jett, The Donnas, Kittie, Walls of Jericho, 45 Grave, Evanescense eArch Enemy. Tem mulher fazendo som pesado para todo tipo de estilo. Que Carla e Heidi se vistam da forma como quiserem para se apresentar. Você pode não gostar do estilo, da voz, das músicas. Mas não dá para – e acho que nem teria mais como – limitar as vocalistas e o Butcher Babies apenas às aparências.

Recentemente, a banda saiu em turnê com o Down, de Phil Anselmo (vocalista do Pantera); e com o Black Label Society, de Zakk Wylde, guitarrista do Ozzy osbourne. Os dois monstros do rock não devem estar ligando mais para como elas se vestem do que para o som que fazem. Um conselho de um cara que ouviu Butcher Babies antes de ver a banda: coloque o fone de ouvido e ouça a intensidade do álbum Goliath (2013). É tão intenso quanto a beleza das vocalistas. E mais relevante do que isso tudo também.