Maldita indústria cultural: Fresno

Indústria Cultural é um termo cunhado pelos filósofos alemães Adorno e Horkheimer para definir padrões que se repetem afim de criar uma consciência coletiva voltada ao consumismo. Foi um baita desafio tentar sintetizar em poucos caracteres uma definição sobre esse termo, que é muito profundo e extenso.
Pegamos o termo emprestado para dar o nome a seção que vai te apresentar de verdade a artistas que são injustiçados e sofrem algum tipo de preconceito.

 

“Uma música” é tocada em ré e tem mesmo um começo agudo, fácil para o vocalista da Fresno, Lucas Silveira, mas complicado para fãs como o rapaz do vídeo, que de forma afetada tenta cantar enquanto é atrapalhado pelo irmão mais novo aos gritos de “fresco, boiola”. A filmagem tem mais de 500 mil visualizações no Youtube, e o protagonista é chamado de tudo quanto é nome nos comentários, de forma quase sempre ligada à sua suposta viadagem. É esse mesmo rótulo que ainda parece pesar sobre o Fresno, apesar de seus integrantes não usarem mais franjas de lado e terem abandonado definitivamente o emocore. Obra da maldita indústria cultural.

Fresno foi emo, tinha influência de bandas como Dashboard Confessional, Jimmy Eat World e Get Up Kids. Letras como “Alguém que te faz sorrir” e “Onde está” têm cunho emocional intenso, falam de sofrimento e de amor. Os fãs choravam, se vestiam de preto e pintavam o rosto, e deixavam as franjas de lado. Quando a banda chegou ao mainstream, isso tudo pesou sobre eles. E toda a fama de emo e o preconceito levantado com isso fez com que o Fresno se transformasse.

Em 2011, fui a um show no Citibank Hall que tinha a Fresno como headliner (V.O.W.E., Strike e Hevo 84 também tocaram). A banda estava encerrando a turnê do álbum Redenção (2008) e já preparando o lançamento de Revanche, que viria em junho daquele ano. Durante a apresentação, o vocalista Lucas Silveira fez um discurso pesado, que dizia que a banda havia passado por muita coisa até aquele momento. Citou que haviam ouvido “muita coisa ruim desses filhos da puta” e pediu para tudo ficar definitivamente no passado. E aí tocou a faixa título, pesada e agressiva. Ao que pareceu, Lucas se referia a esse preconceito, algo que o NX Zero deixou para trás e que sequer chegou a afetar bandas como o CPM 22, o ForFun ou o Hateen.

A música “A minha história não acaba aqui”, a 10ª de Revanche, mostra bem esse sentimento: “vão encontrar mil maneiras de te rotular/E em todo canto sempre tem alguém que quer roubar o seu lugar” e “vão te vender sem saber o que há por dentro/e por alguns trocados vão achar que podem te comprar”. O álbum todo é assim: um dos mais pesados da banda, mais pesado ainda do que na época do emocore, quando guitarras e riffs eram a base para o vocal meloso e harmonioso de Lucas.
A banda deu mais um passo nessa direção recentemente, quando rompeu com a Universal Music de Rick Bonadio e voltou à cena independente. Lucas explicou em entrevista à revista Rolling Stone que a disparidade de visões entre eles e o produtor chegou ao nível em que o que faziam já não servia a Bonadio. O limite entre o que era possível ceder para permanecer no mainstream foi atingido. “Vocês querem sair? Então podem sair”, disse o produtor. Meses depois, a Fresno lançou o EP Cemitério das Boas Intenções, com guitarras tão altas quanto vocais, teclados copiando os riffs de guitarra e baixo e letras sobre religião.

“Crocodilia” tem os versos “não, não, não acredito em inferno/é só uma ilusão, o sofrimento é eterno”, enquanto que “A gente morre sozinho” traz  “perguntaram para mim pra onde vou, de onde vim/eu respondi com um olhar pedindo ajuda sem encontrar”, “quando estamos sozinhos não existe bem ou mal” e até um “cadê seu Deus?”. Ao que me parece, a missão proposta com o lançamento de Revanche foi cumprida: mudou a cara da banda, ainda que o preço seja sumir das rádios e da televisão.

Fresno não é som de viado. Se “Uma música” tivesse sido gravada por bandas como o Skank, ninguém criaria polêmica com isso.

P.S.: Quer ouvir uma música de viado?

 

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