Já fui uma brasa, a origem
Há inúmeras canções de exaltação ao samba. Moleque Atrevido fala da nata do estilo, “linha de frente de toda essa história”, do “tempo do samba sem grana e sem glória”, e cobra: “respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”. A Batucada dos Nossos Tantãs tem a mesma linha: “você não samba, mas tem que aplaudir”. O Show Tem Que Continuar ainda avisa: “todo mundo que hoje diz ‘acabou’ vai se admirar”. O papo é sério, e o discurso foi construído por grandes compositores. Antes deles, no entanto, Adoniran Barbosa, um dos maiores, lidou com a questão de forma totalmente diferente.
Em 1966, Adoniran Barbosa estava longe da mídia – o que na época significava o rádio e a recém-implantada televisão. O último registro do compositor havia sido gravado em 1958, com Pafunça/Nois não os bleque tais. A moda era a Jovem Guarda de Erasmo, Roberto Carlos e cia., o que deixava o sambista magoado. Neste ano, ele compôs Já Fui uma Brasa. A música é extremamente simples e traz na letra um relato conformado da falta de espaço que se deu diante da turma que chamava atenção no programa de nome Jovem Guarda, da TV Record.
Enquanto os roqueiros do Brasil usavam gírias para cativar o público (caranga, pão, broto, coroa, pinta, etc), Adoniran usou uma metáfora para explicar sua situação: “Eu também um dia fui uma brasa/E acendi muita lenha no fogão”. E segue o drama: “E hoje o que é que eu sou?/Quem sabe de mim é o meu violão”. É impossível não fazer ligação com uma das frases mais marcantes de Roberto Carlos e que simbolizava bem o estilo da Jovem Guarda: “é uma brasa, mora?”. Uma brasa é algo (provavelmente alguém) quente, muito bom. Assim como Adoniran um dia havia sido.
O verso que define isso vem logo na sequência: “Mas lembro que o rádio onde hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro tocava Saudosa Maloca”. Esse é o ponto mais amargurado do discurso de Adoniran. Ele não exalta suas qualidades nem se autopromove. Pelo contrário: busca conciliação. “Eu gosto dos meninos desse tal de iê-iê-iê/Porque com eles canta a voz do povo”, diz o sambista paulistano. O último verso é o mais emblemático, dá impressão de ser dito sorrindo, meio como um aviso, uma ameaça. Dá até para sentir um tom de “respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”.
“E eu que já fui uma brasa/Se assoprar posso acender de novo”.
Adoniran foi mesmo uma brasa. Viveu afastado do grande público após 1966, mas “renasceu” ao se tornar ator das primeiras novelas e programas da TV Tupi e também da própria TV Record. Gravou e eternizou Já Fui uma Brasa, um de seus maiores sucessos até hoje. É como se ele nem precisa dizer que tem que ser respeitado, aplaudido e admirado.
Boas versões do clássico foram gravadas por Arnaldo Antunes e pelo grupo Casuarina, com participação especial do cantor Frejat. Confira abaixo as duas versões.