NTR Convida #36 Liege Milk (Medialunas, Hangovers etc.)

Toda sexta-feira (toda MESMO, dessa vez é sério) o NTR traz a seção “NTR Convida”, onde músicos convidados vão ditar o som para você começar o final de semana na pegada.

 

A convidada dessa semana é praticamente a mulher maravilha da música independente brasileira. Ou uma das personagens de X-man. Porque o tanto de coisa que ela faz vai te deixar cansado só de ler. Tão hiperativa e workaholic como Dave Grohl e Josh Homme, Liege Milk toca mais de um instrumento e integra mais de uma banda, além de realizar trabalhos voluntários voltados à música, ter um emprego ligado às artes visuais e gostar de cozinhar. Acho que ela não dorme muito.

Loomer
A catarinense passou a maior parte da vida morando no Rio Grande do Sul e, de lá, saiu tocando pelo Brasil com as bandas Loomer, Hangovers e Medialunas. Cada uma com um estilo diferente, mas coerentes entre si. A Loomer é total anos 90, shoegaze e grunge, aliando momentos mais agressivos com a distorção no talo a melodias mais doces e vocais casados. My Bloody valentine é uma das referências mais marcantes. Liege tocava baixo e cantava no grupo até maio deste ano.

“Terminei de gravar meus baixos e vocais no disco que está para sair – e que está muito bonito. A Loomer é uma baita banda. Eu sou fã. Os guris são músicos incríveis. Mas é aquela coisa…banda é que nem casamento; e casamento cê sabe bem como é: tem que ter muita paciência, tolerância, respeito, carinho, dedicação, amor. Amor de verdade. Eu já não estava mais tendo tanta dedicação, tanto carinho…acho que esse disco, bem como um filho, pra mim, é o fruto do amor que dediquei à banda nestes 5 anos. Penso que agora a banda merece alguém que possa se dedicar muito mais do que eu e renovar as energias, dando AQUELE GÁS que a banda merece, que eu já não sou mais capaz de dar”, explica ela.

Hangovers

Mas Liege continua a tocar no Hangovers desde a sua formação, em 2009. Até este ano o grupo era um power trio do capeta com bateria, duas guitarras e nenhum baixo, tocando apenas canções instrumentais pesadíssimas, com muitas  referências do grunge, mas também com muito mais peso e sujeira – e influências de Helmet, Sepultura e outras bandas mais pauleira. É propositalmente tosco, estupidamente alto e agressivo. E genial. Um de seus EPs se chama “Academia Brasileira de Tretas” e o trio batizou seu som de “grunge universitário”. Andrio Maquenzi, que era vocalista do Superguidis, entrou para a Hangovers em 2013, transformando a banda em um quarteto com três caras na guitarra (sim!) e a Liege descendo a mão na bateria para conseguir equilibrar essa barulheira toda. Eles estão gravando um novo EP, o terceiro do grupo, que terá quatro músicas, deve ser lançado ainda este ano e, prometem, soará “mais pesado que o céu” – em uma clara referência a Kurt Cobain. “Deixamos de ser um power trio, nos formamos na Academia de Tretas e deixamos de ser grunges universitários. Creio que estamos entrando pra turma dos veteranos… doutorados em tretas. Daqui pra frente é só passar o conhecimento adiante”, brinca Liege.


Medialunas

Ela e Andrio, aliás, são namorados, moram juntos e vivem praticamente como se fossem casados. Eles também começaram a compor e a tocar juntos e criaram o duo Medialunas – minha banda preferida da Liege. Os dois cantam, ela toca bateria e Andrio toca guitarra. E, por mais piegas que soe, preciso escrever isso aqui: a música deles é simplesmente apaixonante. Talvez porque tenha nascido justamente do amor dos dois, que são um dos casais mais bacanas e talentosos que já conheci. O som é mais “limpo” do que o das outras bandas de Liege, com vocais harmônicos e algumas melodias mais tranquilas, mas sem deixar de lado a guitarra distorcida e a bateria marcada – e às vezes até os miados da gata Yoshimi, um dos bichinhos de estimação do casal. Depois de irem soltando músicas na internet que geraram muita repercussão, os dois lançaram um álbum cheio (e com uma capa linda sensacional, toda desenhada à mão) chamado “Intropologia” no ano passado. “Estamos em processo de composição do novo disco, com cerca de 5 músicas novas, que não estão no Intropologia. E seguimos viajando por aí, com tour programada para Rio de Janeiro e Nordeste ainda este ano. Mas sem pressa. Fazendo as coisas à medida em que podemos…sem atropelos”, diz ela.


Meninas na Batera

Além das bandas, Liege ainda faz trabalho voluntário ensinando bateria para meninas de 6 a 17 anos no Rio Grande do Sul. É o projeto “Meninas na Batera”.

“Tenho me dedicado muito ao meu trabalho artístico (desde 2008 me dedico quase exclusivamente à música e senti falta do mundo em que vivia antes: o das artes visuais) e ao projeto Meninas na Batera, que escrevi logo após minha experiência no fantástico Girls Rock Camp Brasil e tenho desenvolvido desde março deste ano aqui no RS, para a minha comunidade”, explica Liege, que foi uma das instrutoras de bateria da primeira edição brasileira do Girls Rock Camp, realizada em janeiro em Sorocaba (SP).

Além de uma oficina de musicalização, o projeto é uma iniciativa sócio-cultural que não exige prática ou conhecimento prévio das meninas, além de fortalecer. sua a auto-estima e empoderamento através da música, nesta fase de formação de caráter e auto-conhecimento, visando a formação de cidadãs mais conscientes, auto confiantes e sem medo de se expressar de forma alguma.

Quando convidei a Liege para participar do NTR Convida, ela disse que fazer listas não era nada fácil. Mas acabou escolhendo canções que marcaram sua adolescência e a influenciaram. “Nessa fase atual da vida ando ouvindo essas músicas de novo, de novo e de novo, como se ainda tivesse 18 anos”.


A playlist:

1) Mayonaise – Smashing Pumpkins
“É a All You Need Is Love dos anos 90. Nunca tive uma fase beatlemaníaca. Mas sou pumpkinmaníaca até hoje.”

2) Going Inside – John Frusciante
“É a melhor trilha pra gente se encontrar com a gente mesmo, limpar o brejinho interior e analisar com o coração o que realmente é um problema externo e o que é problema nosso, que, por muitas vezes, a gente acaba projetando nos outros. Olhar pra dentro é fundamental. A paz mora aqui dentro, cê só tem que organizar tudo bonitinho nas gavetinhas dentro de você.”

3) Silver Rocket – Sonic Youth
“Porque um pouquinho de caos e ‘despirocamento’ são necessários pra gente agir, reagir, se sentir vivo.”

4) Heart of Gold – Neil Young
“O véio sabe das coisas. E dispensa comentários.”

5) Right Through You – Alanis Morisette
“Para muitas meninas da minha idade e convivência próxima, a Alanis foi a primeira Riot Grrrl com quem se teve contato. Não sei se pela nossa faixa etária (27 anos), mas You Oughta Know foi a primeira bomba que escutei completamente carregada de raiva e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade única e transparente. Um bagulho duro e translúcido, que nem um diamante. Right Through You é a minha preferida do Jagged Little Pill – meu diamante, pequeno remedinho amargo que curou muitas e muitas dores de cotovelo, confusões mentais e existenciais na minha adolescência. Alanis pra mim foi um portal: depois tomei conhecimento e adoração à Kathleen Hanna, Kim Deal, Kim Gordon e tantas outras musas!”


Mais Liege:liege

Medialunas
Hangovers
Loomer
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Gilrs Rock Camp Brasil

 

Girls para amolecer corações indie-endurecidos

 
Eu não tenho muito mais saco para procurar sons novos como tinha lá pelos meados dos anos 2000. Naquela época som “novo” era tipo Art Brut, Franz Ferdinand, Yeah Yeah Yeahs, The Killers, Interpol, The Fratellis, Arctic Monkeys, The Vines, The Hives… enfim, uma porrada de coisa nova e legal pra mim. A música “nova” de agora confesso que tenho preguiça, preconceito mesmo, de escutar. Ouvir nomes de bandas como Vampire Weekend, Two Door Cinema Club, MGMT, Foster the People, Friendly Fires… me cansa a beleza, parece tudo tão previsível, processado e sem nenhuma novidade. Exatamente por esse sentimento temporário – eu espero – de “o sonho acabou” é que fico entusiasmada quando escuto (e gosto) de algo novo.

Capa de “Father, Son, Holy Ghost”

E esse sentimento veio com o segundo, e não tão novo assim, álbum do Girls: “Father, Son, Holy Ghost”, lançado em setembro do ano passado. Apesar do nome feminino, a dupla californiana é formada por dois caras: Chris Owens e Chet “JR” White. O som tem um ar de rock velho dos anos 60, com solos viajantes e guitarras às vezes de surf music que dão um toque de psicodelismo. Além do quê de soul music, com direito a vários corais de igreja no meio do som, uma influência meio gospel. Melodias gostosas, mas melancólicas, um pop instável, meio triste. As referências do duo vão de Chet Baker a Jeff Buckley. As canções do segundo álbum têm alguns momentos animados e despretensiosos como a faixa que abre o disco, “Honey Bunny”, mas são majoritariamente mais pesadas, guitarras que choram, tristes e intensas como as belíssimas “Vomit” e “My ma”, que você pode ouvir abaixo

My ma – Father, Son, Holy GhostMy ma

O responsável pelas letras pop-tristes do Girls é o vocalista Chris Owens. Sua vivência com certeza teve influência em sua poesia: filho de hippies, cresceu dentro de um fechado grupo cristão, o Children of God, que prega a salvação através de um rompimento com o “mundo externo”. Aos 16 anos o cantor resolveu fugir e foi morar em diversos países, onde ganhava trocados cantando, encontrando seu escape na música. Owens tem vários conflitos com sua mãe, já que ela deixou seu irmão morrer de pneumonia por ter se recusado a medicá-lo com remédios convencionais, além de ter se prostituído na presença do filho. Os versos de “Myma”: “Estou tão perdido e estou aqui na escuridão, e eu quero ver a luz do seu amor, estou procurando o sentido da vida” são um recado claro à sua mãe.

Um dos meus vídeos favoritos do Girls é eles tocando “Love Like A River” para o programa “For No One”. E eles tocam realmente pra ninguém, num estúdio vazio (mesmo), sem ninguém assistindo. A música é linda, o cenário é perfeito. Com um som que dá até arrepio não é nem preciso de plateia pra preencher o palco.

E aqui rola uma versão-homenagem de “I will always love you”, gravada logo após o falecimento da diva Whitney Houston. Não parece que o som saiu direto do “Father, Son, Holy Ghost”?

 
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