Por que cantar em português?

Banda de metal/hardcore de São Paulo, o Project 46 estava com a gravação seu primeiro álbum encaminhada quando resolveu incluir uma hidden track com letra em português. A coisa funcionaria como um teste, uma música diferente em meio ao álbum todo cantado em inglês. Quando a faixa ficou pronta, o impacto dela foi tão grande que deixou os cinco integrantes em dúvida. Ficou bom. Será que o resto delas também soaria bem se traduzida também? “Por que cantar em português?”, perguntaram-se.

Project 46

Project 46

As referências do headbanger brasileiro padrão são gringas, não só porque o estilo foi criado e aperfeiçoado fora do País, mas também porque boa parte das principais bandas daqui faz música em inglês – Sepultura e Korzus são exemplos. Assim funcionava com o Project 46 também. Antes de formar a banda, o quinteto integrava um cover de Slipknot. O primeiro EP, If You Want Your Survival Sign Wake up Tomorrow (2009)tem quatro faixas em inglês. Dois anos depois, eles resolveram arriscar: passaram todas as letras para português. Os efeitos disso são muito interessantes.

Primeiro porque algumas músicas foram traduzidas quase que fielmente, sem grandes adaptações. Wake Up, do EP inicial, virou Acorda Pra Vida no primeiro álbum, intitulado Doa A Quem Doer (2011), assim como If You Want agora é Se Quiser Tomorrow é Amanhã NegroSurvival Signs, por sua vez, foi uma das músicas bem alteradas, transformando-se em No Rastro Do Medo. De qualquer maneira, a temática é a mesma: porrada, desgraça e a luta para superar os medos, problemas e dificuldades. Cantar em português, por fim, acabou fazendo toda diferença para o Project 46.

O principal motivo é a identificação com as letras. O guitarrista Vinícius Castellari explicou, em entrevista ao site Whiplash, como é muito mais relevante e significante para o fã gritar um palavrão em português do que em inglês. A gente enche a boca pra falar “Acorda pra vida, caralho”, muito mais do que faria com “Wake up to your life, bastard”, como no original. Além disso, não dá para deixar de notar como a dicção do vocalista Caio MacBeserra em inglês é contestável, enquanto que em português ele consegue marcar melhor as sílabas. Apesar do vocal gutural, dá para entender o que é cantado.

Capa do novo disco

Capa do novo disco

Em português, o Project fala a língua dos fãs, com frases como “Aqui se faz, aqui se paga”, “Então cola na grade e vem” e “Abre a roda ou sai fora”. O efeito disso no show é devastador, da maneira como tem que ser quando um metal é tocado. Resta, então, o nome em inglês, que provavelmente não será trocado. É uma herança dos tempos de Slipknot cover, quando Jean Patton e Vini Castellari resolveram formar a banda. No cover, Patton era o #6, o palhaço, percursionista e backing vocal, enquanto Castellari imitava o #4, guitarrista.

“Project forty-six”, mas eles não se incomodam se a pronúncia mudar para “Project quarenta e seis” ou mesmo “Projeto quarenta e seis”. A banda nunca foi tão engajadamente brasileira como agora. O álbum novo já está pronto, vai se chamar Que Seja Feita a Nossa Vontade e terá, em sua capa, arte do grafiteiro Will Ferreira, conhecido por retratar questões sociais do País em seu trabalho. Uma música já foi liberada: Empedrado, sobre vício em crack, uma questão mais do que atual. Daria para falar disso em inglês? Claro. Mas não teria o mesmo impacto. Em português, o Project 46 é mais relevante. Essa é a resposta para aquela pergunta. E eles acertaram.

Compare as letras do Project 46 em inglês/português (links com vídeo)

Inglês                                                                                             Português
Wake Up                                                                                      Acorda Pra Vida
If You Want                                                                                Se Quiser
Tomorrow                                                                                  Amanhã Negro
Survival Sign                                                                             No Rastro Do Medo

Ah, que saudades do Los Hermanos. HARDCORE

A capa tinha um palhaço daqueles que fazem as pessoas terem medo de palhaço. Ele sorria, mas com um olhar triste – bem parecido com o conteúdo tom e do disco de 1999, recheado de letras  melancólicas sobre mulheres, relacionamentos mal-terminados e a esperança do amor. E mesmo assim era hardcore.

Três músicas têm nome de mulher: a excelente Aline, a famosíssima Anna Júlia e  a cruel Bárbara. Outras seis têm nomes sugestivos: Azedume, Lágrimas Sofridas, Outro Alguém, Sem Ter Você, Tenha Dó e Vai Embora. Os membros do Los Hermanos nem eram tão barbados – Marcelo Camelo tinha um cavanhaque bem aparado, tocava com camisa florida e era hardcore.

Rodrigo Amarante nem sempre tocava guitarra. Em muitas das músicas tocava um tamborim, que em alguns shows sequer era amplificado. Ele corria pelo palco batendo no instrumento com vigor, mesmo sem ninguém ouvir nada, talvez pelo peso da bateria e das guitarras. O instrumento foi apelidado pela banda de “o primeiro tamborim hardcore”. Hardcore.

A banda já se apresentava com instrumentos de sopro, imprescindíveis na definição das melodias. Eles se encaixavam especialmente bem nas partes de levada ska, que por sinal influenciaria o harcore já a partir dos anos 70.  O Los Hermanos misturava os estilos de forma muito consistente. Patrick Laplan era o baixista. Ele deixaria a banda em 2001 para tocar com o Rodox, de Rodolfo Abrantes, ex-Raimundos. O som era hardcore.

O baterista Rodrigo Barba nunca deixou a banda, mas em pelo menos dois momentos excursionou com a banda carioca Jason, que toca harcore. O último deles aconteceu em 2007, durante o hiato do Los Hermanos. Barba também sabe tocar marchinhas, e com ajuda de suas baquetas – e especialmente da música Pierrot – o Los Hermanos chegou a passar uma imagem carnavalesca. Isso sem deixar de ser hardcore.

Mas o Carnaval acabou, e o harcore também. Em 2001, a banda lançou “Bloco do Eu Sozinho”, álbum que é aberto por Todo Carnaval tem seu Fim.  Em entrevista à revista Scream & Yell, Marcelo Camelo explicou de forma simples a mudança: “depois de tanto tempo de convívio, tocando juntos, é natural que essa fórmula hardcore, ska, reggae, esteja cansativa”.

E também falou o seguinte: “no início da banda a idéia era misturar letras de amor com hardcore. O peso da melodia e a leveza das letras. Foi o mote inicial, por isso o primeiro disco tem essa cara. Mas à medida que começamos a viajar juntos, trocar discos, conversar mais sobre música, isso foi se dissipando. É inevitável que o som mude”. Mudou bastante mesmo, embora o capricho nos arranjos e a temática tenha permanecido.

Rodrigo Amarante também falou sobre a passagem do álbum de estreia homônimo para o Bloco do Eu Sozinho: “quando uma banda faz sucesso no primeiro disco, todo mundo espera que ela repita a fórmula no segundo. A gente simplesmente não tem esse compromisso”. Vendo por esse lado, talvez o Los Hermanos não fosse assim tão hardcore.

Quem faz hardcore normalmente tem compromisso com o estilo. Mas que dá saudade, ah dá.