Qual Fresno lançou um álbum novo?

É muito interessante a maneira como o Fresno encontrou para variar seu som nos últimos anos. Da banda emo adolescente que ninguém aguenta mais falar ao estágio atual, a banda passou por álbum poderoso (Revanche, 2010), um EP pesado e com letras obscuras (Cemitério das Boas Intenções, 2011), um álbum coeso e com sucessos radiofônicos (Infinito, 2012) e um EP que parecia consolidar essa fase “adulta” da banda (Eu Sou a Maré Viva, 2014). Totalmente diferente, agora lança o A Sinfonia de Tudo Que Há.

Trata-se de um álbum épico, influenciado justamente pela ideia de fazer alguma coisa diferente. Talvez por ter sido feito com calma e sem alarde – só se soube de sua existência dois meses antes de seu lançamento, quando já estava em fase de mixagem -, parece soar exatamente como um produto isolado de qualquer interferência, influência mercadológica ou expectativa. É uma Fresno nova, que causou estranhamento em parte dos fãs e, sinceramente, que deu um passo largo em uma direção pouco explorada antes.

“Eu comecei a escrever músicas em 2013. Tem músicas desse disco que inclusive são de antes. Daí um amigo meu falou em escrever um musical, eu quis escrever um musical, escrevi muitas músicas loucamente e, a partir daí, fiquei com vontade de fazer músicas que contem uma história. Isso não precisa ficar claro, mas eu queria contar uma história, e o disco conta uma história, em ordem”, explicou o vocalista Lucas Silveira, em entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

Como em um musical, as faixas têm bastante presença de orquestra. Algumas delas – como O Ar – são minimalistas, com poucos instrumentos e clima intimista. Em outras, não há sequer refrão. Entre os destaques estão Poeira Estelar, Axis Mundi e Hoje Eu Sou Trovão, esta com a participação especial de Caetano Veloso. Até a forma de cantar é mais épica, em alguns momentos com um lirismo que lembra uma ópera-rock e muitos falsetes.

A impressão que se tem é que foi um álbum composto inteiramente no piano, sem dúvida um dos instrumento mais presentes. Apesar disso, essencialmente, o velho Fresno está lá, com letras com temática profunda, contestando a insignificância  humana diante de um universo que nos reserva sabe-se lá o quê. O melancolia inerente nas letras de Lucas dá as caras constantemente, agora com outra roupagem. Vai ser interessante ver como a banda vai reproduzir tudo isso ao vivo. E se essa nova fase vai se mesclar bem com o restante da obra – essa sim uma peça com contornos épicos em sua história.

 

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O Fresno e o mal da televisão

Lucas Silveira, vocalista e principal compositor da Fresno, tem hoje 30 anos de idade e já vivenciou muita coisa nessa vida. Viveu tanto que lançou, só com a banda, seis álbuns e dois EPs – sem contar os projetos paralelos chamados Visconde, Beeshop e SirSir. Suas letras são desde sempre carregadas de emoção, potencialmente inspiradas em situações reais, provavelmente pessoais, além de conter uma espécie de visão de vida. Isso significa que nada na obra da Fresno é superficial, dos amores adolescentes às temáticas de auto-ajuda. Um dos aspectos menos evidentes e mais recentes é o ódio pela “televisão” – ou seja, a imprensa.

Há diversas menções diretas a ela nos últimos trabalhos da Fresno, assim como referências à imprensa de modo geral. Em alguns casos, dá pra entender a televisão como uma entidade reguladora, que julga a todo tempo e controla sua vida pública. Em outras, ela é aquele vilão clássico, alienador e manipulador. É impossível não fazer ligação direta com a velha polêmica do som emo, dos rótulos distribuídos a esmo e da maneira depreciativa que a banda foi encarada em um período da carreira, mas que reverbera até hoje. (Pra entender melhor, há o documentário Do Underground ao Emo, que conta como a forte cena do hardcore foi traduzida meramente em estética pelo mainstream com ajuda da grande imprensa nos Anos 2000).

lucasfresnoIsso fica evidente porque as primeiras referências não são exatamente negativas. Elas estão primeiro em Quebre as Correntes, música do álbum Ciano (2006), aquele que popularizou a banda. “E o quê dizer quando sua vida não é igual à da TV?”, canta Lucas. Depois, aparece de novo no álbum Redenção (2008), o primeiro da banda por uma grande gravadora (Universal Music). Na música-título, ele avisa: “desligue o rádio e a TV porque no seu domingo vou aparecer”, enquanto que em Europa relaciona a TV a “imagens do passado”, a um pesadelo do qual não há como acordar. Nada muito grave, portanto.

Mas foi com o Redenção (2008) que chegou ao auge a rotulação da Fresno, que deixou de ser vista como uma banda cool para fazer parte de uma estética vazia e afetada. Isso foi potencializado com um disco que a banda, hoje em dia, enxerga com ressalvas. O álbum seguinte, não por acaso chamado Revanche, foi escrito pra provar que a banda era rock suficiente. Lucas admitiu, no documentário feito na gravação do EP Maré Viva, que, por mais doido que pareça, Revanche se destinou àqueles que não gostavam de Fresno.

A TV, essa entidade que conta as histórias do dia-a-dia e influencia milhões de pessoas, não foi poupada, e a partir daí as referências à imprensa aumentaram exponencialmente. Em Deixa o Tempo, Lucas canta: “Queria tanto estar em casa vendo mentiras na televisão”. Em Relato de um Homem de Bom Coração, ele desabafa: “de que adianta abrir os olhos se sei que os flashs são pra me cegar”. Em A Minha História Não Acaba Aqui, a mais representativa do álbum, elenca: “vão te vender sem saber o que há por dentro e vão achar que com alguns trocados podem te comprar, vão encontrar mil maneiras de rotular”.

fresno_marevivaDo Revanche para frente, todas as referências são negativas. Como, por exemplo, na música A Gente Morre Sozinho, do inexplicável EP Cemitério das Boas Intenções (2011): “enquanto pintavam os muros de sangue pra vender jornais”. Ou como em Farol (Infinito, 2012): “mas saiba que o teu olho me emburrece mais que as mentiras que eu li nos jornais de ontem”. No mais recente EP, Maré Viva (2014), o mesmo ocorre em À Prova de Balas: “sente o veneno que sai da tua televisão, eles vão dar uma festa pra nossa extinção. Quem muito mostra, esconde e engana quem vê de longe”.

O NTR é imprensa? Sei lá. Só sei que aqui estamos mais uma vez tentando interpretar as músicas do Fresno, dando significado a algumas coisas que, como temos a humildade de admitir neste momento, podem nem ser isso mesmo. Mas que esse ódio pela televisão faz sentido, faz. Talvez seja uma espécie de bode-expiatório, uma forma de canalizar esse incômodo que, se não é culpa da “televisão”, foi amplificado e popularizado por ela – de qualquer maneira, eu ainda acho que, sim, é culpa da televisão como principal componente do mainstream.

Diz um ditado americano: those who tell the stories rule the world. Isso tudo é o Fresno brigando para poder contar a sua própria história, em vez de amplificá-la por outros meios.

Maldita indústria cultural: Fresno

Indústria Cultural é um termo cunhado pelos filósofos alemães Adorno e Horkheimer para definir padrões que se repetem afim de criar uma consciência coletiva voltada ao consumismo. Foi um baita desafio tentar sintetizar em poucos caracteres uma definição sobre esse termo, que é muito profundo e extenso.
Pegamos o termo emprestado para dar o nome a seção que vai te apresentar de verdade a artistas que são injustiçados e sofrem algum tipo de preconceito.

 

“Uma música” é tocada em ré e tem mesmo um começo agudo, fácil para o vocalista da Fresno, Lucas Silveira, mas complicado para fãs como o rapaz do vídeo, que de forma afetada tenta cantar enquanto é atrapalhado pelo irmão mais novo aos gritos de “fresco, boiola”. A filmagem tem mais de 500 mil visualizações no Youtube, e o protagonista é chamado de tudo quanto é nome nos comentários, de forma quase sempre ligada à sua suposta viadagem. É esse mesmo rótulo que ainda parece pesar sobre o Fresno, apesar de seus integrantes não usarem mais franjas de lado e terem abandonado definitivamente o emocore. Obra da maldita indústria cultural.

Fresno foi emo, tinha influência de bandas como Dashboard Confessional, Jimmy Eat World e Get Up Kids. Letras como “Alguém que te faz sorrir” e “Onde está” têm cunho emocional intenso, falam de sofrimento e de amor. Os fãs choravam, se vestiam de preto e pintavam o rosto, e deixavam as franjas de lado. Quando a banda chegou ao mainstream, isso tudo pesou sobre eles. E toda a fama de emo e o preconceito levantado com isso fez com que o Fresno se transformasse.

Em 2011, fui a um show no Citibank Hall que tinha a Fresno como headliner (V.O.W.E., Strike e Hevo 84 também tocaram). A banda estava encerrando a turnê do álbum Redenção (2008) e já preparando o lançamento de Revanche, que viria em junho daquele ano. Durante a apresentação, o vocalista Lucas Silveira fez um discurso pesado, que dizia que a banda havia passado por muita coisa até aquele momento. Citou que haviam ouvido “muita coisa ruim desses filhos da puta” e pediu para tudo ficar definitivamente no passado. E aí tocou a faixa título, pesada e agressiva. Ao que pareceu, Lucas se referia a esse preconceito, algo que o NX Zero deixou para trás e que sequer chegou a afetar bandas como o CPM 22, o ForFun ou o Hateen.

A música “A minha história não acaba aqui”, a 10ª de Revanche, mostra bem esse sentimento: “vão encontrar mil maneiras de te rotular/E em todo canto sempre tem alguém que quer roubar o seu lugar” e “vão te vender sem saber o que há por dentro/e por alguns trocados vão achar que podem te comprar”. O álbum todo é assim: um dos mais pesados da banda, mais pesado ainda do que na época do emocore, quando guitarras e riffs eram a base para o vocal meloso e harmonioso de Lucas.
A banda deu mais um passo nessa direção recentemente, quando rompeu com a Universal Music de Rick Bonadio e voltou à cena independente. Lucas explicou em entrevista à revista Rolling Stone que a disparidade de visões entre eles e o produtor chegou ao nível em que o que faziam já não servia a Bonadio. O limite entre o que era possível ceder para permanecer no mainstream foi atingido. “Vocês querem sair? Então podem sair”, disse o produtor. Meses depois, a Fresno lançou o EP Cemitério das Boas Intenções, com guitarras tão altas quanto vocais, teclados copiando os riffs de guitarra e baixo e letras sobre religião.

“Crocodilia” tem os versos “não, não, não acredito em inferno/é só uma ilusão, o sofrimento é eterno”, enquanto que “A gente morre sozinho” traz  “perguntaram para mim pra onde vou, de onde vim/eu respondi com um olhar pedindo ajuda sem encontrar”, “quando estamos sozinhos não existe bem ou mal” e até um “cadê seu Deus?”. Ao que me parece, a missão proposta com o lançamento de Revanche foi cumprida: mudou a cara da banda, ainda que o preço seja sumir das rádios e da televisão.

Fresno não é som de viado. Se “Uma música” tivesse sido gravada por bandas como o Skank, ninguém criaria polêmica com isso.

P.S.: Quer ouvir uma música de viado?

 

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