Dead Fish em 912 passos

O Dead Fish liberou na última quarta-feira, para streaming, o novo disco intitulado Vitória, produzido após campanha de crowdfunding – a qual eu também participei e ainda não recebi nada (cadê essa porra?). São 14 faixas muito bem encaixadas que os fãs mais antigos terão de ouvir algumas vezes para absorver o estilo de Rick Mastria, guitarrista do Sugar Kane que substituiu Phil. A pegada continua pesada, rápida. Antes, no começo de fevereiro, a banda já havia divulgado um single, 912 passos. Mas que passos?

A numeração no título não foi esclarecida pelos membros da banda, então podemos especular.

O personagem da música vive uma situação conflituosa com o mundo em que vive e as pessoas que nele habitam. “Vejo fatos da vida real tão distantes que mal chegam a me afetar”, diz já o último refrão. Sem saber como lidar com isso, ele tenta encontrar uma forma de compreender tudo, e isso ele faz contando os passos pra ser racional. Por tentativa e erro, zera a contagem cada vez que percebe que não chegou a lugar algum.

Então, 912 é o número mágico de passos necessários? Talvez.

O Dead Fish registrou essa música pela primeira vez ainda em agosto de 2014, em show no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Na ocasião, o vocalista Rodrigo Lima anunciou: “por ora, essa música se chama Hit Veraneio ou 678 Passos ou algo assim. Vamos ver se muda”. Mudou: aumentou 234 passos. O caminho pra ser racional é mesmo longo.

Pela letra, não dá pra saber exatamente que caminho é esse. Mas há um trecho curioso: entre berros, Rodrigo descreve um caminho feito pelo centro de São Paulo.

Nestor Pestana, cruzo a consolação.
Desço a Rua Araújo, olho pro chão.
Ignoro o Copan. Estação República.
A multidão ninguém é humano, mas vai ficar tudo bem!

NESTORPESTANA

Esse caminho, segundo o Google Maps, é curto, tem 800 m – estou considerando a entrada na Estação República pela Rua do Arouche, já que ele pega a Rua Araújo, enquanto que a entrada do metrô na Praça da República fica na Avenida Ipiranga. Para fazer o trajeto, os passos teriam que ter 0,87 m, o que não é um absurdo, mas também não é comum. Obviamente, não fica claro em que ponto da Nestor Pestana ele sai, o que pode reduzir consideravelmente o trajeto. De qualquer maneira, se adotarmos a medida passo simples – unidade utilizada no Império Romano e que equivale a 0,74 m -, os 800 m citados na música seriam feitos em 1081 passos.

É possível que esse trajeto seja feito em 912 passos? Claro. Com pressa, talvez correndo, qualquer um conseguiria. Que tipo de pessoa cruzaria a Consolação e entraria na Rua Araújo ignorando o Copan, majestoso prédio projetada por Oscar Niemeyer? Alguém apressado.

Pena que essa busca provavelmente deu em nada. Na Estação República, na multidão ninguém foi humano.

Atualização: acertamos!

Sim, o Não Toco Raul acertou: os 912 passos correspondem ao caminho da Rua Nestor Pestana ao Metrô República. É o caminho que Rodrigo fazia para ir trabalhar. Ele explicou tudo no vídeo do Dead Fish no Rock Togheter, que saiu nessa segunda (2 de março).

“Eu lembro que era um momento da minha em que, pela segunda vez na minha vida, eu estava vivendo sozinho em São Paulo. Eu gosto de viver sozinho, não tenho problema em estar sozinho, mas eu vivia sozinho, eu tinha um emprego, eu tinha uma banda, e eu não tinha perspectiva nenhuma de algo melhor acontecer, a não ser aquilo ali. A não ser ir pro trabalho e voltar do trabalho. Num dado dia, pra não pensar besteira, pra não pensar merda, eu comecei a contar todos os passos até a catraca do metrô. Eu acho que eu fiz isso 30, 40 vezes indo pro trabalho”, disse.

“Normalmente, eu fazia isso e dava um número completamente diferente: quando eu estava com pressa era 912, quando estava devagar dava mais, e etc. Aí eu comecei a pensar que, na vida, nada tem um numero correto. A vida não é um somatório de 2 + 2 que vai dar 4. A gente não pode botar a vida num gráfico. Não pode ser cartersiano: velocidade, tempo e fazer um gráfico. A vida não pode e não deve ser assim. E aí, num dado momento, eu parei de contar. Falei: “ah, é isso que está acontecendo comigo mesmo””, completou.