O Erê, a origem
De acordo com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), dados compilados sobre casos de ofensas, abusos e atos violentos entre 2012 e 2015 mostram que, em mais de 70% das vezes, os mesmos foram cometidos contra praticantes de religiões de matrizes africanas. Isso significa mais de cem ocorrências, que demonstram a intolerância com que a população vê esse traço presente na cultura brasileira, trazida com os escravos durante a colonização. Exceto quando isso aparece nas músicas.
Poderíamos citar aqui dezenas de casos, mas vamos ficar com o sucesso O Erê, presente no disco de mesmo nome lançado pelo Cidade Negra em 1996. A história da música é a história do candomblé, religião anímica em que seus praticantes cultuam orixás – ancestrais africanos intrinsecamente conectados com a natureza – e com ele se relacionam. Originalmente, cada nação cultua um orixá. Como o Brasil e seu modelo escravocrata que durou cerca de dois séculos e meio congregaram negros de diversos lugares, uniu-se, aqui, centenas deles.
O Erê é como um ponto em comum nessa crença.
Canta Toni Garrido: “pra entender o Erê tem que estar moleque”. Na língua Yorubá, amplamente falada em boa parte do continente africano, Erê significa “brincar”. E a imagem que se faz dele, no candomblé, é de uma criança que age como o intermediário entre a pessoa e seu Orixá. É através dele que o noviço vai aprender os rituais, danças e que vai se comunicar com o Orixá. E pra entendê-lo, tem que estar num estado de espírito puro, como uma criança. Faz sentido?
No resto da música, Toni Garrido passeia por ideias que dialogam com esse conceito: experiências pessoais, o significado das experiências e as memórias em si. “O mundo visto de uma janela pelos olhos de uma criança”.
A música fez muito sucesso e hoje é considerada um dos clássicos da banda, ao lado de outras como “Firmamento”, “Onde Você Mora?” e “A Estrada”, entre outros. A temática um tanto quanto romântica difere daquela da época pré-Toni Garrido, quando o tino político e social do Cidade Negra era muito forte. Toni entrou na banda em 1994, colocou sua marca nas composições e, com produção de Liminha – um dos mais bem sucedidos do ramo -, a banda mudou e alcançou o sucesso.
O Erê é só mais uma influência da cultura afro presente nas letras do Cidade Negra, uma que quase ninguém entende a origem. Talvez no Rio de Janeiro, estado em que a banda se formou, muita gente que considere candomblé bruxaria já tenha cantado, feliz da vida, a música. Esses, sem dúvida, não entenderam o Erê.