Os momentos mais tensos de João Gordo

João Gordo é o vocalista do Ratos de Porão, banda “desde 1981 traindo o pseudo-movimento de alguns idiotas”, como ela mesma se define. Por quase 20 anos, Gordo viveu o auge de porra-louquice na trinca sexo-drogas-rock ‘n roll, exageros que lhe renderam, em 2000, um derrame pleural e 22 dias internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). João Gordo teve momentos tensos. Alguns deles são dignos de notas. O Não Toco Raul lista abaixo.

Os abusos de João Gordo – e dos membros e ex-membros do Ratos de Porão, no geral – são parte importante da história da banda, com diferentes consequências. Por isso, ao contrário de outros artistas, eles na maioria das vezes não escondem o que ocorreu. Boa parte está no documentário Guidable – A verdadeira história do Ratos de Porão, de Fernando Rick e Marcelo Appezato, lançado em 2010. Gordo aparece em filmagens caseiras fumando maconha e na presença de quilos – literalmente – de cocaína.

Apesar de toda a loucura, Gordo aparenta conservar uma memória incrível, relembrando datas e episódios engraçados não necessariamente relacionados a atos ilícitos com grande precisão. Como banda de grande reputação no cenário underground brasileiro, carreira sólida na Europa e totalmente fora do mainstream, o Ratos de Porão tem muita história para contar. João Gordo, o mais desregrado e intenso, ainda mais.

Produção de Crack

Rock, drogas e sexo. Nessa ordem, primeiro porque, nas palavras de João Gordo, “o movimento punk me entortou a vida de um jeito…”. Foi gravando o primeiro álbum do Ratos de Porão, Crucificados pelo Sistema (1984), que ele cheirou cocaína pela primeira vez, e a partir daí a loucura só aumentou. O sexo quase não aparece na biografia da banda.

Maconha, extasy, cocaína, heroína, speedy, LSD, Gordo experimentou de tudo, até crack. Em 1990, durante uma turnê europeia, aprendeu com uma amiga italiana a fazer a pedra. De volta ao Brasil, a banda entrou em hiato porque Boka, que havia acabado de substituir o ex-baterista Spaghetti, machucou o pé andando de skate. Antes do crack se popularizar no País, os membros do Ratos de Porão já tinham o know-how da produção: faziam a pedra e fumavam. O período viciou alguns membros da banda e causou a expulsão do baixista Jabá. TENSO!

Caganeira

print gordo cagaoClique para ampliar

João Gordo já cagou na calça durante um show. Sem grandes especificações, contou o feito no Twitter e quase se comparou a GG Allin. Este sim era um fenômeno dos momentos de tensão. Tocou em mais de uma dezena de bandas e tem significativo trabalho solo, principalmente no punk rock, mas ficou conhecido por não ter limites em suas atitudes altamente impressionáveis. Já fez coisas como se cortar com cacos de vidro, inserir o microfone no ânus, defecar no palco, passar os excrementos no rosto e atirá-los na plateia, entre outras coisas. Imbatível.

João Gordo tem mais de uma história com caganeira. Certa vez durante as gravações da programação de verão da MTV sentiu uma forte dor de barriga na praia. Correu para um banheiro público, mas notou que a porta não tinha tranca. Mais do que isso: o espaço era grande demais para sentar no vaso e segurar a porta fechada. Para não ser pego de calças arriadas, preferiu segurar a porta e cagar no chão. Gordo se limpou com as mãos e saiu correndo para se lavar no mar. Antes, ainda teve que desviar de Falcão, o “Rei do Brega”. A história foi contada em um dos especiais de bastidores da própria MTV. TENSO!!

Balada com Kurt Cobain (pré-requisito: ver o vídeo neste link)


No especial “Contos do Rock” do canal Multishow, Gordo conta a história de uma forma que leva a crer que é o responsável pelo show do Nirvana no Hollywood Rock de 1993 ter sido um dos piores da banda. Ele manifestou essa opinião mais de uma vez antes. Para os céticos: as versões de Gordo em diferentes entrevistas não contrasta, e há testemunhas que comprovam toda a história nos mais diversos documentários e reportagens feitos sobre o Nirvana na última década.

Há ainda outras histórias que não estão descritas no vídeo acima. Depois do show, por exemplo, Gordo entrou no carro com Kurt, Courtney Love, Flea (baixista do Red Hot Chilli Peppers) e outros e os levou à Der Temple, balada na Rua Augusta. No caminho, Courtney Love pediu para parar o carro para ver um dos travestis da região. Maravilhada, deu 300 dólares ao transexual. João Gordo foi para a balada com um dos mais auto-destrutivos rockstars do século. TENSO!!!

Fome e frio na Europa

O Ratos de Porão tem carreira sólida na Europa, chegando ao ponto de gravar versões de alguns álbuns em inglês. Em uma das turnês internacionais, tiveram uma ideia descrita ironicamente como “brilhante”: viajar de trem. As viagens eram sempre com orçamento reduzido, e a estadia passava por squats – prédios e galpões ocupados por movimentos políticos/sociais. Em um deles, na Itália, Gordo chegou a ser expulso do quarto porque roncava alto demais. Foi viajando de trem que ele passou frio e fome.

Em uma viagem da Itália para a Holanda, onde fariam um show, a banda foi parada na França. O país fazia parte do itinerário do trem, mas os brasileiros não tinham visto para passar por território francês. Foram obrigados a descer e, enquanto tentavam explicar a situação, o trem simplesmente foi embora. Para a sorte deles, uma amiga que estava na viagem e tinha passaporte italiano cuidou de todas as malas e instrumentos. A salvação veio com o baixista Jabá, que tinha dinheiro guardado. Compraram as passagens e com o resto comeram pão. Sem bagagem, pegaram mais 18 horas de viagem até Amsterdã. TENSO!!!

Derrame Pleural

“Em 2000 eu estava doidão”, conta Gordo no documentário “Guidable”. O vocalista usava heroína, fumava quase três maços de cigarro por dia, passou um mês “cagando sangue”, sofria com uma apinéia e, para completar, estava com uma costela quebrada. O osso furou uma membrana que envolve o pulmão chamada pleura enquanto João Gordo estava na van da banda, saindo da MTV para ir para casa. Seu pulmão se encheu de sangue e água, e ele precisou ser internado às pressas. Chegou à UTI com 210 kg e saiu, 25 dias depois, com cerca de 180 kg.

Esse não seria o último episódio em que Gordo colocaria sua vida em risco. Mesmo recuperado, voltou a fumar e a usar drogas. Em dezembro do mesmo ano, por exemplo, voltou à UTI com overdose de speedyball, uma mistura de cocaína e heroína. Gordo usa esses episódios como extremos do estilo de vida que já não leva mais. Fez cirurgia de redução de estômago e parou de comer carne. Agora define cigarro como “pirulito de câncer”. O relatório médico da primeira internação aparece no final da música “Obesidade Mórbida Constitucional“, do álbum Guerra Civil Canibal (2000). O primeiro verso dela é: “Atentado contra a vida/Suicídio, punição”. TENSO!!!!!

Top 7,5: Dorgas no róquenrou

 
Sexo, drogas e rock’n’roll. Impossível desmembrar essa antiga tríade que influenciou e ainda influencia tantos músicos. As drogas, aliás, roubam espaço já que são tantas as composições a seu respeito (e sobre seus efeitos) indiretas ou diretamente. Quase que, no quesito musical, nos resta a velha pergunta do ovo e da galinha devido à linha tênue da agressividade/transgressão e autodestruição que o taking drugs to make music to take drugs…  pode levar. Afinal, até quando um sobrevive sem o outro? Ou ainda: até quando um vive com o outro? A relação perigosa entre genialidade e loucura continua no ar e é inegável a participação explícita ou não das substâncias ilícitas em algumas canções. E é sobre ela o nosso Top 7,5:

7. Bob Dylan | Mr. Tambourine Man

 

Bob Dylan, o então poeta norte-americano, já fazia a sua apologia à maconha, mesmo que de forma metafórica, em Mr. Tamborine Man, lançada em 1965 no álbum Bringing It All Back Home. A canção foi escrita em uma viagem que ele fez com amigos de Nova York para São Francisco. Eles fumaram muita marijuana durante o percurso, reabastecendo o suprimento de maconha nos correios, onde haviam enviado potes com a erva ao longo do caminho. A canção tem uma melodia que tornou-se famosa pelo seu imaginário surrealista, influenciada por artistas como o poeta francês Arthur Rimbaud e cineasta italiano Federico Fellini. A letra chama o personagem-título para tocar uma música que o narrador vai seguir, e é interpretada como um hino para as drogas como o LSD. Vale ressaltar que o mesmo Dylan foi quem apresentou a marijuana aos 4 rapazes de Liverpool.

6. The Beatles | Lucy in the Sky with Diamonds

 

Os Beatles têm várias músicas que fazem alusão às drogas como Got To Get You Into My Life e Day Tripper, mas a canção que mais ficou conhecida e mais gerou polêmica, com certeza, foi Lucy in the Sky with Diamonds, gravada em 1967 no álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Apesar de John Lennon jurar de pés juntos que a música nada tem a ver com drogas, já que ele escreveu a letra baseada em um desenho que seu filho Julian fez de sua colega Lucy – o qual explicou ao pai como sendo “Lucy no céu com diamantes” – a canção foi composta já numa fase onde o LSD (ou ácido lisérgico) fazia parte de grandes festas ou simples eventos que o Fab4 frequentava. A atmosfera psicodélica, onírica, surrealista e as imagens de alucinações na canção foram inspiradas pelo capítulo “Lã e água” de Através do espelho, de Lewis Carroll, em que Alice é levada rio abaixo em um barco a remo pela Rainha, que de repente se transforma em um carneiro. Apesar de ser improvável que John tivesse escrito essa fantasia sem nunca ter experimentado alucinógenos, a música foi igualmente afetada pelo seu amor pelo surrealismo, pelos jogos de palavras e pela obra de Carroll.

5. The Rolling Stones | Sister Morphine

 

Os Stones ressaltaram os atributos da morfina em Sister Morphine, lançada no álbum Sticky Fingers, de 1971:

Please, Sister Morphine, turn my nightmares into dreams
Oh, can’t you see I’m fading fast?
And that this shot will be my last

A canção foi escrita por Marianne Faithfull, namorada de Jagger, durante as sessões de gravação de Let It Bleed e é sobre um cara que sofreu um acidente de carro e morreu no hospital suplicando por morfina. Um pouco da letra foi inspirada em Anita Pallenberg, namorada de Keith, que estava hospitalizada e recebendo tratamento com a droga. A composição também foi influenciada pelo Velvet Underground, que na época estava escrevendo várias canções obscuras sobre drogas, especialmente heroína.

 4. Eric Clapton | Cocaine

 

O mestre da guitarra, Eric Clapton, sem cerimônias, afirmou: She don’t lie, she don’t lie, she don’t lie; Cocaine. A canção foi escrita e lançada por JJ Cale em 1976, mas alcançou o sucesso quando foi gravada por Clapton em seu álbum Slowhan em 1977. A letra sobre o vício em drogas é algo que Clapton conhece muito bem. Como ele mesmo explicou em sua autobiografia, quando gravou essa canção ele tinha largado um sério vício em heroína e compensado a abstinência com álcool e cocaína. Ele acreditava que poderia controlar o vício e largá-lo quando quisesse, mas ele simplesmente não queria, e é por isso que conseguia cantar tão objetivamente sobre uma droga que o consumia. Quando Clapton finalmente largou as drogas e o álcool, teve que reaprender a fazer música sóbrio, o que foi uma grande transição, já que tudo parecia ser muito difícil. Ele também percebeu como o seu vício prejudicou ele mesmo e  as pessoas ao seu redor, e passou a ajudar os outros a superarem seus vícios – em 1998, abriu o centro de reabilitação Crossroads, em Antigua. Clapton chegou a remover essa música de seu setlist porque acreditava que ela passava a mensagem errada sobre o uso de cocaína. Com o passar dos anos, o músico adicionou à letra o trecho “that dirty cocaine” ao refrão e voltou a apresentá-la ao vivo.

3. Black Sabbath | Sweet leaf

 

Uma apaixonada declaração de amor. Essa descrição soaria estranha para uma canção do Black Sabbath, ainda mais com direito a súplicas como: When I first met you, didn’t realize, I can’t forget you or your surprise. Mas, como a declaração de amor em questão é feita para a Cannabis Sativa, tudo faz sentido – engana-se quem achava que a letra era uma homenagem à Sharon. Sweet Leaf é uma canção do álbum de 1971: Master of Reality. A canção é um hino ao uso recreativo da maconha, o nome vem de um maço de cigarros que o baixista Geezer Butler comprou em Dublin, que chamava o tabaco como “a erva doce”. A banda usava muita marijuana e outras drogas naquela época, e todos os membros da banda participaram da composição de “sweet leaf”, que mais tarde se tornaria uma nova gíria para maconha. A tosse inicial presente na gravação de estúdio é de Tony Iommi após engasgar-se com a fumaça. Há quem diga que esta é a música precursora do Stoner Rock acho que é por isso que sou tão apaixonada por ela. O riff de guitarra foi tirado de Hungry Freaks, Daddy de Frank Zappa & The Mothers of Invention. Este riff também pode ser ouvido no final de Give It Away do Red Hot Chili Peppers e também é a base para a música Rhymin’ and Stealin dos Beastie Boys.

2. Neddle in the hay – Elliot Smith

 

Em uma entrevista para a Q magazine, Elliott Smith disse que Neddle in the hay “é uma canção sobre fazer sexo com a sua mãe”. Apesar da afirmação irônica, a faixa de abertura de seu segundo disco – o autointitulado Elliott Smith, lançado em 1995 – pode ser interpretada como uma reflexão de como as drogas tiveram um impacto sobre sua vida. Elliott abusava do álcool e outras substâncias chegando a gastar até R$1.500 reais por dia com heroína e crack e também apresentava sinais psiquiátricos graves, como paranoia, falando frequentemente sobre suicídio e overdoses. O som entorpecedor e repetitivo do violão, a voz frágil e confessional, o verso you ought to be proud that I’m getting good marksss cantado por Smith com um “s” prolongado, imitando o sibilar da heroína cozinhando em uma colher, tudo torna a canção agonizante e ao mesmo tempo bela. Neddle in the hay ficou na 27ª posição da lista do Pitchfork das 200 melhores faixas dos anos 90, e também entrou na trilha sonora do filme The Royal Tenenbaums (2001), em uma cena de suicídio. Vale lembrar que Elliott foi encontrado morto, aos 34 anos, em seu apartamento com duas facadas em seu peito. Aparentemente suicídio, mas sabe como morte de rockstar é tudo mistério.

1. The Velvet Underground | Heroin

 

Heroin, be the death of me
Heroin, it’s my wife and it’s my life, ha-ha
Because a mainer to my vein
Leads to a center in my head
And then I’m better off than dead

Sem condenar ou fazer apologia à droga, a canção descreve o ponto de vista de alguém que está se drogando. A letra narra um usuário que, na tentativa de fuga de uma cidade e realidade que só oprimem, encontra na heroína a única alternativa melhor que a morte. Lançada em 1967 no álbum de estreia The Velvet Underground & Nico, a letra foi composta por Lou Reed em 1964. Sobre ela, Reed afirmou: “Eu quis escrever essa música para exorcizar qualquer tipo de escuridão ou elemento auto-destrutivo dentro de mim”. A melodia hipnótica é em total sincronia com a letra: ela começa lenta e vai aumentando gradualmente seu ritmo conforme o narrador tem o pico da droga, pontuado pela guitarra de John Cale e a bateria apressada e mais alta. A música, então, diminui ao ritmo original e repete o mesmo padrão antes de terminar. Heroin entrou na 455ª posição no ranking da Rolling Stone, em 2004, das 500 Melhores Canções de Todos os Tempos. O Velvet Underground tem outras canções sobre drogas, como I’m Waiting For The Manque narra um junkie, em Harlem, esperando por seu drug dealer de heroína com 26 dólares na mão. “The Man” é o traficante. Reed já declarou que “tudo sobre essa canção é verdade, exceto o preço”.

 Bônus. E-Talking | Soulwax

 

Encabeçado por David e Stephen Dewaele, o Soulwax é uma banda belga de rock alternativo/eletrônica cuja canção E Talking, presente no álbum Any Minute Now de 2004, alcançou a 27ª posição na Parada de Singles do Reino Unido em 2005. O clipe da canção se passa em um clube noturno e mostra o ponto de vista de vários frequentadores da boate sob o efeito de diferentes tipos de substâncias, passando por um verdadeiro “alfabeto de drogas“: começando com A para Ácido e terminando em Z para Zoloft. A circulação do vídeo foi restrita ao horário noturno – não preciso comentar o porquê.

 

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