Duas semanas se passaram desde o lançamento dos seis episódios iniciais de The Get Down, nova série do Netflix, e a gente ainda não conseguiu entender muito bem: os fãs amam a produção de paixão, enquanto que a crítica pega pesadíssimo. Se há um mérito na produção mais cara já feita pelo serviço de streaming – cerca de US$ 120 milhões ou R$ 388 milhões – é o aspecto musical, a parte mais interessante, pelo menos para o Não Toco Raul.
Não se trata de uma série musical ao estilo Moulin Rouge!, filme de 2001 escrito, produzido e dirigido pelo australiano Baz Luhrmann, o mesmo responsável pela criação de The Get Down, ao lado do americano Stephen Adly Guirgis. Isso quer dizer que há músicas completas nos episódios, mas que funcionam como músicas em si, não como parte da trama, embora elas muitas vezes tenham papel complementar em relação ao que se passa na história. Ponto positivo.
Mas sim, a trama é confusa a princípio, extremamente veloz e, pra ser sincero, um pouco tosca na ambientação, com personagens aparecendo diante de um óbvio chroma key, algo que você leva um tempo para se acostumar. Ela fica interessante de verdade quando os personagens estão devidamente apresentados e os protagonistas começam a entrar no ritmo da música – especialmente o núcleo que trata do hip-hop em si.
A descoberta de como os DJs trabalham, como os remixes funcionam e a criação de uma rotina reunindo os aspectos do hip-hop – os versos, os b-boys, as pick-ups com os scratches – dão um sabor especial à série, que começa a melhorar justamente nos últimos episódios divulgados até agora. Para ser verossímil, o elenco teve aulas de cultura hip-hop com lendas como Grandmaster Flash (retratado na série) e os rappers Kurtis Blow e Nas.
Os seis episódios finais atraem boas expectativas e devem sair em 2017. Até lá, dá tempo de você se inteirar um pouco mais sobre a cultura que emergiu no Bronx, na década de 70. Se você usar o próprio Netflix, procure pelos filmes “Wild Style” e “Os Donos da Rua” ou o excelente documentário Rubble Kings. Entre os artistas modernos, a plataforma tem muitas opções sobre Notorius BIG, Tupac ou Snoop Dog.
B-boys dançando break no centro de São Paulo, nos anos 80. Agaixado, Nelson Triunfo, um dos ícones do movimento Hip Hop no Brasil
Hoje é o Dia Mundial do Hip Hop. O movimento foi criado em Nova Iorque na década de 70 e agora completa 38 anos. E, no Brasil, ele nunca esteve tão bem.
Entendedores já sabem que a cultura Hip Hop é composta por quatro elementos: o grafite, o break (a dança dos B-boys), o DJ e o MC.
Mas, considerando o Hip Hop simplesmente como gênero musical, é indiscutível o seu crescimento no Brasil nos últimos anos. O estilo se popularizou ainda mais, transbordou as fronteiras da periferia de vez e, felizmente, levou acesso para muito mais gente a artistas tão bacanas que temos por aqui e que sempre mereceram mais valor – como o Criolo, que faz rap há mais de 20 anos e só foi estourar com seu segundo disco, o consagrado “Nó Na Orelha”, de 2011.
O grafite também estourou no mundo todo pra valer de uns dez anos para cá; e artistas brasileiros como Os Gêmeos agora são mega famosos internacionalmente…mas vamos focar na música.
Aposto que não foi coincidência o cantor e rapper Rael ter lançado justo hoje a parte 2 da música e homenagem “O Hip Hop É Foda”:
A música nova conta com a participação de Emicida, Marechal, KL Jay (do Racionais MCs) e Fernandinho Beat Box, além do B-boy Pelezinho e do grafiteiro Does. A canção foi inspirada em “A Bossa Nova É Foda”, do Caetano Velloso. Clique aqui para ver a parte 1, lançada em 2013, que também é muito boa.
DJ Hum e Thaíde
Este ano, temos muitos lançamentos de álbuns inéditos de Hip Hop de qualidade no Brasil. O tradicional grupo RZO voltou e, nas últimas semanas, saiu disco novo do Projota, da Lurdez da Luz e do próprio Criolo. Em dezembro, sai disco novo do Racionais. Os shows, os clipes, a produção e os discos do gênero estão cada vez mais profissionais e hoje já não perdem em nada para os rappers gringos. É, o Hip Hop brasileiro também é foda.
O Strike lançou em agosto seu melhor álbum, Nova Aurora, o terceiro e o que fez a banda voltar ao mainstream com força, principalmente pelo hit Fluxo Perfeito, trilha sonora da eterna novela Malhação, da Rede Globo. A música-tema tem participação de Rodolfo Abrantes, ex-Raimundos, e nenhuma temática religiosa, antes que surja a suspeita. Rodolfo se limita a cantar um verso e apoiar os refrões. Aos 2min46seg, a canção abre espaço para que o vocalista Marcelo Mancini cante 135 palavras em 25s, em um belo de um flow.
Não há como calcular as variações possíveis na levada do rap, mas ouvi-lo cantado bem rápido, com entonação nas sílabas e palavras mais marcantes, dá destaque a qualquer canção. Marcelo, que é fã do estilo e se arrisca no raggamuffin em diversas músicas – e em improvisações durante os shows – preenche esses requisitos na velocidade de 5,4 palavras por segundo. Rápido? Claro, mas de jeito algum o mais rápido de todos. Muitos outros rappers se destacaram pela velocidade do flow.
Twista, rapper americano de Chicago e parceiro das antigas de Kanye West, é alardeado como o mais rápido de todos. A música Mr. Tung Twista, de seu primeiro álbum Runnin’ Off at Da Mouth (1991), é um grande exemplo.
Bone Thungs ‘n Harmony, grupo de Cleveland, também cospe rimas na velocidade da luz em algumas das músicas. O efeito fica ainda melhor porque as cinco vozes (Layzie Bone, Krayzie Bone, Flesh-n-Bones, Bizzy Bone e Wish Bone) se intercalam, completando e enfatizando os versos. Com muitas gírias e palavras incompletas, fica difícil entender alguma coisa na música Flow Motion, do primeiro álbum, Faces of Death (1993).
Vocês certamente já ouviram falar: potência não é nada sem controle. O estilo de Tonedeff, outro americano da lista, radicado em Nova York, se aproxima dessa máxima, já que seu rap vai crescendo até explodir em um turbilhão de palavras, tantas quantas seu ouvido conseguir captar. É assim na música Velocity, que está no álbum Extended F@mm – “Happy Fuck You Songs” (2002). O nome é sugestivo.
Com certeza é mais difícil fazer rap assim – improvisar, então, provavelmente impossível. Mas fica mais bonito e divertido de ouvir, então deu para ter uma noção das influências de Marcelo Mancini, um mineiro que lidera uma banda de hardcore que agora faz sucesso no Brasil inteiro. “Quero ver quem decora o meu flow”, ele desafia na parte mais rápida de Nova Aurora. Quero ver também.
P.S.: Os usuários do Youtube e os blogs de curiosidades adoram vídeos com os termos “mais <alguma coisa> do mundo”, e é assim que facilmente encontramos George Watsky, rapper de São Francisco com três albuns lançados, mas famoso mundialmente por um vídeo no qual rima extremamente rápido em cima da base da música Break Ya Neck, do Busta Rhymes. Como bônus, ele faz caras e bocas. Extremamente divertido.
Em tempos de Criolo e Emicida, com Racionais MCs se apresentando em grande festival (Lollapalooza) -, uma parte considerável do público passa a se interessar mais pelo rap. Nessa levada se destacam Kamau, Rashid, Projota, Rael da Rima e Rincón Sapiência. Um dos grandes representantes do estilo, mas normalmente avesso aos exacerbados holofotes e à grande mídia, agora prepara a volta: Black Alien. Parecia que o ex-vocalista do Planet Hemp jamais gravaria um álbum de novo, mas, ao que parece, a efervescência da cena fez revigorar os impulsos de Gustavo de Almeida Ribeiro. E ele vem com tudo.
Para isso, Black Alien programou um retorno estiloso: com álbum inédito e gravação de DVD. Não há notícia da situação em que anda o projeto, embora em sua página no Facebook o músico tenha postado, no início de junho, a mensagem “O retorno está próximo”. Antes, em fevereiro, ele havia prometido o álbum para abril. Serão 12 faixas, segundo disse em entrevista ao site da MTV, um registro com bastante guitarra e mais rock, “uma biografia do que eu estou passando”, como declarou. As letras não terão ficção, como explicou, ao contrário do que aconteceu em projetos passados.
Desde que deixou o Planet Hemp, em 2001, Black Alien lançou apenas um álbum: o excelente “Babylon By Gus Vol. I: O Ano do Macaco” (2004) – o título faz referência ao disco “Babylon By Bus” (1978), de Bob Marley. A partir daí, o volume dois se tornou uma incógnita, com a produção e lançamento adiados seguidas vezes. No ótimo documentário “L.A.P.A.”, de Caví Borges e Emílio Domingos, que detalha a cena do rap carioca a partir de seu epicentro, o bairro boêmio fluminense de mesmo nome, Black Alien indicava que um novo registro de estúdio demoraria um bocado para sair.
[pullquote_right]”Não me dá prazer compor porque é um parto de cesariana. O filho do King Kong nascendo de cesariana sem anestesia: esse é o nascimento de uma letra”, diz o rapper.[/pullquote_right]
“E depois você tem que gravar, e lidar com cara de gravadora, cara do estúdio e com produtor que é cheio de merda (…) Depois que você grava aquilo, tem que lidar com um monte de gente de gravata, de royalties, de direito autoral, de direito de imagem, de direto conexo, de direto desconexo…”, desabafa Black Alien. A irritação se dava pelo contato necessário com “uma galera que não tem nada a ver com arte”. Gravar pra quê, então? Se faltava estímulo, a morte de Cláudio Márcio de Souza Santos, em 2010, deve ter complicado muito a situação. Speedfreaks, como era conhecido, foi um grande e constante parceiro de Black Alien. Foi encontrado morto em Niterói-RJ. A polícia suspeita que tenha sido confundido por traficantes.
Já estava na hora de Black Alien voltar efetivamente à ativa – ou seja, gravar um álbum novo. Principalmente porque não é de hoje que toda a burocracia de gravadoras e contratos é altamente dispensável, já que se tornar independente e lançar um trabalho por meios alternativos não é uma aventura desbravadora. E pelo jeito, Black Alien vem aí. O que esperar? Um álbum com personalidade. Porque se a obra é mesmo autobiográfica, ele deve ter muita coisa a dizer depois de tanto tempo fazendo participações esporádicas em projetos esporádicos. E até porque sua postura discreta deixa muito pouco a dizer sobre esse ex-skatista que, ao que parece, era bom mesmo no início dos anos 90.
Black Alien rima com muita poesia, gosta de cantar bem ao estilo harmonioso (como em “From Hell do Céu”) e faz citações em inglês, além de referências a livros e filmes; pronuncia as palavras corretamente e não se rende gratuitamente à temática “Vida Loka” – embora, que fique claro, esse não é um ponto a favor, mas uma característica. Se o sucesso virá, é difícil dizer. “Babylon By Gus Vol. I – O Ano do Macaco” foi um álbum que recebeu críticas muito boas, mas pouco pintou na grande mídia. Como o momento ajuda, que seja generoso também com Gustavo de Almeida Ribeiro.
E como esquecer que Black Alien já fez muito sucesso? Fez parte do Planet Hemp e gravou o melhor álbum da banda, “Os Cães Ladram mas a Caravana Não Para” (1997). E alcançou destaque internacional em 2004 com a música “Quem que Caguetou”, produzido com Speedfreaks, usada em um comercial da caminhonete Nissan Frontier e que tocou muito na Europa. Essa música, que foi remixada pelo DJ Fatboy Slim, aparece na trilha sonora de Velozes e Furiosos 5, recentemente lançado. Volta logo, Black Alien.