Até a última ponta?

O Planet Hemp está de volta. Ressurgiu após uma década de hiato com turnê de 12 shows pelo Brasil e pelo menos mais uma apresentação agendada para 2013, no festival Lollapalooza. Isso não quer dizer que as atividades serão definivamente retomadas, e é bem provável que não sejam, já que os principais integrantes têm projetos simultâneos como as carreiras solo de Marcelo D2 e B Negão. Não há planos para gravação de material inédito. Então qual é o sentido deste retorno?

Essa pergunta surge não porque o Planet Hemp foi uma das bandas mais expressivas dos anos 90, mas sim porque ia além, com um engajamento que normalmente não vence os filtros do mainstream, e quando vence – como fez o Dead Fish, por exemplo – não costuma durar. Do sucesso do álbum Usuário (1995), passando pela prisão por apologia às drogas em 1996, ao derradeiro MTV Ao Vivo (2001) e o fim, em 2003, foram oito anos, um período de forte politização que, agora, não sabemos se pode renascer.

Basta buscar, nos arquivos, relatos de 2001, na reta final da banda em sua primeira fase. A Polícia fazia batida em fãs na porta dos shows e impedia a entrada de menores de idade. No palco, o Planet Hemp contestava tudo isso, enquanto defendia a legalização da maconha e falava mais. Em um show no DirecTv Music Hall (atual Citibank Hall), em São Paulo, por exemplo, D2 e BNegão leram um manifesto contra o governo de Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, e mostraram vídeo de massacre da PM contra os Sem-Terra no Paraná.

Antes de gravar o disco ao vivo, Marcelo D2 declarou, diante da então recente saída de Black Alien e do DJ Zé González: “vou continuar falando e falar até mais que antes. Agora, somos só nós que respondemos a nossos atos e ao que dissermos. Não vamos mudar uma vírgula”. Onze anos depois, no anúncio do retorno, em entrevista ao jornal O Dia, o discurso foi: “o Planet fez um trabalho do caralho, ainda bem que a gente voltou para relembrar isso e deixar clara a importância da banda, principalmente para nós mesmos”. O que se vê é um ode merecido a uma carreira de sucesso e, provavelmente, nada além disso.

Para 2012, nenhuma vírgula das músicas polêmicas mudou, e o discurso da maconha continua diluído nas letras de sucessos antigos como “Legalize Já”, “Mantenha o Respeito”, “Contexto” e “Queimando Tudo”. Pés de maconha crescem no telão enquanto a banda toca, e a apresentação começa com um vídeo de Gil Brother falando sobre a necessidade da descriminalização da erva. Mas parece pouco para uma banda com potencial incendiário, capaz de levar adiante a discussão cada vez mais urgente sobre a questão das drogas – principalmente da maconha.

Nos últimos 10 anos, quais foram os avanços legais da luta pela descriminalização no Brasil? Poucos. O último é de agosto de 2006, com a promulgação da Lei nº 11.343, que cria o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e, entre outros efeitos, deixa a legislação mais severa para traficantes e menos para usuários. Mas o momento é propício. O Uruguai lançou projeto de lei para descriminalização, a França e alguns estados americanos cogitam o mesmo. O Brasil viu FHC lançar o documentário “Quebrando Tabus” (2011). E o Planet Hemp? Sequer vai participar do debate?

Independentemente da postura atual, é inegável a contribuição corajosa que o Planet deu à questão. Acontece que, há muitos anos, a banda prometia queimar tudo “até a última ponta”. Os fãs torcem para que ela ainda esteja acesa.

Black Alien se recusou a participar da reunião porque renega o discurso de apologia à maconha, entenda:

 

A volta de Black Alien

 
Em tempos de Criolo e Emicida, com Racionais MCs se apresentando em grande festival (Lollapalooza) -, uma parte considerável do público passa a se interessar mais pelo rap. Nessa levada se destacam Kamau, Rashid, Projota, Rael da Rima e Rincón Sapiência. Um dos grandes representantes do estilo, mas normalmente avesso aos exacerbados holofotes e à grande mídia, agora prepara a volta: Black Alien. Parecia que o ex-vocalista do Planet Hemp jamais gravaria um álbum de novo, mas, ao que parece, a efervescência da cena fez revigorar os impulsos de Gustavo de Almeida Ribeiro. E ele vem com tudo.

Para isso, Black Alien programou um retorno estiloso: com álbum inédito e gravação de DVD. Não há notícia da situação em que anda o projeto, embora em sua página no Facebook o músico tenha postado, no início de junho, a mensagem “O retorno está próximo”. Antes, em fevereiro, ele havia prometido o álbum para abril. Serão 12 faixas, segundo disse em entrevista ao site da MTV, um registro com bastante guitarra e mais rock, “uma biografia do que eu estou passando”, como declarou. As letras não terão ficção, como explicou, ao contrário do que aconteceu em projetos passados.

Desde que deixou o Planet Hemp, em 2001, Black Alien lançou apenas um álbum: o excelente “Babylon By Gus Vol. I: O Ano do Macaco” (2004) – o título faz referência ao disco “Babylon By Bus” (1978), de Bob Marley. A partir daí, o volume dois se tornou uma incógnita, com a produção e lançamento adiados seguidas vezes. No ótimo documentário “L.A.P.A.”, de Caví Borges e Emílio Domingos, que detalha a cena do rap carioca a partir de seu epicentro, o bairro boêmio fluminense de mesmo nome, Black Alien indicava que um novo registro de estúdio demoraria um bocado para sair.

[pullquote_right]”Não me dá prazer compor porque é um parto de cesariana. O filho do King Kong nascendo de cesariana sem anestesia: esse é o nascimento de uma letra”, diz o rapper.[/pullquote_right]

“E depois você tem que gravar, e lidar com cara de gravadora, cara do estúdio e com produtor que é cheio de merda (…) Depois que você grava aquilo, tem que lidar com um monte de gente de gravata, de royalties, de direito autoral, de direito de imagem, de direto conexo, de direto desconexo…”, desabafa Black Alien. A irritação se dava pelo contato necessário com “uma galera que não tem nada a ver com arte”. Gravar pra quê, então? Se faltava estímulo, a morte de Cláudio Márcio de Souza Santos, em 2010, deve ter complicado muito a situação. Speedfreaks, como era conhecido, foi um grande e constante parceiro de Black Alien. Foi encontrado morto em Niterói-RJ. A polícia suspeita que tenha sido confundido por traficantes.

Já estava na hora de Black Alien voltar efetivamente à ativa – ou seja, gravar um álbum novo. Principalmente porque não é de hoje que toda a burocracia de gravadoras e contratos é altamente dispensável, já que se tornar independente e lançar um trabalho por meios alternativos não é uma aventura desbravadora. E pelo jeito, Black Alien vem aí. O que esperar? Um álbum com personalidade. Porque se a obra é mesmo autobiográfica, ele deve ter muita coisa a dizer depois de tanto tempo fazendo participações esporádicas em projetos esporádicos. E até porque sua postura discreta deixa muito pouco a dizer sobre esse ex-skatista que, ao que parece, era bom mesmo no início dos anos 90.

Black Alien rima com muita poesia, gosta de cantar bem ao estilo harmonioso (como em “From Hell do Céu”) e faz citações em inglês, além de referências a livros e filmes; pronuncia as palavras corretamente e não se rende gratuitamente à temática “Vida Loka” – embora, que fique claro, esse não é um ponto a favor, mas uma característica. Se o sucesso virá, é difícil dizer. “Babylon By Gus Vol. I – O Ano do Macaco” foi um álbum que recebeu críticas muito boas, mas pouco pintou na grande mídia. Como o momento ajuda, que seja generoso também com Gustavo de Almeida Ribeiro.

E como esquecer que Black Alien já fez muito sucesso? Fez parte do Planet Hemp e gravou o melhor álbum da banda, “Os Cães Ladram mas a Caravana Não Para” (1997). E alcançou destaque internacional em 2004 com a música “Quem que Caguetou”, produzido com Speedfreaks, usada em um comercial da caminhonete Nissan Frontier e que tocou muito na Europa. Essa música, que foi remixada pelo DJ Fatboy Slim, aparece na trilha sonora de Velozes e Furiosos 5, recentemente lançado. Volta logo, Black Alien.


 
 
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