Fórmula musical: Nirvana

Craig Montogmery, engenheiro de som do Nirvana, ouviu o álbum Nevermind pela primeira vez em uma van. Estava então viajando com a banda para oito apresentações na costa oeste do Estados Unidos, onde as novas músicas seriam testadas. Quando ouviu a introdução arrematadora de “Smells Like Teen Spirit” e depois a queda abrupta que prepara o verso, comentou: “nossa… Pixies”. “Você acha que está muito parecido com o som do Pixies?”, perguntou Kurt Cobain. “Não, a música parte de lá”, respondeu Craig. Ele havia acabado de identificar a fórmula música da banda-simbolo do movimento grunge.

Pixies e Sonic Youth, mais precisamente, são as grandes influências quanto à forma como o Nirvana desenvolveu suas músicas. No documentário Back and Forth, que conta a história do Foo Fighters, Dave Grohl cita Cobain como um compositor extremamente simples e direto, e o estilo dessas duas bandas ajudou-o a fazer de suas canções algo mais pesado, como gostaria. Antes da gravação de Nevermind, Kurt deu apenas uma indicação ao produtor Butch Vig: “quero que esse álbum seja pesado”. E assim foi, alternando com passagens realmente tranquilas como em “Teen Spirit”.

A influência do Pixies no Nirvana é citada em diversos momentos da biografia de Dave Grohl, This is a Call, escrita por Paul Brannigan – inclusive o episódio que introduz esse texto. Mais do que isso, ela é absolutamente proposital. Antes do Nevermind, a banda ensaiava em Tacoma, cidade próxima a Washington. “Na época, estávamos experimentando a dinâmica, os versos calmos/refrão alto. Muito disso pegamos do Pixies e do Sonic Youth”, cita Dave Grohl. Foi assim que foi moldado o melhor período da banda.

Com Black Francis, Joey Santiago, Kim Deal e Dave Lovering, o Pixies foi formado em 1986 e fez muito sucesso especialmente no Reino Unido. As letras são enigmáticas e frequentemente baseadas em temas pesados como violência, religião e incesto. As músicas têm certo peso sem perder a forte melodia, uma das características do Nirvana – “Where’s my mind”, “Bone machine” e “Dig it for fire” são bons exemplos. A pedido da revista Melody Maker em 1992, Kurt Cobain elencou 10 discos que haviam mudado sua vida. Surfer Rosa (1988), do Pixies, foi colocado em segundo lugar (por curiosidade: o primeiro foi Pod, do The Breeders).

Por divergência entre os músicos, a banda acabou em 1993, retomando a formação em 2004. Em 1991, quando foi gravado o Nevermind, o Pixies já havia lançado quatro álbuns, incluindo Doolitle (1989), o de maior sucesso. Além de em “Smells Like Teen Spirit”, a fórmula musical aparece em outras canções como “In Bloom”, “Lithium”, “Drain You” e “Stay Away”. Ela é ainda mais evidente em “You Know You’re Right”, lançada em 2004. No entanto, se tornou cansativa conforme os anos passavam e o Nirvana se tornava cada vez mais refém de seu sucesso mundial.

“Krist, Dave e eu temos trabalhado com uma fórmula – essa coisa de passar do silencioso para o barulho – há tanto tempo que está, literalmente, ficando chato para nós. É como se disséssemos: ‘certo, temos esse riff. Vou tocar baixinho, sem uma caixa de distorção enquanto canto o verso. E agora vamos ligar a caixa de distorção e bater nos tambores com mais força'”, afirmou Cobain, em 1994, à revista Rolling Stone. Meses depois, em 5 de abril, ele se matou com um tiro de espingarda na garagem de sua casa em Seattle. Quase 20 anos depois, a fórmula musical continua fazendo perfeito sentido para os fãs.

Os momentos mais tensos de João Gordo

João Gordo é o vocalista do Ratos de Porão, banda “desde 1981 traindo o pseudo-movimento de alguns idiotas”, como ela mesma se define. Por quase 20 anos, Gordo viveu o auge de porra-louquice na trinca sexo-drogas-rock ‘n roll, exageros que lhe renderam, em 2000, um derrame pleural e 22 dias internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). João Gordo teve momentos tensos. Alguns deles são dignos de notas. O Não Toco Raul lista abaixo.

Os abusos de João Gordo – e dos membros e ex-membros do Ratos de Porão, no geral – são parte importante da história da banda, com diferentes consequências. Por isso, ao contrário de outros artistas, eles na maioria das vezes não escondem o que ocorreu. Boa parte está no documentário Guidable – A verdadeira história do Ratos de Porão, de Fernando Rick e Marcelo Appezato, lançado em 2010. Gordo aparece em filmagens caseiras fumando maconha e na presença de quilos – literalmente – de cocaína.

Apesar de toda a loucura, Gordo aparenta conservar uma memória incrível, relembrando datas e episódios engraçados não necessariamente relacionados a atos ilícitos com grande precisão. Como banda de grande reputação no cenário underground brasileiro, carreira sólida na Europa e totalmente fora do mainstream, o Ratos de Porão tem muita história para contar. João Gordo, o mais desregrado e intenso, ainda mais.

Produção de Crack

Rock, drogas e sexo. Nessa ordem, primeiro porque, nas palavras de João Gordo, “o movimento punk me entortou a vida de um jeito…”. Foi gravando o primeiro álbum do Ratos de Porão, Crucificados pelo Sistema (1984), que ele cheirou cocaína pela primeira vez, e a partir daí a loucura só aumentou. O sexo quase não aparece na biografia da banda.

Maconha, extasy, cocaína, heroína, speedy, LSD, Gordo experimentou de tudo, até crack. Em 1990, durante uma turnê europeia, aprendeu com uma amiga italiana a fazer a pedra. De volta ao Brasil, a banda entrou em hiato porque Boka, que havia acabado de substituir o ex-baterista Spaghetti, machucou o pé andando de skate. Antes do crack se popularizar no País, os membros do Ratos de Porão já tinham o know-how da produção: faziam a pedra e fumavam. O período viciou alguns membros da banda e causou a expulsão do baixista Jabá. TENSO!

Caganeira

print gordo cagaoClique para ampliar

João Gordo já cagou na calça durante um show. Sem grandes especificações, contou o feito no Twitter e quase se comparou a GG Allin. Este sim era um fenômeno dos momentos de tensão. Tocou em mais de uma dezena de bandas e tem significativo trabalho solo, principalmente no punk rock, mas ficou conhecido por não ter limites em suas atitudes altamente impressionáveis. Já fez coisas como se cortar com cacos de vidro, inserir o microfone no ânus, defecar no palco, passar os excrementos no rosto e atirá-los na plateia, entre outras coisas. Imbatível.

João Gordo tem mais de uma história com caganeira. Certa vez durante as gravações da programação de verão da MTV sentiu uma forte dor de barriga na praia. Correu para um banheiro público, mas notou que a porta não tinha tranca. Mais do que isso: o espaço era grande demais para sentar no vaso e segurar a porta fechada. Para não ser pego de calças arriadas, preferiu segurar a porta e cagar no chão. Gordo se limpou com as mãos e saiu correndo para se lavar no mar. Antes, ainda teve que desviar de Falcão, o “Rei do Brega”. A história foi contada em um dos especiais de bastidores da própria MTV. TENSO!!

Balada com Kurt Cobain (pré-requisito: ver o vídeo neste link)


No especial “Contos do Rock” do canal Multishow, Gordo conta a história de uma forma que leva a crer que é o responsável pelo show do Nirvana no Hollywood Rock de 1993 ter sido um dos piores da banda. Ele manifestou essa opinião mais de uma vez antes. Para os céticos: as versões de Gordo em diferentes entrevistas não contrasta, e há testemunhas que comprovam toda a história nos mais diversos documentários e reportagens feitos sobre o Nirvana na última década.

Há ainda outras histórias que não estão descritas no vídeo acima. Depois do show, por exemplo, Gordo entrou no carro com Kurt, Courtney Love, Flea (baixista do Red Hot Chilli Peppers) e outros e os levou à Der Temple, balada na Rua Augusta. No caminho, Courtney Love pediu para parar o carro para ver um dos travestis da região. Maravilhada, deu 300 dólares ao transexual. João Gordo foi para a balada com um dos mais auto-destrutivos rockstars do século. TENSO!!!

Fome e frio na Europa

O Ratos de Porão tem carreira sólida na Europa, chegando ao ponto de gravar versões de alguns álbuns em inglês. Em uma das turnês internacionais, tiveram uma ideia descrita ironicamente como “brilhante”: viajar de trem. As viagens eram sempre com orçamento reduzido, e a estadia passava por squats – prédios e galpões ocupados por movimentos políticos/sociais. Em um deles, na Itália, Gordo chegou a ser expulso do quarto porque roncava alto demais. Foi viajando de trem que ele passou frio e fome.

Em uma viagem da Itália para a Holanda, onde fariam um show, a banda foi parada na França. O país fazia parte do itinerário do trem, mas os brasileiros não tinham visto para passar por território francês. Foram obrigados a descer e, enquanto tentavam explicar a situação, o trem simplesmente foi embora. Para a sorte deles, uma amiga que estava na viagem e tinha passaporte italiano cuidou de todas as malas e instrumentos. A salvação veio com o baixista Jabá, que tinha dinheiro guardado. Compraram as passagens e com o resto comeram pão. Sem bagagem, pegaram mais 18 horas de viagem até Amsterdã. TENSO!!!

Derrame Pleural

“Em 2000 eu estava doidão”, conta Gordo no documentário “Guidable”. O vocalista usava heroína, fumava quase três maços de cigarro por dia, passou um mês “cagando sangue”, sofria com uma apinéia e, para completar, estava com uma costela quebrada. O osso furou uma membrana que envolve o pulmão chamada pleura enquanto João Gordo estava na van da banda, saindo da MTV para ir para casa. Seu pulmão se encheu de sangue e água, e ele precisou ser internado às pressas. Chegou à UTI com 210 kg e saiu, 25 dias depois, com cerca de 180 kg.

Esse não seria o último episódio em que Gordo colocaria sua vida em risco. Mesmo recuperado, voltou a fumar e a usar drogas. Em dezembro do mesmo ano, por exemplo, voltou à UTI com overdose de speedyball, uma mistura de cocaína e heroína. Gordo usa esses episódios como extremos do estilo de vida que já não leva mais. Fez cirurgia de redução de estômago e parou de comer carne. Agora define cigarro como “pirulito de câncer”. O relatório médico da primeira internação aparece no final da música “Obesidade Mórbida Constitucional“, do álbum Guerra Civil Canibal (2000). O primeiro verso dela é: “Atentado contra a vida/Suicídio, punição”. TENSO!!!!!

A maioridade de “Nevermind”

 
É muito irônico que um dos discos mais importantes da história se chame “Não Importa“. Pois hoje o álbum “Nevermind“, maior sucesso do Nirvana, completa 21 anos de lançamento. E chega à maioridade sendo considerado como um clássico absoluto, divisor de águas. O disco que levou a música alternativa e independente pra televisão. Que fez jovens roqueiros mulambentos, os esquisitões da escola, de repente se tornarem os mais descolados. Que fez camisa xadrez e jeans rasgado virarem moda. Que beleza, minha gente!

Chegar aos 21 anos significa que você pode beber legalmente em qualquer país do mundo, entrar em todos os cassinos e clubes noturnos que existem. Significa que você pode festejar bebendo seus bons drink nos EUA sem ninguém te encher o saco. Significa virar adulto de vez. E, para um disco, chegar aos 21 anos e ainda se manter atual, original, interessante e atraente para os jovens de duas gerações depois não é pouca coisa. Por isso é tão irônico que “o” Nevermind se chame justamente “nevermind”. Assim como é irônico que o maior sucesso de Kurt Cobain e cia. tenha significado ao mesmo tempo o auge e a decadência do Nirvana e de seu líder – e que os mais chatonildos de plantão reclamem pro resto da vida que a música alternativa jamais deveria ser apreciada pelas massas. Fato é que, depois daquele fatídico dia 24 de setembro de 1991, o Nirvana e o rock nunca mais seriam os mesmos (assim como as rádios, a moda, a juventude e a MTV).

Apesar de o som do Nirvana não ter rendido boas expectativas comerciais, “Nevermind” ganhou disco de diamante nos EUA, vendendo mais de 11 milhões e meio de cópias só em seu país de origem. No mundo todo, foram mais de 30 milhões. Aparece em um monte de listas dos melhores discos de todos os tempos, incluindo o ranking da revista Rolling Stone e o Rock’n’Roll Hall of Fame. A música mais famosa do Nirvana, “Smells Like Teen Spirit“, foi o primeiro single desse disco e estourou bonito no mundo todo, principalmente no começinho de 1992. O sucesso foi tanto que essa canção desbancou ninguém menos que Michael Jackson (que na época estava no auge) do primeiro lugar no ranking da Billboard.

[pullquote_right]Depois daquele fatídico dia 24 de setembro de 1991, o Nirvana e o rock nunca mais seriam os mesmos (assim como as rádios, a moda, a juventude e a MTV).[/pullquote_right]

Isso sim foi um tremendo tapa na cara da sociedade, já que nem a própria gravadora do Nirvana acreditava no potencial da coisa. A Geffen Records achava que, se tudo desse muito certo, o máximo que Nevermind ia conseguir vender seriam umas 250 mil cópias, assim como o sexto disco do Sonic Youth, “Goo”, que eles tinham lançado em 1990 (e que tem a pérola “Kool Thing”). Aliás, foi por causa da Kim Gordon, baixista, vocalista e musa do Sonic Youth, que o Nirvana assinou com essa gravadora. E o “Goo” foi o primeiro disco do Sonic Youth lançado por uma grande gravadora, depois de cinco álbuns mais independentes ou de pequenos selos.

“Nevermind” ainda tem muitos outros hits, como “Come As You Are”, que até o Caetano Veloso regravou, “Lithium” e “In Bloom” – sem contar as músicas que marcaram o rock e o estilo grunge como verdadeiros clássicos, do tipo que todo moleque espinhento de 14 anos aprende nas aulinhas de violão e guitarra até hoje: “Drain You”, “Territorial Pissings”, “Polly”…e já foi quase o disco inteiro! Olha só:

Contracapa do Nevermind e setlist do álbum. Além das 12 faixas listadas, algumas cópias ainda
contavam com a faixa escondida “Endless Nameless” no fim do disco

Essa pérola foi gravada em Los Angeles, no Sound City Studios; e produzida pelo mito Butch Vig, o cara que inventou a banda Garbage, da qual era baterista; além de ter muita culpa no cartório pela qualidade e sucesso do Nevermind, além de ter produzido outros discos excelentes de outras bandas muito boas, como Subways, Smashing Pumpkins, L7, Sonic Youth, Helmet, Green Day, Muse e Foo Fighters (ele que produziu o último disco deles, “Wasting Light”, que trouxe a banda de volta pro sucesso – e é a melhor coisa que a banda fez em anos).

Spencer com dez anos, recriando a capa pela primeira vez

Até a capa do Nevermind foi um sucesso e uma ironia. O bebê mergulhando na piscina atrás de um anzol com uma nota de um dólar como isca criticava a sociedade consumista que, logo depois, foi responsável pelo sucesso do Nirvana no mundo todo – e por ter deixado Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl milionários e famosos da noite pro dia. Na época, Dave Grohl ainda era novo na banda e só tinha 22 anos! Imagina o que foi para eles três virarem celebridades ricas em tão pouco tempo. O bebê da capa, aliás, é o Spencer Elden. Na época da capa, ele tinha 4 meses e sua família fez a foto de graça. Pelo menos, alguns anos depois, o próprio Kurt Cobain presenteou o garoto com um dos discos de platina conquistados pelo Nevermind. Hoje, o Spencer tem curiosamente 21 anos – assim como o disco – e deve se sentir um pouco constrangido por mais de 30 milhões de pessoas terem uma foto sua pelado e terem visto as suas “partes”. Em 2001 e em 2008 ele refez a pose da foto clássica da capa, mas usando um calção de banho.

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Something in the way, a origem

Nessa seção, trataremos de composições simples que possuem grandes histórias, e outras que são uma completa viagem, parecem ter tanto significado e na verdade nada significam.

Para Butch Vig, ex-produtor do Nirvana, “Something in the Way” foi a música mais difícil de ser gravada do Nevermind, álbum clássico que catapultou o Nirvana para o sucesso sem volta em 1991. Trata-se da faixa mais sensível do disco, um triste sussurrar de Kurt Cobain com uma letra um tanto quanto perturbada e um só mantra: “Algo no caminho. Hmmmm. Yeah. Algo no caminho”.