Raimundos: acabou a nostalgia

Raimundos, aquela banda foda com som pesado, letras de duplo sentido e divertidas, influência nordestina e um jeito ímpar de falar sobre questões sociais – essa banda está mais viva do que nunca. Ela lançou álbum novo, Cantigas de Roda (2014), com 12 músicas para acabar de vez com a tristeza e a nostalgia que a perseguem desde 2001, quando o grupo se desmembrou no auge do sucesso, com saída do vocalista Rodolfo Abrantes, convertido em evangélico.

A questão aqui não é o ex-vocalista. Afinal de contas, já fazem 13 anos que ele deixou a banda – são dez anos sem sequer sua sombra no mainstream, desde o fim do Rodox. Aquele Rodolfo nem existe mais (o NTR falou sobre isso aqui). Ele recusou, por exemplo, participar do álbum acústico do CPM 22 porque a igreja “não permite“. O Raimundos com ele não é, há muito tempo, uma opção. Sem ele, agora voa com as próprias asas.

montagemraimundosNão que a boa fase da banda seja novidade, com a formação incluindo o baterista Caio e o guitarrista Marquim consolidada. Em 2010, vi a banda tocar na Virada Cultural em São Paulo surpreendida e instável diante do mar de gente que se reuniu na Avenida São João. Meses depois, em festas de faculdade já se mostrava cada vez melhor. Voltou aos grandes festivais – em 2011 tocou no SWU, em 2012 voltou ao Planeta Atlântida, em 2013 fez o Circuito Banco do Brasil e 2014 reserva a ela o Lollapalooza, entre outros. Do Rio de Janeiro a Fortaleza a Goiânia e Curitiba, toca no Brasil inteiro.

Seu público não guarda mágoas, o que ficou provado com o sucesso da arrecadação da campanha de crowdfunding para a produção do disco novo. O objetivo inicial era chegar a R$ 55 mil. O resultado final, mais de R$ 120 mil – mais que o dobro, portanto. E esse sequer é o primeiro trabalho pós-Rodolfo: lançaram o Kavookavala em 2002, além do DVD Roda Viva (2010) e singles esporádicos como Jaws (2011). Todos esses aspectos contribuíram para quem a banda chegasse ao Cantigas de Roda em alta. A expectativa em torno desse álbum não poderia ser falsa.

Com dinheiro em mãos, o Raimundos gravou sem precisar se restringir, com produção de Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, em seu estúdio em Los Angeles (Estados Unidos), e participação especial de Sen Dog, do Cypress Hill, entre outras.

raimundos-cantigas-de-rodaA primeira música é representativa em relação ao disco. Cachorrinha é um hardcore em que a porrada come solta com vocal cantado na velocidade da luz no melhor estilo Lapadas do Povo. Isso nunca vai tocar nas rádios. Quando Digão dizia, nos últimos meses, “vocês podem esperar tudo dessa banda, menos ela amansar”, não mentiu. É claro que há músicas com potencial radiofônico (Baculejo e Cera Quente, por exemplo), mas, em suma, o que se ouve é um passeio por todas as fases da banda – incluindo as baladinhas já citadas.

Tem reggae com arranjo de metais (Dubmundos), letras divertidas e sacanas (Importada do Interior e Gordelícia), contestação social (Politics) e o forró-core, com Gato da Rosinha, música de Zenílton, o compositor de tantas outras versões eternizadas pelo Raimundos, como Pão da Minha Prima e Tá Querendo Desquitar. Tem “piada interna” interna também. Em BOP, Digão pede “chame o José Pereira“, nome de Canisso. Em Nó Suíno, canta “vacilou os dente voa, mas o Caio bota cola“: baterista, Caio é também dentista em Brasília.

Cantigas de Roda é o álbum mais Raimundos desde que as pessoas passaram a se perguntar “isso ainda é Raimundos?”. Em BOP, Digão avisa: “enquanto os doido pedir, vamo continuar“. Em Politics, que fecha o disco, grita: “isso é Raimundos, caralho! Muito respeito!“. Não dá para ignorar: acabou a nostalgia.

Bônus: versão original de O Pão da Minha Prima, do disco O Cachimbo da Mulher (1981), nome de outro sucesso do forró que foi hardcorizado pelo Raimundos

Cinco motivos para Rodolfo Abrantes voltar para o Raimundos – e um para não voltar

A saga de “Puteiro em João Pessoa”, o sufoco de “Eu Quero Ver o Oco”, a sujeira de “Andar na Pedra” e os arrotos de “Só no Forevis” – junto com a poesia de “Mulher de Fases” – arrebataram a geração roqueira dos anos 90, uma molecada que se inspirava pela atitude dos caras que cantavam rápido em português, falando besteira, usando dread lock e assumindo o lado louco.

Toda banda muda, no entanto – essa é uma verdade necessária para a evolução dos músicos. Então, é de se pensar: não seria legal ver Rodolfo Abrantes voltar ao Raimundos, mesmo que sem saga, sufoco, sujeira e arrotos – quem sabe pelo menos poesia – de antes? Vamos lá, já se passaram onze anos desde que ele deixou o grupo, em 2001. Será que vale?

1. Reconciliação

Faz parte da fé cristã perdoar e ser perdoado, e eu duvido que seja diferente na Bola de Neve Church, Igreja protestante neopentecostal à qual Rodolfo Abrantes é ligado. Não há dúvida de que existe mágoa entre ele e os atuais integrantes do Raimundos, apesar de terem postado foto juntos recentemente, em encontro em um aeroporto. Está na hora de exercitar um dos maiores dons que Deus deu ao homem: perdoar. Não acham? Grandes amigos desde sempre, Rodolfo, Canisso, Fred e Digão merecem um final feliz.

2. Repertório

A temática de loucura, das drogas, da porra-louquice e da sexualização que ajudou o Raimundos poderia servir de empecilho para a volta do convertido Rodolfo Abrantes. Mas a banda tem muitas músicas que vão além da putaria e da sacanagem. Com a volta do vocalista, o grupo poderia enveredar pela temática social e política. “Baile Funky”, “Deixa eu Falar” e até “Reggae do Manêro” são canções assim. E, pô, falar palavrão não é pecado.

3. Fãs

Eles continuam malucos, seja no festival SWU ou nas festas universitárias da USP. E aposto que seguem carinhosos, à espera dessa reconciliação e do retorno daquela banda que marcou a adolescência. Quando o Raimundos surgiu, no início da década de 1990, não havia banda de rock no Brasil com tamanha identidade – misturando baião e rock, com letras gritadas à velocidade da luz e riffs poderosos. Ah, como os fãs sentem saudades dessa banda…

4. Lema e História

Está na música “Marujo”, gravada no primeiro álbum, Raimundos (1994) , uma frase que tem sido usada como lema da banda por fãs e até pelos músicos: “é por isso que o Raimundos nunca vai se acabar”.  Digão continua exaltando essa espécie de promessa como vocalista, mas não vejo motivo para Rodolfo Abrantes não se lembrar do verso também. Essa frase honra a história da banda. Seria legal Rodolfo fazer isso também.

5. Mercado

Não tenho dúvida de que haveria muito interesse na volta de Rodolfo ao Raimundos – interesse de mercado, mais especificamente, ainda que isso esteja muito aquém do que qualquer membro ou ex-membro da banda já tenha comentado. Com certeza, eles ganhariam muito dinheiro. Mas há também o fator do desafio – refazer uma das maiores bandas da história do rock brasileiro – e da relevância disso para a carreira de cada um. Vale a pena ou não vale?

Mas…

Rodolfo morreu

“O Rodolfo do Raimundos morreu”, disse Abrantes, em declaração à revista Rolling Stone em outubro de 2011. A entrevista também tem frases como “não voltaria por valor algum” e “parecia que eu era aquilo (“Rodolfo do Raimundos”). Só que eu não era aquilo. Tinha me tornado aquilo”. Oras, então a questão está resolvida. Não volte Rodolfo, ou quem quer que seja agora.