É bem difícil estabelecer o que é um cover de For Once In My Life. A música foi composta por Orlando Murden e Ron Miller, gravada inicialmente em 1966 pela Motown Records, histórica gravadora que marcou a Soul Music. Depois, passou a ser interpretada por gigantes como Diana Ross, The Temptations e Tony Bennett, o responsável por popularizá-la, em 1967. Sua primeira versão era extremamente lenta, uma baladinha reconfortante.
Então veio Stevie Wonder, que mudou o andamento, transformou a música em algo pra cima, alegre, assim como a letra sugere. For Once In My Life é o relato de alguém realizado por ter finalmente encontrado um amor que vale a pena. Virou sucesso mundial, um clássico. Não é preciso dizer que foi reproduzida inúmeras vezes. Entre elas, encontramos alguns Cool Covers.
Acima, você vê a versão de Anthony Strong, um inglês que, além de exímio pianista, é também compositor, com estilo mais voltado ao jazz. Ele novamente diminui o andamento da música, mas dá mais swingue a ela, deixa-a mais insinuante. O solo de piano é algo que – acredite – vale conferir também.
Outra versão interessante é a da americana Dara Maclean, uma texana cristã que se apresenta desde os 13 anos e evita contradizer sua fé nas canções que escolhe. Na voz da cantora, dá pra sentir o regozijo que a letra da música sugere: “FINALMENTE encontrei alguém!“. Mais interessante ainda do que ela é o backing vocal, chamado Jason Eskridge, dono de uma linda voz muito parecida com a de Stevie Wonder. Ele, que tem carreira solo, arrebenta no segundo verso.
Para efeitos de comparação, aqui está a versão de Stevie Wonder.
E aqui, como ela primeiro fez sucesso, na voz (e classe) de Tony Bennett
Final de 1999, passagem para os anos 2000. Não é um reveillon qualquer, é o Terceiro Milênio começando. Entre previsões catastróficas e o medo de um bug mundial, Josh Homme encara três dias de festa no deserto californiano, regados a muitas drogas. Na volta, dirige seu carro ainda sob efeito, repetindo como um mantra tudo que havia usado nos dias anteriores. “nicotina, valium, vicodin, maconha, ecstasy e álcool. Cocaína“. Essa, basicamente, é a origem de Feel Good Hit Of The Summer, sucesso da banda Queens of the Stone Age.
A música foi lançada no álbum Rated R (2000), inicialmente composta como espécie de vinheta para entrar como última faixa num tom de brincadeira. Chamou tanto a atenção, no entanto, que a banda desenvolveu-a e passou-a para abrir o disco. São exatamente essas sete palavras: nicotine, valium, vicodin, marijuana, ecstasy and alcohol. A sétima e última delas tem uma entonação bem característica: “c-c-c-c-cocaine“. O nome, algo como hit do verão para se sentir bem, deixa-a ainda mais provocativa.
Feel Good Hit Of The Summer deixou o Queens of the Stone Age com uma aura ainda mais cool na cena americana e mundial. A banda expoente do Stoner Rock, gênero de difícil definição mas que tem essa porra-louquice como uma das marcas originais, acabou popularizada por essa noite de loucura de seu vocalista e principal compositor. Rádios se recusaram a tocá-la. Com seu ritmo intenso e fixo até a explosão do refrão, virou de fato um hit nos shows pelo mundo todo. Bandas como Placebo, Foo Fighters, Papa Roach e Machine Head incluíram-na como música incidental em seu setslists.
Obviamente, surgiu a polêmica. Em entrevistas, Josh Hommes declarou que “não há apologia” na letra, definiu-a como “um experimento social” e manteve-se ambíguo sobre a mensagem passada: “ela não diz sim nem não“. Cantada primordialmente por Homme, o refrão final tem participação de diversas vozes, incluindo a de Rob Halford, vocalista do Judas Priest, que estava trabalhando em um estúdio próximo em Los Angeles e aceitou o convite do QOTSA para colaborar.
Em novembro de 2007, o Queens foi chamado para fazer um pocket-show de seis músicas em uma clínica de reabilitação para usuários de drogas em Los Angeles, uma apresentação intimista que serviria para alardear a causa e incentivar os internos (supostamente). A banda teve a coragem de abrir justamente com Feel Good Hit Of The Summer, o que criou grande tumulto: funcionários desligaram os equipamentos logo que a música começou, e eles tiveram de deixar o local sob escolta policial.
Por fim, a música ainda entra na discussão sobre a existência do Stoner Rock como estilo, algo que Homme, talvez por ser seu maior expoente, renega. Perguntando se ela seria o hit dessa vertente do rock, ele explicou: “talvez, ou talvez seja uma faca no pescoço do Stoner Rock. É difícil dizer, e eu acho que essa é a parte boa disso. Olhe, você vai ser sempre rotulado com algo. Stoner Rock é um rótulo tosco, e é por isso que eu não gravito ao redor dele”. É como se ele finalmente fizesse uma canção que representasse o estilo, e ela é assim: cheia de drogas e nada mais. É isso que é o Stoner Rock?
Em seu último show no Brasil, em 25 de setembro, o Queens of the Stone Age tocou Feel Good Hit of The Summer. Ela foi a 9ª música do setlist. Antes, tocaram canções de quatro álbuns, sucessos como No One Knows e candidatas a hinos do novo disco, como I Sat By The Ocean. Quando deu uma pausa, Josh Homme perguntou ao público: “Do you feel good tonight, São Paulo?”. Ouviu gritos positivos como resposta. Então, provocou com uma expressão zombeteira: “I mean… do you feel good?“. Começaram as palmas, os pulos, o mantra.
PS. Performance bem atual da música, no Reading Festival de 2014, na Inglaterra
Pink cantou Slut Like You ao vivo pela primeira vez em uma apresentação em Los Angeles, em setembro de 2012. Antes de executá-la, avisou: “essa é a minha forma nem um pouco sofisticada de, como feminista, tomar o poder. E acreditem, não é nem um pouco sofisticada“. Essa é a origem da música: um desejo feminista não de subjugar o sexo oposto (apesar dessa coisa de “tomar o poder”), mas de igualdade. Fosse no Brasil, viria acompanhada de qualquer hashtag do tipo #somostodosvadias. É um recado bem direto.
Isso fica bem claro pela forma como ela abre a música. “I’m not a slut, I just love love” (“não sou uma puta, eu apenas amo o amor”). Esse é o mote, e desde o princípio ela deixa bem claro que não tem muita paciência para quem não aceita essa postura. Pink descomplica totalmente o sexo casual: se ela quiser só uma transa, então vai ter uma transa apenas. É tão assim que ela faz pensar: puta sou eu, a mulher, ou você, espertão?
A cantora subverte essa lógica no segundo verso, quando diz que está sentada com as amigas escolhendo com quem vai transar – e os garotos estão loucos por isso. Faz isso principalmente quando diz, já a um rapaz, “you think you call the shots“, um verso ambíguo porque significa “você acha que é quem toma as decisões”, embora shots faça referência também a dose de bebida – por tradição, os homens pagam as bebidas das mulheres, mas não é isso que vai acontecer. Pink usa um tom tipo “bebe aí, sua carona já foi embora e a coisa vai ficar interessante…”
O verso “You’re just my little friend” que ela tanto repete na música é extremamente irônico: você é apenas meu amiguinho significa que nada, além do sexo, importa. Sem necessariamente sentimento. E quando ela canta isso, entra o refrão, com referências diretas a essa noite de sexo casual. Com berros e vocalizações onomatopéicas, ela “arranca um pedaço de você”, diz que só queria mesmo um “bobinho” para transar e ainda te conta um segredo: “eu sou uma puta como você”.
Na ponte depois do segundo refrão, ela reforça o tom feminista ao dizer “você não ganha um prêmio por esses olhos arregalados. Eu não sou pipoca com caramelo (“cracker jack, no original, uma marca de pipoca, um doce, algo manipulável). Você não pode entrar a menos que eu deixe”. E é de novo irônica, com a pergunta “qual é o seu nome mesmo?” e o aviso: “a conta, por favor“.
Slut Like You não soa como uma lição de moral chata porque a música é muito boa: tem um riff chamativo, é agitada e explode no refrão – dá até para relacionar com uma boa noite de sexo mesmo. É o lado da Pink que muita gente gosta: mais Get This Party Started e menos Just Give Me A Reason. Acima de tudo, é um recado. E a origem dele é essa.
Gorilla é uma música sobre sexo – muito sexo. Extremamente sensual, é a promessa de uma noite insana cantada por Bruno Mars no álbum Unorthodox Jukebox (2012), o terceiro do músico havaiano. Ela virou single e ganhou muitos covers pelo youtube. Joselyn Rivera, só com voz e violão, consegue fazer talvez o mais interessante deles, mantendo o peso dessa música tão sensual.
Nem todo mundo sabe disso, no entanto. O vídeo tem pouco mais de 33 mil visualizações, enquanto que o canal da cantora americana tem apenas 5 mil inscritos. Joselyn é um prodígio que ainda não embalou. Aos 14 anos, assinou contrato para trabalhar com Emilio Stefan, produtor com 19 Grammys no currículo e marido da cantora cubana Gloria Stefan. Não rendeu.
Aos 17, integrou o time de Adam Levigne, do Maroon 5, no reality show The Voice, mas caiu na primeira semana de apresentações ao vivo. Como era menor de idade, precisou ser acompanhada pela mãe, que largou tudo em Pembroke Pines, na Califórnia, para acompanhá-la em Los Angeles. Terminaram cheias de dívidas e precisaram vender a casa em que moravam.
Dá pra acreditar?
E agora ela tem esse incrível cover, acompanhada pelo DJ e produtor Steven Spence. É uma versão nada ortodoxa, com alguns elementos que a tornam interessantíssima.
1) O timbre bizarro do violão de Spence e, principalmente, a forma despojada como toca a música, às vezes marcando as notas com uma corda só, às vezes usando power chords, e com muitos harmônicos.
2) Reverb, muito reverb. No som do violão, na voz de Jocelyn e, principalmente, nos backing vocals de Spence.
3) A interpretação de Jocelyn, apesar dos trejeitos típicos do The Voice, com dedinhos levantados. Ela faz poucas firulas – menos até do que o próprio Bruno Mars -, mas usa a potente voz pra ressaltar os pontos fortes da música. Repare na expressão e no sorrisinho que ela deixa escapar ao cantar I got your body trembling like it should (2min30 no vídeo).
4) O ambiente “insalubre” onde o vídeo foi gravado. Parece ser um estúdio, mas há um sofá atrás da dupla, Jocelyn canta sentada numa cadeira de computador e Spence, sabe se lá no que, está escuro pra caramba. Pela roupa dele, parece estar calor. Pela dela, não. Quem sabe? É como se eles simplesmente tivesse apertado o play e mandado ver para a câmera.
5) A imitação de Gorilla feita por Spence no final do vídeo. Até ele perceber que o som era mais parecido com o de macacos.
Hallelujah é uma das canções mais carismáticas e famosas da história da humanidade, gravada e interpretada por mais de cem artistas dos mais diversos estilos. Foi composta pelo canadense Leonard Cohen e gravada no álbum Various Positions (1984). Sua criação levou cerca de dois anos; e o perfeccionista Cohen criou mais de 80 versos para ela. Isso fez com que ele próprio tenha executado-a com diferentes letras e interpretações ao longo dos anos. Dependendo do intérprete, a música pode ter entonação depressiva, exultante, sexy. Ela pode se tornar uma música nova a cada dia: depende do estado de espírito de quem a executa. É uma canção incrível em todos os sentidos.
Com esse poder transformador, seria no mínimo leviano expor aqui a origem definitiva da música. Há um livro feito apenas em torno dos versos de Cohen (The Holy and the Broken, de Alan Light). Neste texto, o NTR mostra a sua interpretação para Hallelujah, desenvolvida a partir de muita leitura, diferentes versões e, é claro, visão pessoal. A letra usada é a do cover mais consagrado, de Jeff Buckley, no álbum Grace (1994) – essa que você vê no topo do post. Fala sobre amor e a imperfeição problemática que é a experiência de amar.
Hallelujah
Ao que tudo indica, o próprio Leonard Cohen vem tentando, ao longo dos anos, compreender o uso da expressão Allelujah (Aleluia). Trata-se de uma palavra hebraica composta por Hallelu – “louvem, glorifiquem” assim no plural mesmo, um chamado a todos – e Jah – uma espécie de diminutivo para Jehovah, um dos nomes bíblicos para Deus. Cohen inicialmente queria manter a tradição milenar de canções com esse termo, mas desvirtuando-o do sentido religioso, como se o seu Hallelujah pudesse ir além disso. Pense nessa palavra como uma forma de exaltar tudo – tudo que é perfeito e o que não é; a vida. Nos versos, isso é permeado pelo sentimento de amar.
“A música explica que existem vários tipos de Hallelujah. Eu digo: todos os Hallelujahs, perfeitos e errados, têm o mesmo valor. É um desejo de afirmar minha fé na vida, não de uma forma religiosa, mas com entusiasmo, com emoção”, explicou Cohen, em entrevista de 1985. Nos versos, o imperfeito transparece, e apesar de tudo o que ele expõe, há sempre um Hallelujah, sempre o louvor, sempre a fé. O caminho que encontrou para mostrar isso foi justamente usando passagens bíblicas. Em cada verso cabe uma explicação histórica, religiosa e política que não será aprofundada neste texto. O NTR foi extremamente sucinto nesse aspecto. O leitor terá que nos perdoar.
Davi de Israel, Betsebá, Sansão e Dalila
Davi era um humilde pastor escolhido por Deus para suceder Saul como rei de Israel. Tinha muitos dons, dentre os quais a música – e é isso que fica evidente no primeiro verso. É dele o “acorde secreto” que agradava ao Senhor – Davi, integrado à corte de Saul, acalmava o espírito do monarca com sua harpa. Aí entra a genialidade de Cohen. Quando cita and it goes like this, the forth, the fifth, os acordes casam com a letra: as notas tocadas são exatamente do quarto e quinto graus da escala em que a música foi composta. O mesmo vale para the minor fall – um acorde menor que ‘derruba’ a melodia – e major lift – novamente um acorde maior.
The minor fall and the major lift é também uma referência de juízo: as pessoas pequenas caem, enquanto os grandes se erguem. Pela narrativa bíblica, Davi é escolhido por Deus como o sucessor de Saul. Ele governaria a Tribo de Judá e, depois, o reino de Israel. Cohen encerra a estrofe com “o rei desnorteado compondo o Hallelujah“. Isso já dialoga com a próxima estrofe, que aborda o episódio em que Davi, já rei, observa do alto do telhado Betsabá, mulher de Urias, se banhando – e é seduzido. Ele então a seduz e comete pecado aos olhos de Deus. Grávida, Betsebá torna-se mulher de David após a morte do marido no campo de batalha, mas seu filho morre por juízo divino. Punição.
Na sequência, Cohen evoca a história da gananciosa Dalila, que faz chantagem emocional para descobrir a força de Sansão e o faz adormecer sobre seu colo para que os filisteus cortem seus cabelos – tudo em troca de moedas de prata. Quando Cohen canta “e dos seus lábios ela desenhou um Hallelujah“, encerra um trecho da música que mostra como o amor pode levar a situações trágicas. No Livro dos Juízes da Bíblia, Sansão tem os olhos arrancados e é mantido prisioneiro dos filisteus, mas recupera a força com ajuda divina para pôr abaixo um templo, matando seus inimigos e também a si próprio.
Davi foi acometido pela luxúria ao ver Betsebá e pagou por isso. Sansão abriu seu segredo mais íntimo à mulher que amava e também pagou por isso. E, apesar da dimensão dessas ações e do amor envolvido, ouve-se de novo entoar: Hallelujah.
Problemas de relacionamento
Nos dois versos seguintes, Cohen é mais direto e mais amargo. Ele fala sobre experiência com relacionamentos quando diz: baby I`ve been here before, I`ve seen this room and I`ve walked this floor. E mostra que sabe como é ser sozinho também. Então faz referência ao Marble Arch, arco de mármore erguido em Londres para dar acesso ao Palácio de Buckingham (hoje ele fica em um lugar diferente da cidade). Apenas a realeza podia passar pelo arco. Quando canta I`ve seen your flag on the Marble Arch, ele avisa que o amor não é uma marcha da vitória, algo que se domina e faz seguir um caminho determinado, sempre triunfante e organizado. Não. É um Hallelujah frio e quebrado.
A estrofe seguinte é ainda amarga, mas extremamente erótica. Começa com Cohen reclamando: houve um tempo em que o outrém o deixava ver o que rolava “por baixo”, mas agora essa pessoa não mostra mais nada. É um verso ambíguo: fala de expor sentimentos, mas também de ver o corpo nu, de se entregar ao sexo. Prova disso é o verso seguinte: se lembra quando eu entrei em você?. O termo holy dove – pomba sagrada – é um dos mais controversos. A palavra dove é constantemente substituída nas versões da música. É novamente ambíguo: pode significar paz – entre esses dois indíviduos, algo que já não há -, mas traz um toque de sacrilégio, como se o sexo fosse algo digno de adoração, sagrado.
No último verso, outra referência extremamente erótica: e cada suspiro que dávamos era um Hallelujah. O relacionamento claramente desandou, a forma de amar não é mais a mesma, mas ainda assim surge um Hallelujah.
Conclusão
Leonard Cohen de certa forma conclui tudo ao falar: “talvez exista mesmo um Deus, mas tudo que aprendi sobre o amor foi como atirar em alguém que desarmou você“. Ele usa duas imagens belíssimas: um choro no meio da noite ou alguém que “viu a luz”. Amar não é isso. É apenas um Hallelujah frio e quebrado. Hallelujah, Hallelujah.
PS.: Eis a versão de Rufus Wainright, que aparece no filme Shrek.
Slow dancing in a burning room é a oitava música do álbum Continuum (2006), o terceiro na carreira de John Mayer e aquele em que ele redefiniu seu som, adicionando elementos de blues e soul music. Ela sequer foi explorada como single, mas está entre as preferidas do público e foi incluída em DVDs e outras compilações. John Mayer tocou-a nos dois shows que fez no Brasil, em 2013. Além de tudo isso, trata-se de uma belíssima metáfora.
Pintar essa incrível imagem – dançando lentamente em um cômodo em chamas – foi a forma que John Mayer encontrou para definir um relacionamento problemático que se encaminha para um fim dolorido, mas do qual os envolvidos continuam se aproveitando. O mundo está desabando ao redor e não há como escapar, mas eles seguem juntos, dançando lentamente, olhando nos olhos um do outro. A origem dessa música é também sua consequência: dor.
John primeiro avisa que a coisa é séria, não apenas mais uma briga seguida por um período de calmaria. Trata-se de um “último e profundo suspiro desse amor em que estivemos trabalhando” – a hora é essa, portanto. A explicação vem na segunda estrofe, em que mostra que não tem mais o controle da situação e que essa relação já deu alarmes falsos demais. Como na parábola do menino e do lobo, ninguém mais leva a sério o perigo, diante de tantas ameaças que se mostraram infundadas.
Ou seja, slow dancing in a burning room.
Esse quadro ruim é melhor descrito na terceira e quarta estrofes. John reconhece: eles eram tudo o que sonharam para si mesmo. E aí começam os problemas. “Eu vou tirar o máximo dessa tristeza”, diz ele, prometendo se reerguer. “E você vai ser uma vaca, porque você sabe ser assim. Você vai tentar me acertar para me machucar, então vai me deixar me sentindo mal porque não consegue entender”. Ela, portanto, não reconhece essa situação como tão grave.
Aí ele sugere: “vá chorar, vá”. E avisa: “querida, estamos dançando lentamente em um cômodo em chamas”.
A música termina com John Mayer fazendo perguntas retóricas. “Você não acha que já deveríamos saber disso? Você não acha que deveríamos ter aprendido?” Talvez. Talvez ela tenha falhado em perceber todos esses problemas. Eles certamente falharam em deixar tudo chegar a esse ponto. Mas assim é fácil falar. Com o clima que ele cria na música e essa letra, até o ouvinte se sente dançando lentamente em um cômodo em chamas.
O rapper Black Alien – aquele que cantou no Planet Hemp e tem um único e excelente disco solo, Babylon by Gus – canta na música Timoneiro: “cai o muro de Berlim e as rádios tupiniquins ainda amarelam de tocar algo assim”. Este ano, o fim da divisão da Alemanha completou 25 anos. Quando caiu o muro, o mundo mudou – acabou a Guerra Fria, o capitalismo venceu e os Estados Unidos se tornaram potência hegemônica. A ditadura estava no fim no Brasil, a tecnologia avançava a passos largos. E, mesmo assim, o rap ainda não tocava nas rádios. Vamos a 2014. A coisa começou a mudar, mas ainda não há uma cena rapper no mainstream. Quem capitaneia, nesse momento, esse nicho é Projota, o romântico.
Projota lançou esse ano seu primeiro álbum por uma grande gravadora, Força, Foco e Fé. Mesmo que você não tenha ouvido um acorde dessas músicas, provavelmente já conhece a voz do rapper. Ele está estourado nas rádios com o hit Cobertor, ao lado da funkeira Anitta, mas também já cantou em Deixo Você Ir, do Onze20, e Se Joga, do Strike. Mais conhecido do que ele no mundo pop mainstream, só se for algo do Marcelo D2 ou a música Vagalume, que tem o rap do Pollo, mas faz sucesso pelo refrão de Ivo Mozart. Em todos esses trabalhos, Projota rima de forma descontraída, divertida e romântica. E isso é bem o estilo dele.
Não que não tenha o lado mais pesado em seu trabalho. Pelo contrário. Basta ouvir Samurai, Pra Não Dizer que Não Falei do Ódio e Fatality, para dar um exemplo de cada mixtape lançada de forma independente por ele até hoje. Na última delas, Muita Luz (2013), ele já dava o tom que acabaria por se destacar com a música Mulher, com participação de Marlos Vinícius, do Onze20: o refrão e a ponte têm melodia marcante que contrasta com o verso, no qual o flow e a raiva de Projota estão bem suavizados. Funciona, e essa fórmula ele levou para o novo trabalho.
Três músicas do disco novo são marcantemente românticas. Enquanto Você Dormia mostra um homem apaixonado, curtindo esse momento enquanto observa a namorada dormir. O Vento é mais uma declaração de um cara que encontrou “a paz pro Oriente Médio do meu coração”. Foi Bom Demais, por outro lado, é quase um pedido de desculpas para uma relação que acabou, mas deixou boas lembranças depois das mágoas iniciais. Elas vêm uma em sequência da outra no disco, nessa exata ordem, o que provavelmente não é coincidência nenhuma. Isso sem contar Mulher, que foi incluída de novo em Força, Foco e Fé.
Em entrevista ao portal Terra, Projota declarou que o objetivo do novo álbum é mesmo bater de frente no mainstream, tocar na rádio. Provavelmente, essas músicas cumpram um papel importante nesse plano. De quebra, ele consegue cada vez mais público feminino. “Elas gostam, principalmente quando eu faço musica romântica, e aí agrega, porque elas começam a ouvir o meu trabalho e conhecem o resto, as outras musicas mais pesadas, e gostam, e isso é muito louco”, comentou. Sobre a preocupação com o romantismo, ele foi sincero: “eu nao posso ficar me policiando, porque eu não me policiei para chegar aonde eu cheguei. Se eu começar agora, talvez seja um problema“.
Projota é romântico mesmo e é bom no que faz. Não vai surpreender se muitas de suas músicas tocarem em novela, propagandas e rádios. É assim, também, que o rap conquista seu espaço.
EXTRA
Você já ouviu, então, a música do Projota com a Anitta, Cobertor. Sugiro que ouça, também, a versão que parece ser a embrionária. Ela está como faixa extra no Foco, Força e Fé. É mais swingada, mais agitada e menos solene. Mais divertida, portanto.
O cover de Royals, da Lorde, é um exemplo da mistura louca que o Walk Off The Earth faz nos vídeos que popularizaram a banda no Youtube. O canal dessa banda canadense tem quase 2 milhões de inscritos e 436 milhões de visualizações, números bombados pela complexidade e criatividade de alguns dos vídeos. Com uso de instrumentos incomuns e muito ‘looping’ – gravação de trechos que são repetidos e controlados digitalmente -, eles ainda são extremamente divertidos e carismáticos.
“Nós queremos levar a música, qualquer que seja, a uma direção diferente e fazer as pessoas ouvirem isso”, explicou Gianni Luminati, o cabeludo cantor que constantemente usa tranças, em entrevista ao site Outline. “O uso de objetos para criar sons é mais uma mentalidade infantil, é coisa de criança. É quando você vê algum objetivo e imagina que som ele faz”, disse Sarah Blackwood, a cantora loura que de vez em quando faz as vezes também de cameraman.
O Walk Off The Earth não faz só covers, obviamente. Gianni e Sarah, junto com Ryan Marshall, Mike Taylor e Joel Cassady, têm dois álbuns lançados – o último deles chamado R.E.V.O, de 2013. O som, como pode se imaginar baseado nos covers, é de difícil definição, já que os elementos usados nos vídeos seguem nas músicas autorais, embora menos excêntricos. É uma boa banda. Com cool covers. Eles têm muitos. Separamos os mais interessantes.
Não houve trocadilho musical que impedisse a decisão bombástica da cantora americana Taylor Swift, que no início da semana passada retirou todo o seu catálogo do serviço de streaming Spotify. A empresa postou playlist engraçadinha pedindo a volta dela e usou nomes e trechos de diversas músicas, em mensagem postada: Taylor, we were both young when we first saw you, but now there’s more than 40 million of us who want you to stay, stay, stay. It’s a love story, baby, just say, Yes. Não adiantou. Todos sabem o motivo dessa manobra. Só não se sabe ainda os efeitos.
Taylor já vinha sinalizando que tomaria ação contra serviços como o Spotify. Em entrevista recente ao Wall Street Journal, afirmou que música não deveria ser gratuita porque “é arte, e arte é importante e rara, e coisas raras e importantes devem ser valorizadas”. Ela não concorda com os direitos pagos pela empresa, entre US$ 0,006 e US$ 0.0084 por execução. Se a cantora recebe a maior cota, você teria de ouvir uma música 120 vezes para render a ela US$ 1. Taylor Swift tirou sua obra do alcance de 40 milhões de pessoas – cerca de 10 milhões que pagam valores mensais – em 58 países.
Primeiro, Taylor retirou de lá o álbum mais recente, 1989 (2014). Esse é o primeiro a vender 1,3 milhão de cópias desde 2003, quando Eminem conseguiu esses números com o The Eminem Show. Ele desafia os números decadentes da indústria musical na última década. E mais: de acordo com o jornal britânico The Guardian, 25% dos usuários do Spotify já ouviram alguma música da cantora americana, sendo que ela aparece em 19 milhões de playlists e seu single mais recente, Shake It Off, era o número 1 em streamings. Mesmo assim, ela na sequência tirou tudo.
“O que eu posso dizer é que a música está mudando tão rápido, e o cenário da indústria musical em si muda tão rapidamente, que tudo que é novo, como o Spotify, me parece um grande experimento. E eu não estou disposta a contribuir com o trabalho da minha vida com um experimento que eu sinto que não recompensa de forma justa escritores, produtores, artistas e criadores de música. Eu simplesmente não concordo com a perpetuação da noção de que música não possui valor e deveria ser gratuita“, explicou a cantora, em entrevista ao Yahoo! Music na terça passada.
Parece justo, Taylor. Mas até onde você vai levar isso?
Afinal de contas, serviços como o Spotify estão custando dinheiro a artistas como Taylor Swift: de acordo com a revista americana Money, uma pesquisa da MIDiA Reserch determinou que 23% dos usuários de streamings costumavam comprar mais de um álbum por mês. Isso significa que agora a cantora vai aumentar ainda mais os números de vendas? Não. E essa é a questão. Se os fãs não piratearem os álbuns, vão simplesmente recorrer ao Youtube, Grooveshark, SoundCloud, Pandora, LastFM, Rdio ou qualquer outro modelo semelhante e continuar ouvindo suas canções. E talvez pagando ainda menos.
A não ser que a cantora apareça com alguma alternativa revolucionária, a decisão vai se limitar a não compactuar com algo que com o que ela não concorda – o que é mais do que justo, mais uma vez. Uma hipótese é Taylor Swift estar usando seu absurdo potencial de mercado para produzir mudanças nesse sistema de remuneração que julga incorreto. Essa hipótese é reforçada pela notícia de que o iTunes deve lançar um serviço de streaming para fazer frente ao Spotify. A cantora deverá ser procurada. E se aceitar, as milhões de pessoas que ouviram suas músicas poderão migrar de programa.
Se nada mudar, o Spotify vai sobreviver sem Taylor Swift da mesma forma como sobrevive sem Beatles, AC/DC e The Black Keys, entre outros artistas que não liberam sua obra para o serviço. Se na semana que vem ela desistir da decisão e recolocar as músicas à disposição, já vai ter saído no lucro, de qualquer maneira. Tem sido apontada por publicações do mundo inteiro como uma das artistas mais poderosas da indústria musical, obrigou essa discussão a ocorrer e ganhou mais mídia do que jamais conseguiria no Spotify. O jornal The Guardian até relacionou o anúncio a uma posição feminista da artista. Isso, Shake it Off jamais renderia.
PS1. Já falamos de Taylor Swift aqui antes e de maneira não tão lisonjeira. Leia
PS2. SE ESSE ÁLBUM REALMENTE SAÍSSE EM 1989, SERIA ASSIM:
Comecei a ouvir Butcher Babies recentemente. Conheci a banda pelo Spotify, que a indicou baseado nas músicas que eu andava ouvindo. Vi na listagem que havia apenas um álbum. Dei o play. Até então, a única referência era a capa: uma coisa sombria, uma criança olhando para um casal adormecido na cama – provavelmente os próprios pais. Eu esperava uma faixa de introdução ao estilo abstrato, como é de costume com essas bandas, mas o que ouvi foi a primeira música: I Smell a Massacre. Gostei.
São quatro acordes até a bateria entrar com tudo, pedais duplos e um berro agudo. Na hora, me lembrou a introdução de People = Shit, do Slipknot. Será que é uma mulher berrando? A faixa avança mais um pouco, e eu entro em dúvida: parece que ouço duas mulheres alternando berros com vocais harmoniosos. Se for uma só enfiando camadas de voz na música, vou parar de ouvir, pensei. Isso faria da banda algo muito artificial. Mas não. Eram duas vozes bem diferentes. Gostei mais.
Escutei mais umas quatro faixas, cada vez mais satisfeito com a pegada, já achando tudo muito inspirado em Pantera e Lamb of God. Não há um segundo de lirismo na voz das vocalistas. Abri o Google e digitei o nome da banda para finalmente ver o estilo, a aparência. Quase caí da cadeira. Encontrei duas modelos seminuas, corpos esculturais segurando microfones com facas e serras-elétricas acopladas, à frente de uma banda de homens maquiados para um filme de terror, estilo Rob Zombie.
Heidi (à esq.) e Carla
Foi importante ouvir a banda antes de vê-la porque, para a maioria das pessoas, ocorre o contrário. Ouvi Butcher Babies e gostei do que vi é um comentário maldoso muito difundido nos sites de heavy metal, que ironizam a qualidade da banda e creditam a atenção ganha – que nem é tão grande assim – à aparência e ousadia da morena Carla Harvey, escritora e ex- repórter da Playboy TV; e de Heidi Shepperd, hoje de cabelos vermelhos, radialista e modelo. As duas são espetacularmente lindas. Mas e daí?
A princípio, as duas encarnavam o que chamavam de sluty metal. Inspiradas em Wendy O. Willians, vocalista e líder da banda Plasmatics, elas se apresentavam de topless, com esparadrapos cobrindo os mamilos. Quase sempre são essas fotos que aparecem em matérias e resenhas. Wendy, que se matou em 1998, fazia esse tipo de coisa – inclusive com berros nas músicas – no começo dos anos 80. Era uma transgressora. E tinha, também, um corpaço. Não é difícil relacionar os dois casos. O nome Butcher Babies vem de um EP Solo gravado por Wendy em 1980, chamado Butcher Baby. Hoje em dia elas não usam mais esse visual.
Wendy O. Williams
É complicado tentar entender porque a banda atrai tanta crítica. O som é bem feito, coerente. Não há indícios de que os vocais sejam artificiais. Faltam vídeos oficiais da banda a não ser clipes, mas há alguns shows gravados de forma amadora no Youtube, e as duas seguram a bronca no mínimo satisfatoriamente. Tudo recai, então, no visual, que é obviamente explorado pela banda na figura das vocalistas. Sobram comentários dizendo que as duas não precisariam colocar os peitos de fora para fazer sucesso. Mas por que elas não podem fazer isso? O assunto, é claro, envolve machismo.
A discussão é complicada, mas tem avançado no rock em geral. A presença feminina na indústria da música – e, principalmente, no universo do rock – infelizmente ainda é imensamente inferior em relação à masculina, mas sobram exemplos como Joan Jett, The Donnas, Kittie, Walls of Jericho, 45 Grave, Evanescense eArch Enemy. Tem mulher fazendo som pesado para todo tipo de estilo. Que Carla e Heidi se vistam da forma como quiserem para se apresentar. Você pode não gostar do estilo, da voz, das músicas. Mas não dá para – e acho que nem teria mais como – limitar as vocalistas e o Butcher Babies apenas às aparências.
Recentemente, a banda saiu em turnê com o Down, de Phil Anselmo (vocalista do Pantera); e com o Black Label Society, de Zakk Wylde, guitarrista do Ozzy osbourne. Os dois monstros do rock não devem estar ligando mais para como elas se vestem do que para o som que fazem. Um conselho de um cara que ouviu Butcher Babies antes de ver a banda: coloque o fone de ouvido e ouça a intensidade do álbum Goliath (2013). É tão intenso quanto a beleza das vocalistas. E mais relevante do que isso tudo também.