Com mente assassina, Green Day lança ‘Bang Bang’

De acordo com o site Gun Violence Archive, dedicado a rastrear, elencar e analisar casos de violência envolvendo armas de fogo nos Estados Unidos, o país teve, só em 2016, 232 tiroteios em massa (considerando eventos com quatro pessoas ou mais baleadas no mesmo local e hora, sem incluir o atirador). É mais do que um tiroteio por dia (até agora, tivemos 222 dias em 2016). É o suficiente pra fazer qualquer cidadão americano pensar. Especialmente Billy Joel Armstrong, vocalista do Green Day, banda que lançou nesta quinta-feira o single “Bang-Bang”, o primeiro do álbum Revolution Radio, que sai em outubro.

 

Trata-se de uma música com a cara do Green Day: veloz, pesada, no estilo punk-pop que consagrou a banda e com grande crítica social. A faixa abre com recortes de anúncios jornalísticos abordando tiroteios em massa. Desde o primeiro verso, Billy Joel tenta entrar na mente de um atirador pra entender o que se passa. “É (uma música) sobre a cultura do tiroteio de massa que acontece na América misturado com o narcisismo das mídias sociais”, explicou, em entrevista à Rolling Stone.

Com o refrão “bang bang, give me fame”, a banda contesta a motivação delirante dos responsáveis pelos diversos atentados nos Estados Unidos, bem como a atenção que a mídia dá e o grande circo que acaba montado toda vez que uma tragédia dessa ocorre. É uma música muito interessante, que cria altas expectativas para o 12° álbum do Green Day – faz lembrar o excelente American Idiot (2004), no qual a banda contesta desde o governo Bush, a participação em guerras no Oriente Médio e até sociedade americana.

Se esse for o foco das letras de Billy Joel Armstrong desta vez, material não vai faltar. Em 2016, atentados como o que vitimou 50 pessoas em uma boate gay em Orlando já levaram 8609 vidas americanas, além de deixar 17995 feridos. Destes, 393 eram crianças (mortas ou feridas). Acidentes envolvendo armas de fogo já chegam a 1347. Em época de Donald Trump, eleições, discussões sobre a segunda emeda da constituição e controle de armas, seria bom ter uma banda do calibre e profundidade do Green Day para opinar.

Cool Covers: Roses

“Roses” é uma música lenta, mas intensa, um pedido pra que se dê uma chance para o amor. Produzida pelo duo de DJs americanos chamado The Chainsmokers, conta com participação da cantora Rozes, também americana, e alcançou grande sucesso ao redor do globo. Nas Filipinas, a jovem Meg Fernandez gostou do que ouviu e fez um cover interessante, mudando a levada da música e deixando-a mais rápida.

O ambiente criado pela letra mostram um amor daqueles em que o mundo deixa de importar e só o casal basta. Rozes mostra como o casal pode ser lindo e como podem aproveitar juntos. E faz apenas um pedido: “diga que você nunca vai me deixar partir”. Há até uma referência a Kanye West no verso “Get drunk on the good life” – “Good Life” é parte do álbum Graduation (2007), no qual o rapper canta justamente sobre como aproveitar a vida como um bon-vivant.

Apesar do excelente cover, Meg Fernandez continua uma youtuber modestamente conhecida. Não costuma lançar vídeos regularmente, mas ultimamente adotou produção menos amadora, sendo este vídeo mesmo um dos que perdeu a estética caseira. Seu maior sucesso foi vencer uma promoção do sorvete Cornetto, sendo selecionada para se apresentar antes de um show da Taylor Swift. Potencial não falta, baseado nesse Cool Cover.

Veja a versão original

Cool Covers: Can’t Take My Eyes Off Of You

É possível fazer um paralelo entre Lauryn Hill, nos Estados Unidos, e Black Alien, no Brasil: incrivelmente talentosos, se destacaram primeiro com suas bandas e, uma vez em carreira solo, lançaram um álbum, muito aclamado pela crítica… e só (Black Alien está produzindo um novo trabalho, mas ainda aguardamos a continuação de Babylon By Gus Vol. I, que já completou dez anos). No caso de Hill, ela brilhou depois de deixar o The Fugees com o álbum The Miseducation of Lauryn Hill (1998), que inclui esse cover de Can’t Take My Eyes Off Of You.

Lauryn Hill dá uma dinâmica diferente ao clássico de Frankie Valli, lançado em 1967 e interpretado centenas de vezes ao longo dos anos. Do beat-box às vocalizações, cria uma versão original pra uma música já muito explorada no ano de sua gravação. Não foi novidade para ela gravar um cover: no último disco com o Fugees, The Score (1996), Hill canta Killing Me Softly, que ficou famosa na voz de Roberta Flack nos anos 70, com arranjo muito parecido com o escolhido para a versão de Can’t Take My Eyes Off Of You.

O cover é uma parte divertida do excelente disco de Lauryn Hill, que mostra senso crítico nas músicas e rima pra valer, além de se aproveitar da sua exuberante voz e do alcance dela. The Miseducation of Lauryn Hill foi sucesso também de vendas e, em 1999, foi indicado a dez categorias do Grammy, conquistando cinco delas – incluindo Álbum do Ano e Revelação. A rapper foi capa de revistas no mundo todo e, nos últimos anos, acumulou polêmicas e apresentações esporádicas. Uma pena.

A versão original de Can’t Take My Eyes Off Of You

E a versão do Fugees para Killing Me Softly

Especialista em love songs, mas não sabe amar

Você já gostou tanto, tanto de alguém que preferiria nem dormir para não correr o risco de perder um segundo ao lado da pessoa amada? Esse é o mote de I Don’t Wanna Miss a Thing, sucesso do Aerosmith escrito por Diane Warren. Californiana de 58 anos, ela encantou o mundo com a melodia e a letra da música-tema do filme Armageddon (1998). Ela mesmo nunca sentiu algo parecido com isso. Na verdade, Diane Warren não tem um namoro sério desde 1992 e jã ficou pelo menos cinco anos sem sair com alguém. Por que isso é impressionante? Porque Diane Warren é a maior compositora de love songs do mundo.

I Don´t Wanna Miss a Thing é apenas um exemplo. Warren foi indicada ao Oscar sete vezes por músicas que abrilhantaram filmes e mais filmes – Because You Loved Me, de Celine Dion, por exemplo. Por essa música, ela ganhou um Grammy em 1997, além de ter outras oito indicações à premiação. Além disso, foi indicada cinco vezes ao Golden Globe Awards (venceu uma, com You Haven´t Seen The Last Of Me, com interpreção da Cher, em 2011) e, em 2001, foi incluída no Songwritters Hall of Fame. Ela foi a primeira pessoa da história a ter 7 hits na lista da Billboard. Seus royalties rendem US$ 20 milhões por ano (R$ 62 milhões).

Nada do que compôs, no entanto, é baseado em experiências pessoais, verdadeiras, reais.
(dê o play nessa playlist com os maiores sucessos dela!)

“Eu nunca me apaixonei como nas minhas músicas. Eu não sou como uma pessoa normal. Não sou boa em relacionamentos. Eu atraio drama – é a minha parte judia”, disse a compositora, em entrevista ao jornal The Guardian. Isso não significa, no entanto, que tudo seja falso. Warren se define como uma romântica desiludida, então escrever love songs, para ela, é uma forma de escape. “Eu tenho uma boa imaginação. Eu sei como é ter seu coração partido. Eu sei como é sentir algo por alguém. Eu só sou muito estranha para estar em um relacionamento”, explicou.

Ao compor o sucesso do Aerosmith, Diana começa com o verso: “I could stay awake just to hear you breathing”. “Se alguém ficasse me ouvindo respirar a noite toda, eu o jogaria pela janela. De preferência, de uma bem alta. Por que eu iria querer alguém ouvindo minha respiração?”, ironizou.

Diane Warren é a prova de que vivência não é primordial para fazer uma música. É questão de inspiração, mas também de trabalho duro, já que ela passa 12 horas por dia, de segunda a sábado, concentrada nas suas músicas. “Eu posso escrever a melhor música do mundo. No dia seguinte, estou de volta à estaca zero”, explicou. É uma workaholic, direto de seu escritório em Los Angeles, um lugar que, por superstição, nunca foi limpo e para o qual ela mantém restrição total a visitas: ninguém entra.

Mas como fazer essa mulher finalmente se apaixonar? Diane deu dicas, em entrevista ao site The Free Library. “Eu praticamente preciso de uma esposa. Eu não posso ser responsável por cuidar de alguém. Eu sou high mainteinence, não pelo fato de que preciso sempre de alguém comigo, mas porque eu nunca poderia cuidar de alguém. Se eu estivesse com alguém, ele teria que ser warkaholic, fazer suas próprias coisas e não me incomodar”, afirmou. Ok, Parece justo.

PS. Além de inúmeras Love Songs, Diane Warren nos brindou com essa clássico:

Uma crítica rude sobre Rude, do Magic!

A revista americana Time elegeu Rude, do Magic!, a pior música de 2014, então eu já sei que não estou sozinho nessa. Rude é o grande sucesso dessa banda canadense de reggae – o que, por si só, já é algo diferente de se ver. Está no primeiro álbum, Don’t Kill The Magic (2014) e fez um sucesso absurdo no mundo todo – foi número 1 do ranking da Billboard nos Estados Unidos, Reino Unido e Brasil, por exemplo. Basta ouvi-la uma vez e pronto: já dá pra sair cantando. O problema é o que é cantado.

É uma questão de postura. Na música, o sujeito levanta cedo num sábado, veste seu melhor terno e sai de carro a toda pra ir à casa da namorada conversar com o pai dela, um sujeito conservador. Ele bate na porta “com o coração nas mãos” e pede: “posso ter sua filha pelo resto da minha vida? Diga sim, diga sim, eu preciso saber”.  A resposta é desagradável: “você nunca vai ter minha benção enquanto eu viver. Só lamento, meu amigo, mas a resposta é não”. Aí vem o ponto crucial. Como reagir?

O refrão de Rude é um choramingo dizendo: “por que você tem que ser tão rude? Você não sabe que eu sou humano também?”. E ele ainda complementa, como quem dá de ombros: “vou casar com ela mesmo assim”. Fica no ar uma sensação de “eu nem queria sua aprovação mesmo”.

O protagonista tinha várias estratégias a seguir, desde a diplomática (tentar convencê-lo, provar-se uma cara responsável, atencioso ou o que for necessário) até a mais radical (confrontar o sogro pra valer, fazer ameaças). Ele escolhe a mais frouxa de todas: faz birra na porta da casa da namorada. Estamos sendo rudes demais nessa crítica?

Talvez fique essa impressão porque Rude é, na verdade, uma adaptação: a versão original foi feita pelo vocalista Nasri para uma ex-namorada, com quem tinha uma relação conturbada. O verso “por que você tem que ser tão rude” é na verdade pra ela. “Ela era rude, eu era rude. Nós estávamos em um momento rude”, esclareceu, em entrevista a uma rádio canadense. “Foi assim durante todo o relacionamento. Isso foi o que nos manteve juntos e o que acabou nos separando”, complementou.

Eventualmente, a banda decidiu trocar a letra, e aí apareceu essa história de pedido de permissão para casamento. Não é algo baseado em fatos reais – aliás, Nasri não casou com essa tal garota e também não namora ela agora. O curioso é que Rude gerou uma série de paródias. Por partes:

1. O pai super protetor.
Nessa versão, feita pelo pai da garota em questão, a pergunta é feita é: “você diz que ter minha filha pelo resto da sua vida, bem você vai ter que fazer mais do que hambúrgueres e fritas pra isso. Saia do porão da sua mãe e faça alguma coisa”. No refrão: “por que você me chama de rude? Por fazer algo que qualquer pai faria?”. E ainda com ameaças: “(se você) casar com essa garota, vou socar sua face”.

2. A filha feminista
Ah, a versão da filha: ela na verdade se surpreende por ver o pai e namorado brigando pra saber quem vai ficar com ela. E quem disse que ela quer? O refrão mostra isso: “vocês dois estão sendo brutos, vocês sabem que eu sou uma pessoa também. Agindo como pessoas controladoras, ninguém perguntou minha opinião”. Tomem essa os dois.

3. A mãe conservadora e religiosa
Essa é a versão mais bizarra. A mãe na verdade é uma religiosa fervorosa que avisa ao namorado: você não é o cara certo pra minha filha porque não aceitou Jesus ainda. O refrão termina com “antes de casar você precisa rezar”. E depois ainda vem: “casar com a minha filha? Ela precisa de um homem de Deus”.

O álbum de estreia do Magic! é repletos de músicas nesse formato de Rude: uma espécie de pop-reggae extremamente moderno, pra cima. A maior parte das canções fala sobre relacionamentos. E nenhuma é Rude.

Vital e Sua Moto, a origem

Morreu ontem, terça-feira (3 de março), Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso e inspiração do primeiro sucesso da banda, Vital e Sua Moto. A notícia triste foi confirmada pelo site da banda – aos 55 anos, ele, que morava no Rio de Janeiro, não resistiu a um câncer. Vital foi um dos grandes personagens do rock brasileiro nos anos 80, uma época frutífera que “coincidiu” com a primeira edição do Rock in Rio, onde eles executaram a música, como o vídeo acima mostra.

Vital Dias, ex-baterista

Vital Dias, ex-baterista

Até onde se sabe, Vital era mesmo apaixonado por motocicletas. Mas já não estava na banda quando ela foi lançada. Vital formou trio com o baixista Bi Ribeiro e o guitarrista Herbert Vianna em 1977, mas se separaram em 1979, ano em que prestaram vestibular. Em 1981, se reuniram de novo, já universitários. No ano seguinte, Vital simplesmente faltou a uma apresentação na Universidade Rural do Rio e acabou substituído às pressas por João Baroni, que está aí até hoje. E foi isso.

Vital foi muito mais relevante como personagem do que como músico, o que não significa que não tenha sido bom – pouco se sabe sobre o desempenho dele, aliás. A música Vital e Sua Moto integrou uma fita demo, com outras três canções, que foi parar na programação da Fluminense FM, e a partir daí ganhou o Brasil. Em 1983, a banda assinou com a EMI e lançou o primeiro disco, Cinema Mudo – que não deixou o trio muito satisfeito, na verdade.

Vital e Sua Moto abre o disco de estúdio com uma versão que não agradou a banda, principalmente pela inclusão do grupo vocal Golden Boys no refrão. Com isso, em setembro de 2013 – talvez pelo aniversário de 30 anos do lançamento da demo -, os Paralamas fizeram até uma campanha pra encontrar a fita original. Não se sabe do resultado.

Como integrante da família Vital, posso dizer que conheço essa música há muito tempo – as pessoas sempre me perguntam se eu vou aos lugares de moto, se eu me sinto total e quando os Paralamas do Sucesso vão tentar tocar na capital. Nem carta de moto eu tenho. Mas o que elas não sabem é que Vital não era o sobrenome do ex-baterista: era primeiro nome mesmo. Vital José de Assis Dias. Que descanse em paz.

Cool covers: I Want Altitude

Essa garota no vídeo acima é a Andie. Ela tem 17 anos, está no último ano do ensino médio e tem 133 mil inscritos em seu canal do Youtube, com mais de 12 milhões de visualizações. Australiana – mora perto de Sydney -, ela é dona também de uma maturidade musical e senso de harmonia incríveis, além de uma voz ímpar. Está tudo aí, no cover de Sweet Dreams, da Beyoncé. Seu nickname na rede é I Want Altitude.

Andie começou a fazer aula de piano aos seis anos, estudou por cinco anos até passar a tocar violão. Também toca guitarra e ukelele, e canta desde quando consegue se lembrar. Começou a chamar a atenção com seus vídeos aos 15 anos, e desde então mantém essa rotina de desconstruir a estrutura das músicas, modificá-las, adapta-las à sua voz. É fã de Mumford & Sons e Ed Sheeran. Passa longe de Katy Perry e Justin Bieber.

Apesar do talento inegável, Andie não capitalizou toda essa exposição – ou pelo menos alega isso. É totalmente independente e não faz mais do que apresentações esporádicas perto de onde mora, além de encontros com fãs em parques. Usa o Twitter e o Instagram constantemente, mas com foco mais pessoal. Sua fanpage no Facebook, um dos principais canais de divulgação, está abandonada desde dezembro.

A situação é tão amadora que, como não tem ganhos com o que faz, ela abriu um projeto de crowdfunding para financiar a compra de microfones e câmera de melhor qualidade pra fazer seus vídeos. As recompensas são hilárias: $200 rendem uma espécie de entrevista com ela, $300 rendem um vídeo mostrando um pouco de sua vida e, com $400, ela promete gravar uma música pendurada de ponta-cabeça na barra do parque, na cidade onde mora. Até agora, conseguiu $108, com 29 doadores.

Andie faz cool covers do jeito que a gente gosta: na raça, ao vivo, bem executados e criativos. Vale a pena conferir. Abaixo, outro que chamou a atenção, algo mais regional: Don’t Dream It’s Over, sucesso dos anos 80 com a banda australiana Crowded House, mas composta pelo neo-zelandês Neil Finn (esse vídeo com a imagem invertida, aliás, ela é destra, não canhota).

Dead Fish em 912 passos

O Dead Fish liberou na última quarta-feira, para streaming, o novo disco intitulado Vitória, produzido após campanha de crowdfunding – a qual eu também participei e ainda não recebi nada (cadê essa porra?). São 14 faixas muito bem encaixadas que os fãs mais antigos terão de ouvir algumas vezes para absorver o estilo de Rick Mastria, guitarrista do Sugar Kane que substituiu Phil. A pegada continua pesada, rápida. Antes, no começo de fevereiro, a banda já havia divulgado um single, 912 passos. Mas que passos?

A numeração no título não foi esclarecida pelos membros da banda, então podemos especular.

O personagem da música vive uma situação conflituosa com o mundo em que vive e as pessoas que nele habitam. “Vejo fatos da vida real tão distantes que mal chegam a me afetar”, diz já o último refrão. Sem saber como lidar com isso, ele tenta encontrar uma forma de compreender tudo, e isso ele faz contando os passos pra ser racional. Por tentativa e erro, zera a contagem cada vez que percebe que não chegou a lugar algum.

Então, 912 é o número mágico de passos necessários? Talvez.

O Dead Fish registrou essa música pela primeira vez ainda em agosto de 2014, em show no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Na ocasião, o vocalista Rodrigo Lima anunciou: “por ora, essa música se chama Hit Veraneio ou 678 Passos ou algo assim. Vamos ver se muda”. Mudou: aumentou 234 passos. O caminho pra ser racional é mesmo longo.

Pela letra, não dá pra saber exatamente que caminho é esse. Mas há um trecho curioso: entre berros, Rodrigo descreve um caminho feito pelo centro de São Paulo.

Nestor Pestana, cruzo a consolação.
Desço a Rua Araújo, olho pro chão.
Ignoro o Copan. Estação República.
A multidão ninguém é humano, mas vai ficar tudo bem!

NESTORPESTANA

Esse caminho, segundo o Google Maps, é curto, tem 800 m – estou considerando a entrada na Estação República pela Rua do Arouche, já que ele pega a Rua Araújo, enquanto que a entrada do metrô na Praça da República fica na Avenida Ipiranga. Para fazer o trajeto, os passos teriam que ter 0,87 m, o que não é um absurdo, mas também não é comum. Obviamente, não fica claro em que ponto da Nestor Pestana ele sai, o que pode reduzir consideravelmente o trajeto. De qualquer maneira, se adotarmos a medida passo simples – unidade utilizada no Império Romano e que equivale a 0,74 m -, os 800 m citados na música seriam feitos em 1081 passos.

É possível que esse trajeto seja feito em 912 passos? Claro. Com pressa, talvez correndo, qualquer um conseguiria. Que tipo de pessoa cruzaria a Consolação e entraria na Rua Araújo ignorando o Copan, majestoso prédio projetada por Oscar Niemeyer? Alguém apressado.

Pena que essa busca provavelmente deu em nada. Na Estação República, na multidão ninguém foi humano.

Atualização: acertamos!

Sim, o Não Toco Raul acertou: os 912 passos correspondem ao caminho da Rua Nestor Pestana ao Metrô República. É o caminho que Rodrigo fazia para ir trabalhar. Ele explicou tudo no vídeo do Dead Fish no Rock Togheter, que saiu nessa segunda (2 de março).

“Eu lembro que era um momento da minha em que, pela segunda vez na minha vida, eu estava vivendo sozinho em São Paulo. Eu gosto de viver sozinho, não tenho problema em estar sozinho, mas eu vivia sozinho, eu tinha um emprego, eu tinha uma banda, e eu não tinha perspectiva nenhuma de algo melhor acontecer, a não ser aquilo ali. A não ser ir pro trabalho e voltar do trabalho. Num dado dia, pra não pensar besteira, pra não pensar merda, eu comecei a contar todos os passos até a catraca do metrô. Eu acho que eu fiz isso 30, 40 vezes indo pro trabalho”, disse.

“Normalmente, eu fazia isso e dava um número completamente diferente: quando eu estava com pressa era 912, quando estava devagar dava mais, e etc. Aí eu comecei a pensar que, na vida, nada tem um numero correto. A vida não é um somatório de 2 + 2 que vai dar 4. A gente não pode botar a vida num gráfico. Não pode ser cartersiano: velocidade, tempo e fazer um gráfico. A vida não pode e não deve ser assim. E aí, num dado momento, eu parei de contar. Falei: “ah, é isso que está acontecendo comigo mesmo””, completou.

O que fazer quando sua banda favorita muda

Fomos surpreendidos, na última semana, com o anúncio da saída de Tom DeLonge do Blink 182. Mais interessado em outros assuntos – provavelmente o aplicativo Flo Share, lançado por ele recentemente; e a sua banda paralela Angels & Airwaves -, ele anunciou que não deseja fazer parte dos projetos futuros ao lado de Mark Hoppus e Travis Barker. O Blink mudou de vez, se é que isso já não havia ocorrido. O que fazer?

Para quem é fã de verdade, é sempre complicado ver sua banda sair daquele caminho que, em algum momento, te chamou a atenção e te conquistou. Obviamente que, de forma efetiva, você não pode fazer nada. Não acho que Tom DeLonge gostaria de te ver tocando a campainha da casa dele para uma conversa, também não aceitaria passar por uma intervenção e não seria influenciado por qualquer campanha dos fãs. Provavelmente. A pergunta certa aqui é: como lidar?

Esse texto não fala especificamente sobre o Blink 182 ou sobre o fim das bandas – o Blink provavelmente não acabará, vai até fazer um show em que DeLonge será substituído por Matt Skiba, do Alkaline Trio. Mas, além do término de bandas – ou “hiato por tempo indefinido” – troca de integrantes ou mesmo novos álbuns podem criar questões como essas. Sua banda favorita – de alguma forma – mudou. E agora?

O Não Toco Raul tem algumas sugestões.

1. Nostalgia

Ah, que sentimento maravilhoso. Melancolia e profunda tristeza travestidos de sorrisos breves diante de tantas lembranças. Aquela capa de CD, aquele show na grade, aquele ingresso guardado, versos, refrões e solos. Tudo daquela época em que a banda era tão boa. Pode parecer ruim, mas manter esse sentimento vivo é como manter viva também a banda à qual você tanto se apegou. É uma espécie de legado. O ciclo dela terminou, mas foi bom enquanto durou. Acontece. Só não dá pra chafurdar nesse tipo de situação. Chega de drama.

2. Paciência
Ok, sua banda não acabou, mas não é mais a mesma. Por que, então, não ter um pouco de paciência? Ouvir melhor aquele último álbum e tentar entender o novo conceito, as ideias por trás das mudanças. Ficar atento a entrevistas que possam dar uma luz sobre o que diabos aconteceu com eles. Dar um tempo àquele novo membro para que se adapte à banda e ver se ele consegue se encaixar. Tudo toma tempo.

Há inúmeros exemplos de bandas que mudaram integrantes, conceito, tipo de som e até instrumentos, tudo para melhor – embora essa seja uma avaliação pessoal, questão de gosto. Por exemplo, o Forfun adolescente comparado à banda madura e sólida que é hoje. O Iron Maiden pré-Bruce Dickinson e o salto de qualidade que teve depois que ele substituiu Paul Di’Anno. A entrada de Taylor Hawkins na bateria do Foo Fighters.

3. Relações cortadas
Sem ressentimentos. Se você prefere o Forfun adolescente, o Iron Maiden com os vocais de Paul Di’Anno ou o Foo Fighters pré-Taylor Hawkins, não é obrigado a acompanhar as fases mais recentes depois das mudanças. Muita gente não conhece o trabalho do Raimundos pós-Rodolfo. Muita gente não reconhece o Queen com Adam Lambert nos vocais. E aí, a relação é cortada – podemos até voltar para o item 1, se isso acontecer.

4. Prazer análogo
Enquanto não tínhamos mais o Rage Against the Machinne, podíamos, pelo menos, nos contentar com o Audioslave, essecialmente o RATM sem o Zach de la Rocha, com os vocais de Chris Cornell. Agora que não temos mais o Led Zeppelin, podemos pelo menos ver Robert Plant cantando. Muita gente se contenta há muito tempo em ouvir as músicas do Sepultura com a nova formação da banda, com o Soufly de Max Cavalera ou com a banda dele com seu irmão, Igor, o Cavalera Conspiracy. Não é o Sepultura clássico, mas o prazer de ouvir essas versões pode ser análogo.

O mesmo vale para projetos paralelos, embora eles constantemente não tenham relação musical com o trabalho que originalmente consagrou os artistas. Para ficar em um exemplo já citado: Chris Cornell, em carreira solo, toca músicas novas, do Audioslave e do Soundgarden.

Se Tom DeLonge sair mesmo do Blink 182, não vai ser a relação com os fãs, com a história musical ou mesmo financeira que vai fazê-lo mudar de ideia. Alguns fãs vão chorar as mágoas e dizer: “pra mim, o Blink acabou”. Outros, provavelmente aqueles que aceitaram a transição punk veloz e direto para músicas mais melódicas e baladinhas, vão seguir acompanhando, vão ver no que vai dar.

Se o Não Toco Raul puder dar um conselho diante dessa questão: não desista das bandas que você gosta. Nem dos integrantes delas.

PS. Fica o nosso conselho também para o Blink 182: Stay Togheter For The Kids.

Axé, A Origem

Há um ano, escrevi neste blog um texto mostrando como o Carnaval é business, partindo de seu maior hino: We Are Carnaval, música composta pelo publicitário Nizan Guanaes. Em 2015, a indústria carnavalesca (especialmente na Bahia) vai lucrar muito – mais uma vez. O axé, estilo que simboliza a folia no nordeste, completa 30 anos de sua criação formal. Foi uma invenção mercadológica na mesma linha apresentada no outro texto, mas que vai um pouco além: o axé ainda luta para se definir entre suas origens tão diversas e suas manifestações mais arraigadas na cultura local.

O ano de criação do axé é 1985 porque é quando foi lançada Fricote, de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu, aquela da “nega do cabelo duro que não gosta de pentear“. Uma mistura de estilo muito influenciada por ritmos caribenhos, a música estourou no Brasil todo e começou a chamar a atenção com essa tendência que já era expressada no nordeste por muitos artistas. Por deboche, o jornalista Hagamenon Brito – que chamava Luiz Caldas de “Michael Jackson Tupiniquim” – começou a se referir à tal de “axé music”. E o termo pegou.

Então, o que é axé? Originalmente, simboliza “força” nas rodas de capoeira, os assentamentos de orixás distribuídos  nas cerimônias do candomblé ou, na forma mais popularesca, um sentimento bom. É tipicamente baiano; e esse é o único aspecto que mantém no mesmo balaio todos os artistas identificados com esse estilo. Quando essa denominação pegou, o axé virou fenômeno e se espalhou pelo Brasil de forma permanente. Virou business, claro. E, 30 anos depois, continua dando muito retorno, especialmente nessa época de Carnaval.

“É uma necessidade mercadológica. As empresas precisam rotular pra vender em grande quantidade. Se for fragmentar isso fica difícil pra o consumidor comprar”, explicou Luiz Caldas ao site Lelynho.com, especializado, inclusive, em negociar pacotes para folias carnavalescas por todo o Brasil. “O axé music é só mesmo um nome que se dá a um caldeirão onde cabe tudo. Nós, baianos, sabemos quando um cara toca alguma coisa ‘ah, isso é um samba-duro’. Aí daqui a pouco o cara toca alguma coisa e aí você diz ‘isso é um Ijexá’. Mas para o turista é axé music. Então pra mim é melhor ainda, que venham todos”, complementou.

luizcaldasAxé é samba-duro, Ijexá, Deboche, Merengue, Galope, Samba-Reggae, uma infinidade de gêneros semelhantes – de origem africana e influência caribenha – que já eram tocados e dançados pelas ruas de Salvador e dali saíram para os blocos. As dancinhas coreografadas também são uma característica importante em todos os casos. É a verdadeira folia, que mudou de vez a forma como o Carnaval era brincado na Bahia, com trios-elétricos e blocos de música instrumental, com fantasias ainda chamadas “mortalha”.

Se analisarmos o estilo, as letras e a temática, vai ser difícil dizer que Olodum e Ivete Sangalo estão debaixo do mesmo guarda-chuva musical. O mesmo para Araketu e É o Tchan, Luiz Caldas e Parangolé. As vertentes são tantas e com tantas especificidades. Mas o axé, como estilo único, ganhou força. “Nem a bossa-nova nem qualquer outra coisa, nem a Tropicália, tudo isso, ninguém nunca vendeu tanto disco quanto a gente vende e fez tanta alegria quanto a gente faz”, afirmou Caldas. Funcionou – e funciona – como business, principalmente.

E isso não quer dizer que o axé não seja legítimo. Percebem a ironia? Como produto, o axé se destaca e se sustenta, mas também se generaliza. Mas na sua individualidade, é a expressão do samba, do rock, do reggae baiano, um estilo transformado e aperfeiçoado, que pode ser extremamente rebuscado na sua forma de tocar ou extremamente eficiente, mesmo quando simples. O axé é realmente uma coisa muito louca, difícil de entender. Mas faz sucesso e respeita as próprias origens.