Vital e Sua Moto, a origem

Morreu ontem, terça-feira (3 de março), Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso e inspiração do primeiro sucesso da banda, Vital e Sua Moto. A notícia triste foi confirmada pelo site da banda – aos 55 anos, ele, que morava no Rio de Janeiro, não resistiu a um câncer. Vital foi um dos grandes personagens do rock brasileiro nos anos 80, uma época frutífera que “coincidiu” com a primeira edição do Rock in Rio, onde eles executaram a música, como o vídeo acima mostra.

Vital Dias, ex-baterista

Vital Dias, ex-baterista

Até onde se sabe, Vital era mesmo apaixonado por motocicletas. Mas já não estava na banda quando ela foi lançada. Vital formou trio com o baixista Bi Ribeiro e o guitarrista Herbert Vianna em 1977, mas se separaram em 1979, ano em que prestaram vestibular. Em 1981, se reuniram de novo, já universitários. No ano seguinte, Vital simplesmente faltou a uma apresentação na Universidade Rural do Rio e acabou substituído às pressas por João Baroni, que está aí até hoje. E foi isso.

Vital foi muito mais relevante como personagem do que como músico, o que não significa que não tenha sido bom – pouco se sabe sobre o desempenho dele, aliás. A música Vital e Sua Moto integrou uma fita demo, com outras três canções, que foi parar na programação da Fluminense FM, e a partir daí ganhou o Brasil. Em 1983, a banda assinou com a EMI e lançou o primeiro disco, Cinema Mudo – que não deixou o trio muito satisfeito, na verdade.

Vital e Sua Moto abre o disco de estúdio com uma versão que não agradou a banda, principalmente pela inclusão do grupo vocal Golden Boys no refrão. Com isso, em setembro de 2013 – talvez pelo aniversário de 30 anos do lançamento da demo -, os Paralamas fizeram até uma campanha pra encontrar a fita original. Não se sabe do resultado.

Como integrante da família Vital, posso dizer que conheço essa música há muito tempo – as pessoas sempre me perguntam se eu vou aos lugares de moto, se eu me sinto total e quando os Paralamas do Sucesso vão tentar tocar na capital. Nem carta de moto eu tenho. Mas o que elas não sabem é que Vital não era o sobrenome do ex-baterista: era primeiro nome mesmo. Vital José de Assis Dias. Que descanse em paz.

Top 7,5: Telefone

Sejamos francos: há quanto tempo você não conversa com alguém por telefone? Não vale uma ligação curtinha, só um verdadeiro papo. Aquela coisa de passar meia hora fofocando com um(a) amiga(a) – porque, sim, eu tenho muito mais amigos homens e eles são igualmente fofoqueiros – e depois tomar um susto quando chega a conta. E há quanto tempo você não fala com alguém pelo telefone fixo, hein?! Ligação de trabalho não vale!

Em uma era em que o mundo tem quase mais aparelhos de celular do que pessoas, nos tempos de wi-fi, smartphones e Whatsapp da vida, todos conversam por texto. Podemos passar muito tempo sem ouvir de fato a voz dos nossos amigos e familiares – apesar da existência do Skype, que é praticamente o desenho “Os Jetsons” virando realidade. E o mais impressionante é que isso facilitou e muito as paqueras, já que a timidez é bem mais branda quando não se precisa ouvir, falar e gaguejar – basta mandar um torpedo ou uma mensagem no Facebook.

tv_foneAgora pensa bem: devia ser muito mais difícil no tempo em que as únicas mensagens de texto disponíveis eram cartas, telegramas e bilhetinhos; no tempo em que só existia telefone fixo e orelhão de ficha. Imagina: para paquerar aquela gatinha, você precisava ligar NA CASA DELA. E correr o risco de ser atendido pelo pai, ainda por cima! Quando você conhecia alguém interessante, tinha que trocar telefone e ficar esperando aquela ligação que parecia demorar uma eternidade. Nem dava pra stalkear, minha gente!

Então vamos dar valor aos músicos que escreveram sobre as agruras do telefone fixo com uma playlist temática. E, acredite se quiser, caro(a) leitor(a), essa lista NÃO terá os clichês “Call Me Maybe” nem “Telephone” – da Lady Gaga.

1. Blondie: Call Me


“Call me on the line, call me, call me, any, anytime. Call me, my love…you can call me any day or night. Call me!”

Que Call Me Maybe, o quê? Essa canção aqui põe a Carly Rae Jepsen no chinelo. É praticamente o melô do desespero, ou o jingle do “dia seguinte”. Grande sucesso da banda e nem precisa falar muita coisa, né…a referência é muito óbvia: PELAMORDEDEUS, me liga! A loirinha Debbie Harry canta “Call Me!” TRINTA E DUAS vezes na canção, que tem apenas 3 minutos e 8 segundos: média de um “me liga” a cada 10 segundos. São 30 “Call Me” em inglês e mais 2 em francês, olha que chique – “Appelle moi, mon cherrie”.

2. Os Paralamas Do Sucesso: Me Liga


“Eu sei, jogos de amor são pra se jogar. Ah, por favor, não vem me explicar o que eu já sei, e o que eu não sei. O nosso jogo não tem regras nem juiz. Você não sabe quantos planos eu já fiz. Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi. O seu exército invadindo o meu país… se você lembrar, se quiser jogar, me liga, me liga.”

Sim, é o mesmo título da canção do Blondie, só que em português. E sim, Herbert Vianna pede “me liga” várias vezes durante a música. Mas ele não está tão desesperado assim; e manda a garota parar de fazer joguinhos e só ir falar com ele quando quiser conversar que nem gente. A balada foi tema para muitos adolescentes sofredores nos anos 80, hino de quem brigava com o(a) namorado(a) ou tinha uma paixão enrolada, não correspondida, cheia de joguinhos. Ponto extra para a guitarra, uma das mais bonitas da música brasileira.

3. Jorge Ben Jor: O Telefone (Tocou Novamente)


“O telefone tocou novamente. Fui atender e não era o meu amor… será que ela ainda está muito zangada comigo? Que pena.”

Um clássico da música brasileira! O instrumental é um samba bonito cheio de balanço que até parece alegre, mas a letra é muito triste. O homem apaixonado espera que sua amada telefone, mas fica frustrado toda vez que atende e vê que não era ela.

4. Cake: Never There


“On the phone, long, long, distance. Always through such strong resistance and, first you say you’re too busy. I wonder if you even miss me.”

Um grande hit internacional e mais uma canção de dor de cotovelo… o pobre caminhoneiro corre atrás e a menina só esnoba. O clipe já começa com momentos telefônicos de tensão, várias referências a telefones e, toda vez que o cara liga, a mulher não atende.

5. Rolling Stones: Miss You


“I’ve been holding out so long, I’ve been sleeping all alone. Lord, I miss you!  I’ve been hanging on the phone, I’ve been sleeping all alone, I want to kiss you.”

Quem diria que Mick Jagger, a maior piriguete da história da música, passaria horas sofrendo ao lado do telefone esperando aquela ligação especial…pois ele teve até que apelar para os amigos e sair com umas gatinhas porto-riquenhas para recobrar o ânimo e esquecer da saudade. Êta, telefone bandido!

6. The Donnas: You Don’t Wanna Call Me No More


“You don’t wanna call me no more. You don’t wanna call me your girl. So I guess I’ll just stare at the wall, cause I know that you’ll never call. You don’t wanna take me anywhere. I’ll pretend everything’s all right, even though you won’t call me tonight.”

Amor sofrido e adolescente. Nos primórdios da banda, fim dos anos 90, quando as Donnas ainda faziam um som mais tosco à la Ramones, veio essa canção de desabafo. A mocinha gosta do cara, eles saíam, tudo legal, mas aí ele some. Dá bolo nela e não telefona mais. E ela fica triste, é claro, mas é durona e forte e acaba fazendo pouco caso do mané, pique “azar o seu”; e superando – como acontece em TODAS as canções dessa banda. Eu amo o fato de que, para elas, a mocinha nunca é frágil, nunca fica em casa chorando e nunca se rebaixa por um cara.

7. Blondie: Hanging On The Telephone


“I’m in the phone booth, it’s the one across the hall. If you don’t answer, I’ll just ring it off the wall. I know he’s there, but I just had to call. Don’t leave me hanging on the telephone. It’s good to hear your voice, you know it’s been so long. If I don’t get your calls then everything goes wrong. I had to interrupt and stop this conversation, your voice across the line gives me a strange sensation. Oh, hang up and run to me!”

Sim, eu sei que essa banda já apareceu aqui na lista, mas o que posso fazer se eles falam muito de telefones e se todas as músicas são boas? Particularmente, eu acho essa aqui melhor do que o hit “Call Me”. E, enquanto na primeira canção a Debbie Harry tava gamadona e implorava pro cara ligar pra ela, nessa é ela quem liga e fica pê da vida porque o moço não a atende e a deixa “pendurada no telefone”.  Afinal, todo(a) namorado(a) fica bravo(a) quando o outro não atende – e já sai pensando besteira, cego de ciúmes. Quando é a mãe que liga e a gente não atende, então, é ainda pior! Ela não só fica possessa, como também começa a achar que a gente morreu ou que está acontecendo alguma tragédia.

Bônus 7,5. Sandy & Júnior: Baby Liga Pra Mim


“Não vou aguentar, será que vai me ligar? Melhor esperar no chão! Melhor não demorar, não, não vá me fazer chorar (eles são todos iguais). Dançou pertinho de mim e não parou de me beijar. Pediu meu telefone, será que vai me ligar? Mas eu sei que ele não é assim. Ficou o tempo todo perto de mim. Mil carinhos e beijinhos, não sei porque não liga pra mim! Eu já cansei de esperar! Baby, liga pra mim!”

telefone-linguada-safadoUma verdadeira pérola. É a versão brasileira de “Call Me”. A Sandy desesperadíssima aguarda ansiosamente a ligação do fatídico “dia seguinte”. Conheceu um cara na balada, pegou, deu seu telefone e inocentemente acreditou que ia dar em alguma coisa (o pior é que o coro canta, ao fundo, “fácil demaaaais!”… HAHAHAHA). E vocês pensando que ela era boazinha e santinha e que só despirocou na fase loira devassa e sexo anal, hein?

O ápice da canção, entretanto, não é a Sandy esperando o cara ligar nem a grande atuação dos dois e a piadinha do homem que fica ligando procurando uma Claudia. O melhor de tudo, meus amigos, é que no fim tem um RAP DO JÚNIOR. Sim, acreditem! De sertanejo a pop e hip hop, é a dupla mais eclética do Brasil! Aguenta o clipe até o fim pra ver as rimas e a pose do mano Juninho, das quebrada de Campinas, que é uma belezura.

Holger | Ilhabela

 

Holger | Ilhabela

Avalanche Tropical / 13 de novembro de 2012 / Rock, Axé, Hipster, Indie
Holger - Ilhabela

Faixas:
1. Tonificando 
2. Abaía
3. Se Você Soubesse
4. Great Strings 
5. Another One
6. Infinita Tamoios 
7. Me Leva Pra Nadar
8. Pedro
9. Full Of Life
10. Bambalira
11. Treta
12. Ilhabela 

 

4/5

“Quem diria, dá pra misturar axé com rock. É a guitarrada! A definição de micareta indie ou música de hipster podia ser esse disco. Mas esses termos soam pejorativos – e não é o caso. Ilhabela é a trilha sonora perfeita de uma típica viagem para a praia, num feriadão quente, com todos os amigos zoando. Curtição! Alto astral!”

É pra quem gosta de:

Vampire Weekend – Friendly Fires – Paralamas do Sucesso

Tem que ouvir:

Tonificando – Great Strings – Infinita Tamoios

Pode pular:

Se Você Soubesse – Another One

 

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Alagados, Trenchtown, Favela da Maré, a Origem


“Alagados, Trenchtown e Favela da Maré”, são as palavras mais importantes do clássico “Alagados”, composto por João Barone, Bi Ribeiro e Herbert Viana e gravado no excelente Selvagem? (1986).  Não são termos aleatórios, como podem parecer: fazem referências a grandiosas favelas que têm como característica em comum as construções em palafitas. E pra morar em condições dessas, só com muita fé – ainda que não se saiba fé em quê.

Filho do Brigadeiro Hermano Viana, militar de alta patente, Herbert nunca precisou morar sobre as águas, se equilibrando em tábuas e passarelas. Mas a difícil realidade das favelas mencionadas o atingiu mesmo assim: a Favela da Maré fica no Rio de Janeiro, local para onde mudou na adolescência e onde foi fundada a banda. Já Trenchtown, que fica em Kingston, Jamaica, ele descobriu lendo a biografia de Bob Marley, que por lá morou por anos.

Não há nenhuma ligação direta entre Herbert – ou mesmo com João Barone, que nasceu e cresceu no Rio de Janeiro, ou Bi Ribeiro, que é carioca mas morou em Brasília – com a Favela dos Alagados, em Salvador. Talvez ela faça parte do imaginário de Herbert pelo fato de ter morado algum tempo – a infância – no nordeste, em João Pessoa. Alagados é a base do refrão, a base de uma música de alta contestação social.

“Alagados” canta a dificuldade do pobre e a “arte de viver a vida” apesar de todas as dificuldades. Essa música, que tem uma constituição meio caribenha em meio a tantas percussões e pelos solos de guitarra, parece fazer menção ou criar uma ponte direta com outras duas grandes músicas brasileiras.

“Alagados” lembra muito “A Novidade”, que foi composta pela banda em parceria com Gilbert Gil e que também está em Selvagem?. Nela, Gil, autor da letra, usa a imagem de uma sereia para desvendar um “paradoxo na areia”: “alguns a desejar seus beijos de deusa”, “outros a desejar seu rabo pra ceia”. O caso termina como um “pesadelo medonho”, algo que permeia a realidade de “Alagados”.

Mas também lembra muito “Do Leme ao Pontal”, de Tim Maia – talvez pelos nomes citados no refrão. Nela, Tim exalta duas das mais belas praias do Rio de Janeiro. Entre uma e outra há muita beleza – Leblon, Ipanema e por aí vai. Quando o refrão para de ser repetido, Tim Maia solta as piores e mais sujas praias cariocas: Calabouço, Flamengo, Botafogo, Urca, Praia Vermelha. Está aí a contradição – e a crítica.

Os Paralamas do Sucesso também incluíram Tim Maia no repertório de Selvagem?, com uma versão reggae de “Você”, que seria depois emendada por muitas e muitas bandas – inclusive por Gilberto Gil -, com “Vamos fugir” e “Is This Love”, de Bob Marley – olhem só: é como um ciclo que se fecha. Para esclarecer, “Do Leme ao Pontal” também foi lançada em 1986. Suspeito que poderia ter sido ela a regravada, se a situação fosse outra.

Em “Alagados”, os  Paralamas se limitam à tríade “Alagados, Trenchtown, Favela da Maré”, mas a crítica vai tão longe quanto poderia, o que tornou a canção um dos maiores sucessos do grupo. Pode até ser considerada um clássico, embora muita gente saiba ou entenda sua origem: palafitas, condições precárias, sujeira e, principalmente, a “arte de viver da fé – só não se sabe fé em quê”.

PS: Justamente por ter no refrão termos aparentemente aleatórios – e, principalmente, em inglês -, “Alagados” entrou para o rol de músicas que permitem composições instantâneas: em vez de Trenchtown, os desinformados cantam qualquer outra coisa como “sem sal”. É o tipo de coisa que acontece com Cláudio Zoli em “Noite de Prazer”: “Tocando B.B. King sem parar” vira “Trocando de biquíni sem parar”. Muito curioso e divertido.

 

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