NTR Convida #38 Luiz Felipe Santos (Sleeping Sapiens)

Às sextas-feiras o NTR traz a seção “Convida”, onde músicos convidados ditam o som para você começar o final de semana na pegada!

O convidado de hoje é um exemplo vivo do uso correto do adjetivo “eclético”: que gosta de vários tipos de música, por vezes bem diferentes entre si, mas que não engole qualquer coisa. Escuta de rap (como Terra Preta e Nas) a rock pesado (Helmet) e bandas “moderninhas hypes” (gosta muito do Phoenix). Por isso, eu estava curiosíssima para ver como ia ficar sua playlist. Com um repertório tão vasto e diversificado, é uma das pessoas que mais entende de música que eu já conheci. Sem contar sua barba ruiva, que faz dele um quase pirata. Ou seja: um cara legal!

Luiz é baterista, mas também toca violão, canta e compõe. Já teve umas trocentas bandas e hoje faz parte da dupla Sleeping Sapiens, ao lado do guitarrista Johann Vernizzi – que também toca no Veronica Kills e já participou do NTR Convida com um monte de “rocão”.

sleeping sapiensOs dois são amigos de infância e sempre fizeram música juntos. “O Sleeping Sapiens, na verdade, sempre existiu. Mas eu e o Johann nunca nos tocamos. Tivemos bandas juntos desde os 14 anos e sempre fizemos o que nos dava na telha. Em 90% das nossas bandas nós éramos os caras que faziam as composições e as melodias, sempre trocávamos informações sobre as bandas que faziam as nossas cabeças em determinado momento. Então, por isso tudo, eu diria que a gente sempre foi o Sleeping Sapiens. Mesmo antes de esse nosso projeto ter sido formado”, conta Luiz.

Depois de um tempo sem tocar, recebeu um inusitado convite de Johann: “Cara, vamos gravar um EP!” – “Topei na hora. O Johann já tinha boa parte das músicas prontas. Tanto é que, das cinco músicas próprias do nosso EP, apenas “Senseless” foi composta por mim. Daí em diante foi bastante fácil. Marcamos um ensaio numa quarta, passamos todas as músicas em umas duas horas, e no fim de semana seguinte, já gravamos o EP no Dinamite Studios. Passamos o instrumental num sábado e os vocais e outros detalhes no domingo. Rápido assim!”, diz ele.

O som do Sleeping Sapiens é um lo-fi muito sujo, cheio de reverb e fuzz e influenciado por Ty Segall, METZ, White Fence, Thee Oh Sees, The Mummies e The Psyched. Luiz toca bateria e faz backing vocal, enquanto Johann canta, grita e toca guitarra no EP de estreia do duo, que tem 6 faixas – sendo 5 autorais e um cover do clássico Suffragette City, de David Bowie. A arte do disquinho foi feita por Bruno Borges, o “Penabranca”, que já trabalhou com artistas como Brandon Boyd (do Incubus).

Segue a playlist:

1) Ty Segall – You’re the Doctor
“Esse guri é muito interessante. É uma das maiores influências no nosso EP. Ele está popularizando de novo o garage rock na gringa, faz um som direto e reto, mas, ainda assim, não tem medo de arriscar mudanças num disco pro outro.”

2) METZ – Get Off
“Quando fiz ‘Senseless’ estava ouvindo muito o som desses caras. Lançaram um disco pesadíssimo no ano passado. Batera muito marcada, riffs repetitivos, é muito bom.”

3) Sonic Youth – Mildred Pierce
“Não sei onde estava com a cabeça quando passei tanto tempo ignorando a obra desses caras.”

4) A Tribe Called Quest – Jazz (We’ve Got)
“Quem ouve o nosso EP nem deve imaginar, mas música negra é uma das minhas paixões. O The Low End Theory é meu disco de rap predileto de todos os tempos, junto do Illmatic do Nas.”

5) Jorge Ben – Charles Jr.
“É simplesmente o meu artista predileto entre todos. Faz parte da minha vida desde quando eu era pivete.”

 

capa
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Top 7,5: Telefone

Sejamos francos: há quanto tempo você não conversa com alguém por telefone? Não vale uma ligação curtinha, só um verdadeiro papo. Aquela coisa de passar meia hora fofocando com um(a) amiga(a) – porque, sim, eu tenho muito mais amigos homens e eles são igualmente fofoqueiros – e depois tomar um susto quando chega a conta. E há quanto tempo você não fala com alguém pelo telefone fixo, hein?! Ligação de trabalho não vale!

Em uma era em que o mundo tem quase mais aparelhos de celular do que pessoas, nos tempos de wi-fi, smartphones e Whatsapp da vida, todos conversam por texto. Podemos passar muito tempo sem ouvir de fato a voz dos nossos amigos e familiares – apesar da existência do Skype, que é praticamente o desenho “Os Jetsons” virando realidade. E o mais impressionante é que isso facilitou e muito as paqueras, já que a timidez é bem mais branda quando não se precisa ouvir, falar e gaguejar – basta mandar um torpedo ou uma mensagem no Facebook.

tv_foneAgora pensa bem: devia ser muito mais difícil no tempo em que as únicas mensagens de texto disponíveis eram cartas, telegramas e bilhetinhos; no tempo em que só existia telefone fixo e orelhão de ficha. Imagina: para paquerar aquela gatinha, você precisava ligar NA CASA DELA. E correr o risco de ser atendido pelo pai, ainda por cima! Quando você conhecia alguém interessante, tinha que trocar telefone e ficar esperando aquela ligação que parecia demorar uma eternidade. Nem dava pra stalkear, minha gente!

Então vamos dar valor aos músicos que escreveram sobre as agruras do telefone fixo com uma playlist temática. E, acredite se quiser, caro(a) leitor(a), essa lista NÃO terá os clichês “Call Me Maybe” nem “Telephone” – da Lady Gaga.

1. Blondie: Call Me


“Call me on the line, call me, call me, any, anytime. Call me, my love…you can call me any day or night. Call me!”

Que Call Me Maybe, o quê? Essa canção aqui põe a Carly Rae Jepsen no chinelo. É praticamente o melô do desespero, ou o jingle do “dia seguinte”. Grande sucesso da banda e nem precisa falar muita coisa, né…a referência é muito óbvia: PELAMORDEDEUS, me liga! A loirinha Debbie Harry canta “Call Me!” TRINTA E DUAS vezes na canção, que tem apenas 3 minutos e 8 segundos: média de um “me liga” a cada 10 segundos. São 30 “Call Me” em inglês e mais 2 em francês, olha que chique – “Appelle moi, mon cherrie”.

2. Os Paralamas Do Sucesso: Me Liga


“Eu sei, jogos de amor são pra se jogar. Ah, por favor, não vem me explicar o que eu já sei, e o que eu não sei. O nosso jogo não tem regras nem juiz. Você não sabe quantos planos eu já fiz. Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi. O seu exército invadindo o meu país… se você lembrar, se quiser jogar, me liga, me liga.”

Sim, é o mesmo título da canção do Blondie, só que em português. E sim, Herbert Vianna pede “me liga” várias vezes durante a música. Mas ele não está tão desesperado assim; e manda a garota parar de fazer joguinhos e só ir falar com ele quando quiser conversar que nem gente. A balada foi tema para muitos adolescentes sofredores nos anos 80, hino de quem brigava com o(a) namorado(a) ou tinha uma paixão enrolada, não correspondida, cheia de joguinhos. Ponto extra para a guitarra, uma das mais bonitas da música brasileira.

3. Jorge Ben Jor: O Telefone (Tocou Novamente)


“O telefone tocou novamente. Fui atender e não era o meu amor… será que ela ainda está muito zangada comigo? Que pena.”

Um clássico da música brasileira! O instrumental é um samba bonito cheio de balanço que até parece alegre, mas a letra é muito triste. O homem apaixonado espera que sua amada telefone, mas fica frustrado toda vez que atende e vê que não era ela.

4. Cake: Never There


“On the phone, long, long, distance. Always through such strong resistance and, first you say you’re too busy. I wonder if you even miss me.”

Um grande hit internacional e mais uma canção de dor de cotovelo… o pobre caminhoneiro corre atrás e a menina só esnoba. O clipe já começa com momentos telefônicos de tensão, várias referências a telefones e, toda vez que o cara liga, a mulher não atende.

5. Rolling Stones: Miss You


“I’ve been holding out so long, I’ve been sleeping all alone. Lord, I miss you!  I’ve been hanging on the phone, I’ve been sleeping all alone, I want to kiss you.”

Quem diria que Mick Jagger, a maior piriguete da história da música, passaria horas sofrendo ao lado do telefone esperando aquela ligação especial…pois ele teve até que apelar para os amigos e sair com umas gatinhas porto-riquenhas para recobrar o ânimo e esquecer da saudade. Êta, telefone bandido!

6. The Donnas: You Don’t Wanna Call Me No More


“You don’t wanna call me no more. You don’t wanna call me your girl. So I guess I’ll just stare at the wall, cause I know that you’ll never call. You don’t wanna take me anywhere. I’ll pretend everything’s all right, even though you won’t call me tonight.”

Amor sofrido e adolescente. Nos primórdios da banda, fim dos anos 90, quando as Donnas ainda faziam um som mais tosco à la Ramones, veio essa canção de desabafo. A mocinha gosta do cara, eles saíam, tudo legal, mas aí ele some. Dá bolo nela e não telefona mais. E ela fica triste, é claro, mas é durona e forte e acaba fazendo pouco caso do mané, pique “azar o seu”; e superando – como acontece em TODAS as canções dessa banda. Eu amo o fato de que, para elas, a mocinha nunca é frágil, nunca fica em casa chorando e nunca se rebaixa por um cara.

7. Blondie: Hanging On The Telephone


“I’m in the phone booth, it’s the one across the hall. If you don’t answer, I’ll just ring it off the wall. I know he’s there, but I just had to call. Don’t leave me hanging on the telephone. It’s good to hear your voice, you know it’s been so long. If I don’t get your calls then everything goes wrong. I had to interrupt and stop this conversation, your voice across the line gives me a strange sensation. Oh, hang up and run to me!”

Sim, eu sei que essa banda já apareceu aqui na lista, mas o que posso fazer se eles falam muito de telefones e se todas as músicas são boas? Particularmente, eu acho essa aqui melhor do que o hit “Call Me”. E, enquanto na primeira canção a Debbie Harry tava gamadona e implorava pro cara ligar pra ela, nessa é ela quem liga e fica pê da vida porque o moço não a atende e a deixa “pendurada no telefone”.  Afinal, todo(a) namorado(a) fica bravo(a) quando o outro não atende – e já sai pensando besteira, cego de ciúmes. Quando é a mãe que liga e a gente não atende, então, é ainda pior! Ela não só fica possessa, como também começa a achar que a gente morreu ou que está acontecendo alguma tragédia.

Bônus 7,5. Sandy & Júnior: Baby Liga Pra Mim


“Não vou aguentar, será que vai me ligar? Melhor esperar no chão! Melhor não demorar, não, não vá me fazer chorar (eles são todos iguais). Dançou pertinho de mim e não parou de me beijar. Pediu meu telefone, será que vai me ligar? Mas eu sei que ele não é assim. Ficou o tempo todo perto de mim. Mil carinhos e beijinhos, não sei porque não liga pra mim! Eu já cansei de esperar! Baby, liga pra mim!”

telefone-linguada-safadoUma verdadeira pérola. É a versão brasileira de “Call Me”. A Sandy desesperadíssima aguarda ansiosamente a ligação do fatídico “dia seguinte”. Conheceu um cara na balada, pegou, deu seu telefone e inocentemente acreditou que ia dar em alguma coisa (o pior é que o coro canta, ao fundo, “fácil demaaaais!”… HAHAHAHA). E vocês pensando que ela era boazinha e santinha e que só despirocou na fase loira devassa e sexo anal, hein?

O ápice da canção, entretanto, não é a Sandy esperando o cara ligar nem a grande atuação dos dois e a piadinha do homem que fica ligando procurando uma Claudia. O melhor de tudo, meus amigos, é que no fim tem um RAP DO JÚNIOR. Sim, acreditem! De sertanejo a pop e hip hop, é a dupla mais eclética do Brasil! Aguenta o clipe até o fim pra ver as rimas e a pose do mano Juninho, das quebrada de Campinas, que é uma belezura.

Umbabarauma, a origem

Para começar vamos falar de Umabarauma, do Jorge Ben Jor, que faz parte do disco África Brasil, de 1976.

01 Ponta de lança africano (Umbabarauma)

Até então, Jorge já era sucesso internacional, graças a “Mas que nada”, lançado em 1963. Mas foi o África Brasil que iniciou sua fase mais criativa, onde trouxe o funk, R&B e a percussão. Trocar o violão pela guitarra também foi um tapa na cara de todos na época.

Umbabarauma é a primeira música do álbum. Foi escrita quando Jorge estava na França com sua primeira banda, o Admiral Jorge V. Lá, ele relata que assistiu a uma partida onde havia um jogador negro, que vestia a camisa 10. O mais estranho, é que o nome do jogador era na verdade Babaraum.

Não se sabe se Babaraum era jogador de algum clube profissional, se jogava em alguma seleção, nem se era realmente africano. O que se pode imaginar é que numa suposta partida, Jorge ficou impressionado com a habilidade do jogador, que estava em um dia inspirado.

Deixando a imaginação de lado, o que podemos afirmar é que Jorge Ben é um brincalhão. Por que raios fazer uma música sobre um ponta de lança africano? Na época brilhavam jogadores brasileiros como Rivelino, Roberto Dinamite e Zico, todos eles enchiam os olhos dos torcedores. Talvez nenhum desses nomes daria a métrica exata necessária para o refrão. Talvez sua intenção fosse escrever uma música sobre futebol, sem parecer uma homenagem à um jogador. Talvez ele sequer tinha visto o tal Babaraum jogar e só achou o nome legal.

Independente do tenha – ou não – acontecido, ele a compôs e a gravou. Sobre uma letra simples, montou um groove ainda mais simples, colocou muita percussão e vocais femininos. Quer mais o quê?

Para fechar, em 2010 a música foi regravada, contando com a participação de Mano Brown, vocais de Anelis Assumpção, Céu e Thalma de Freitas. Desse encontro saiu também um documentário, patrocinado pela Nike, vale a pena assistir.

A versão ficou realmente animal, dê um play abaixo para curtir.