99 problems – A Origem

O ano é 1994. Um negro dirige por uma rodovia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e ele tem cocaína escondida no carro.  Ele olha no retrovisor e vê “A Lei” se aproximando, sirene e giroflex ligados. Por um momento, cogita pisar fundo e arriscar uma perseguição mas… tudo bem, ele tem dinheiro, pode encarar a ocorrência de uma forma ou de outra. “Filho, você sabe por que eu mandei você parar?”, pergunta o policial. Muita coisa passa pela cabeça do rapaz – questões raciais e sócio-econômicas, principalmente. Ironia e impaciência se misturam: “estou sendo preso ou tem mais nisso aí?”.

“Bem, você estava 2 km/h acima do limite. Documentos e, por favor, desça do carro. Você está armado? Eu sei que muitos de vocês andam armados“, diz o policial. Definitivamente, questões raciais e sócio-econômicas fizeram a diferença. Mas este negro sabe o que está fazendo: não vai descer do carro, e isso é tão certo como a validade de sua documentação. “Bem, você se importa se eu olhar seu carro um minuto?”, pede “A Lei”. Mas é claro que não. “Meu porta-luvas está trancado, assim como meu porta-malas. Então, você vai precisar de um mandado de busca“, rebate o rapaz.

O policial se impressiona: encontrou pela frente um espertinho. “Então você deve ser um advogado, alguém importante ou algo do tipo”, provoca. “Não”, responde o negro. “Não estou acima da média, mas sei alguma coisa. Sei o suficiente para você não revistar ilegalmente as minhas coisas“. A tensão é cada vez maior. “Bem, vamos ver se você vai continuar espertão quando a k9 chegar (Unidade Canina, em inglês, responsável pelos cães farejadores)”. Estacionados à beira da rodovia, eles veem justamente a viatura com a inscrição k9 passar a toda, com qualquer outro destino.

I got 99 problems, but a bitch ain’t one.

Esse é o cerne da música 99 Problems, sucesso de Jay-Z parte do “Black Album” lançado em 2004. Dez anos antes, o próprio rapper foi parado pela polícia, na sua opinião, apenas por ser negro. A letra criou polêmica nos Estados Unidos e levou a uma investigação que comprovou que a polícia de Nova Jersei abordava mais suspeitos negros do que brancos nas mesmas condições. Em 2011, um professor de direito fez a análise da letra e indicou que Jay-Z estava errado ao sugerir que um policial não poderia obrigá-lo a descer do carro ou que seria necessário um mandado para revistar o veículo.

Polêmicas a parte, a música é mais um dos argumentos dos que alegam a “genialidade” de Shawn Carter, nome verdadeiro do rapper. O refrão é ambíguo: começa com “If you’re having girls problems I feel bad for you, son” (se você está tendo problemas com garotas, eu sinto muito por você, filho). “I got 99 problems, but a bitch ain’t one”, completa. A palavra “bitch” poderia ser interpretada como referência a uma “mina”, mas na verdade diz respeito às cadelas que poderiam farejar o carro de Jay-Z, descobrir as drogas escondidas e dar razão ao policial.

Até Barack Obama já citou a música mais de uma vez. Em 2009, Jay-Z se apresentou em um evento exclusivo para financiadores da campanha que elegeu o primeiro negro presidente dos Estados Unidos e cantou 99 problems, mas alterou o refrão para “I got 99 problems, but a Bush ain’t one”, em referência ao ex-presidente George Bush. Já em 2013, em um encontro com jornalistas na Casa Branca, Obama mostrou senso de humor ao comentar os rumores que indicavam visita do rapper a Cuba. “É ridículo. Eu tenho 99 problemas, e agora Jay-Z é um deles“.

Pumped up kicks, a origem

Pumped Up Kicks colocou o Foster the People no mapa mundial da música. Foi a primeira música gravada pela banda de Los Angeles, embora o vocalista Mark Foster já tivesse outras canções previamente arranjadas. No começo de 2010, ela foi colocada na internet para download gratuito e rapidamente viralizou-se: a revista Nylon a usou como trilha para uma propaganda online, e com ela eles se apresentaram no festival South by Southwest, em Austin, em uma performance aclamada. De repente, Foster começou a receber propostas e mais propostas. Pumped Up Kicks iluminou o caminho do trio, mas sua origem é absolutamente obscura.

Em quatro minutos e quinze segundos, Mark Foster apresenta ao público o massacre feito por um estudante em uma escola, exposto na visão perturbada do assassino. O refrão, que faz com que a música seja um daqueles sucessos que grudam na cabeça, é quase um mantra do “Cowboy Kid“, o personagem principal: “All the other kids with the pumped up kicks you better run, better run, outrun my gun/faster than my bullet” (todas as crianças com os sapatos caros, é melhor vocês correrem mais rápido que minha arma/mais rápido que minha bala).

Massacre de Columbine

Massacre de Columbine

Foster compôs a música em um dia de pouco serviço no estúdio em que trabalhava fazendo jingles. Como disse à CNN, tentou entrar na cabeça de um adolescente problemático e entender o que se passa diante da crescente tendência de distúrbios. “Eu queria entender a psicologia por trás disso, porque era estranho para mim”, afirmou. A inspiração é o Massacre de Columbine: em 20 de abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold invadiram uma escola nos Estados Unidos fortemente armados e mataram 12 alunos e um professor, além de ferir outras 21 pessoas. Ambos cometeram suicídio.

O baixista Cubbie Fink tem uma prima que é sobrevivente do episódio, estava na biblioteca da escola no momento do tiroteio e vivenciou o massacre. A música, segundo a banda, é uma espécie de revanche. O personagem, Robert, é um garoto de “mãos rápidas” que vai “observar tudo, mas não revelará seus planos“. Ele tem uma aura de “cowboy“, com seu “cigarro pendurado na boca“. Robert acha uma arma no armário do pai, que trabalha muito e é ausente. Meio que sem motivo, Foster avisa: “he’s coming for you. Yeah, he’s coming for you” (ele está indo atrás de você. É, ele está indo atrás de você).

fosterthepeople

Foster the People

No segundo verso da música, Robert demonstra seus problemas psicológicos. A “mão ágil agora puxa o gatilho” e ele tem uma discussão com seu cigarro, dizendo “seu cabelo está pegando fogo, você deve ter perdido o juízo“. Essa continua sendo a música mais relevante do Foster the People, que em 2012 fez show muito bem avaliado no Lollapalooza, em São Paulo. Pumped Up Kicks é tão importante que o primeiro álbum da banda, Torches (2011), foi feito em virtude de seu sucesso e construído para que ela não reinasse solitária. Não quer qualquer outra música ameace seu destaque, mas o Foster the People continua aí, com muitos fãs que vão além dessa história trágica.

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Veja a letra completa de Pumped Up Kicks

Robert’s got a quick hand
He’ll look around the room he won’t tell you his plan
He’s got a rolled cigarette
Hanging out his mouth, he’s a cowboy kid

Yeah, he found a six shooter gun
In his dad’s closet, in a box of fun things
And I don’t even know what
But he’s coming for you, yeah, he’s coming for you

All the other kids with the pumped up kicks
You better run, better run, outrun my gun
All the other kids with the pumped up kicks
You better run, better run faster than my bullet

Daddy works a long day
He be coming home late, yeah, he’s coming home late
And he’s bring me a surprise
Cause dinner’s in the kitchen and it’s packed in ice

I’ve waited for a long time
Yeah, the slight of my hand is now a quick pull trigger
I reason with my cigarette
Then say your hair’s on fire
You must have lost your wits, yeah

All the other kids with the pumped up kicks
You better run, better run, outrun my gun
All the other kids with the pumped up kicks
You better run, better run faster than my bullet

We are Carnaval, a origem

Raquel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT e autora de diversos comentários polêmicos nas bancadas por onde passou, dedicou ao Carnaval uma de seus primeiros desabafos que ressoaram nacionalmente. Há três anos, ainda pela TV Tambaú, da Paraíba, falou sobre os festejos que se iniciam nesta sexta-feira, em discurso com referências históricas, exemplos atuais e um aviso: essa não é uma festa popular. “Balela”, diz Raquel: “o Carnaval virou um negócio dos ricos”. Talvez o mundo não seja trágico como diz a jornalista, mas é de se pensar: Carnaval é business, assim como é business o seu grande hino.

Só o rótulo de hino do Carnaval baiano diz muito sobre a importância mercadológica da música We are Carnaval. Ela foi composta por Nizan Guanaes, um dos maiores publicitários do Brasil e do mundo. Nizan é um monstro do mundo publicitário, criador da agência DM9 (que depois se fundiu e virou DM9DD9), participou da fundação do iG (internet gratuita) e é presidente do Grupo ABC de comunicação. Já foi incluído pelo jornal Financial Times como um dos homens mais influentes do mundo (em 2010) e obteve destaque mundial em outras oportunidades.

foto_nizan_guanaesDá para imaginar o cuidado com que escolheu as palavras de We Are Carnaval em sua composição? Isso porque trabalhar com música tem sido rotineiro para Nizan no mundo publicitário. Ele é o autor, por exemplo, da propaganda do Guaraná Antarctica que virou hit nacional (pipoca na panela começa a arrebentar…). Também participou de campanhas presidenciais, e nelas compôs jingles e mais jingles. Não há como mensurar a contribuição comercial de We Are Carnaval para o festejo na Bahia. Comercial mesmo: com seus trios, abadás, pacotes de viagens, passaportes da alegria…

A música já começa em tom de propaganda oficial: “Ah que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, coração do Brasil. Vem, você vai conhecer a cidade de luz e prazer correndo atrás do trio”. Milhões de pessoas, ano após ano, pagam caro para poder fazer isso. “Vai compreender que o baiano é um povo a mais de mil. Ele tem Deus no seu coração e o diabo no quadril”. Genial, Nizan. Para fechar com chave de ouro, vem o refrão internacionalizado, mas de fácil compreensão. “We are Carnaval, we are folia. We are the world of Carnaval, we are Bahia”.  Se isso não servir para business – ainda mais em ano de Copa…

Na verdade, Margareth Menezes cantou essa música acompanhada do Olodum no sorteio dos grupos da Copa do Mundo, realizado na Costa do Sauípe, na Bahia, em dezembro de 2013, e transmitido para o mundo todo. É de se perder a conta da quantidade de artistas consagrados que gravaram o sucesso: Ivete Sangalo, Jammil e uma noites, Asa de Águia e muitos outros. O responsável pelo sucesso dela foi Netinho, em 1996. Curiosamente, We Are Carnaval não foi veiculada como um jingle. Nizan compôs a música, e Ricardo Chaves gravou em 1991, sem grande alarde.

A melhor parte é que antes de ser o hino do Carnaval baiano, a canção foi usada como forma de arrecadar verbas para as obras de Irmã Dulce. Beatificada em 2011 e indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1998, a “beata dos pobres” lutou contra as desigualdades até sua morte, em 1992. Em honra a isso, ainda em 1988, mais de cem artistas se reuniram e gravaram um clipe cantando We Are Carnaval. Nenhuma parte da letra foi suprimida – nem “prazer“, nem “diabo no quadril“. Essa é a origem da música: a campanha realizada pela DM9 de Nizan Guanaes.

A pegada publicitária não tira a relevância nem a importância da música. E também não a deixa menos divertida. Mas que bom é saber que em cada “we are the world of Carnaval” temos também muito de business – mesmo com as melhores das intenções.

Fuck you (Forget you), a origem

Fuck You (Forget you) é o primeiro single do terceiro álbum de estúdio de Cee Lo Green, The Lady Killer (2010). Foi lançado em 19 de agosto de 2010 e se tornou um hit instantâneo, apesar dos palavrões (é claro que há uma versão tosca suprimindo as palavras fuck, shit nigga). Aparentemente, é uma música de lamento sarrista do ponto de vista de um sujeito que foi trocado pela namorada por outro bem abastado. Ok, mas não é só isso. A origem dela está em Bruno Mars, no início de sua carreira e na admiração por Cee Lo. Vamos ao background da questão.

Bruno Mars lutou muito para vingar como músico, a ponto de cogitar voltar ao Havaí, onde nasceu, por dificuldades financeiras. Ele então vivia em Los Angeles exclusivamente em busca desse sonho e insistia em conseguir alguma faixa em parceria com outros produtores, algo que o fizesse estourar. Antes, chegou a ser contratado pela grandiosa Motown Records, companhia que fechou as portas em 2005 e que, no passado, foi casa de grandes nomes como Jackson 5, Steve Wonder, Marvin Gaye e The Temptations, entre outros. Acontece que a Motown não soube o que fazer com Bruno Mars. A questão era a seguinte: qual é o seu público alvo?

Mars foi dispensado da gravadora Motown

Mars foi dispensado da gravadora Motown

Analisando pelas músicas de Mars hoje em dia, dá pra notar a dúvida da gravadora: ele produziu baladinhas românticas (Just the way you are), reggaes (The lazy song), hip hops (Nothin’ on you), tem uma pegada oitentista (Treasure) e até músicas com batida mais pesada, densa (Granade). Para uma gravadora que está prestes a apostar em um desconhecido e investir tempo e dinheiro, essas questões parecem justas. Mars foi deixado de lado. Isso ocorreu em 2004. Dois anos depois, o Gnarls Barkley, com Cee Lo Green à frente, estourou com Crazy em seu álbum de debute, St. Elsewhere.

“Quando o Gnarls Barkley apareceu usando todos esses estilos diferentes de música e quando Crazy foi lançada, essa é uma música que eu gostaria de ter escrito“, disse Bruno Mars, durante uma feira promovida pela ASCAP, a associação americana de compositores, autores e publishers. De repente, o projeto de Mars recusado pela Motown estourou com o Gnarls Barkley. Enquanto isso, sua carreira começava finalmente a andar, mas com trabalho para outros. Ao lado de Philip Lawrence e Ari Levine, grupo de produção chamado The Smeezingtoons, começou a chamar a atenção com sucessos como o feito para o rapper B.o.B., com Billionaire.

Foi assim que surgiu o convite de Cee Lo Green para uma parceria com os Smeezintoons. Ele queria uma música, Mars criou uma a partir do verso: “I see you driving ’round town with the girl I love and I’m like fuck you”. Não é difícil perceber que trata-se de um desabafo bem humorado feito para Cee Lo Green. A história está bem explicada na divertida participação de Mars e seus companheiros de Smeezingtoons no evento da ASCAP. A parte abordada por esse texto começa aos 4min20s. Philip Lawrence, sentado à direita, é como o beatmaker do trio. Já Ari Levine, à esquerda, faz as vezes de letrista.

A partir do primeiro verso, os quatro criaram o riff de piano que marca a introdução e desenvolveram a letra. “Quanto mais trabalhávamos nela, menos brincadeira a letra se transformava”, disse Lawrence. Foi ideia de Cee Lo Green, por exemplo, dizer “fuck you” também para a garota na música, e assim o diálogo é travado com ele – o novo namorado – e ela – a ex-namorada – durante toda a canção. Cee Lo já disse, em entrevistas, que não teve ajuda para escrever a letra. Sabemos que isso é mentira. E se alguém não acredita, segue uma mensagem dos Smeezingtoons: “fuck you”.

Bônus: versão estilosa da Eliza Doolitle (com direito a dois dedinhos levantados pra dizer “fuck you”, estilo britânico)

Os verdadeiros barrados no baile

NTR história: hoje vamos ver algumas curiosidades do mundo da música! Você com certeza já ouviu o hit Get Lucky, do Daft Punk, e deve saber que a música conta com duas participações especiais – além do Pharrell Williams nos vocais, tem o guitarrista Nile Rodgers, da lendária banda de funk Chic, que fez sucesso nos anos 70. Ele é realmente um excelente músico e uma das músicas mais famosas do Chic era essa (que você com certeza também já ouviu):

 

Acontece que essa música tem uma história muito interessante…e foi escrita depois de os integrantes da banda Chic terem sido barrados na porta da balada. A discoteca mais famosa no fim dos anos 70 era o Studio 54, em Nova Iorque. O clube ficava em Manhattan e durou de 1977 a 1981. Época da música disco, drag queens, paetês, plataformas, muitos VIPs, ricos e famosos e uma fila quilométrica na porta. Era uma balada tão cobiçada que nem o “rei” Alexander de Almeida e todo o seu dinheiro conseguiriam um lugar no camarote. Era a festa que todo mundo sonhava em ir. Olha como era o Studio 54:

Em 1978, o Chic lançou o hit “Le Freak” com várias citações ao Studio 54. A música fez tanto sucesso que foi, por muitos anos, o single mais vendido da Warner Music Group – até ser desbancada pelo mega hit “Vogue”, da Madonna, em 1991. “Le Freak” tocava em todo lugar e, ironicamente, também foi uma das canções que embalou as festas do próprio Studio 54, que tinha barrado a entrada da banda meses antes.

A letra critica as filas enormes na porta da balada, os clientes VIPs passando na frente de todo mundo, seguranças e hostess ignorantes – coisas que até hoje infelizmente vemos quando resolvemos sair à noite, seja em NY, seja na Rua Augusta. É engraçado como a música de 78 continua atual.

O guitarrista Nile Rodgers contou que foi na festa de ano novo de 1977 que ele e o baixista do Chic, Bernard Edwards, foram proibidos de entrar no Studio 54, sendo que eles eram convidados da famosa atriz e cantora Grace Jones – ou seja, eles até estavam em uma lista VIP, mas mesmo assim acabaram barrados no baile. Eles ficaram tão revoltados que escreveram a música, mas ao invés de “Freak Out!”, a letra original xingava “Fuck Off!”. Hahahaha!

A letra ainda trazia várias menções ao caso: “Have you heard about the new dance craze? / Just come on down, to the Fifty-four / Find a spot out on the floor” (Você já ouviu falar da nova febre de dança? / É só aparecer no 54 / Encontre um lugar na pista de dança).

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Taí, a origem

 
Nascido em Uberaba em 6 de março de 1900, Joubert de Carvalho morou em São Paulo na adolescência, em busca de estudo melhor, e depois no Rio de Janeiro, onde chegou em 1919 para estudar medicina. Em 1925, ano em que se formou, já tinha carreira sólida no cenário musical, com composições gravadas por diversos intérpretes de destaque. Em janeiro de 1930, Joubert andava pela Rua Gonçalves Dias quando foi chamado por sr. Abreu, dono da loja A Melodia, que queria lhe mostrar uma nova cantora, promessa da música brasileira. Era Carmen Miranda.

Além de loja, A Melodia era um espaço cultural que reunia cantores e compositores, uma espécie de ponto de encontro para discutir música e conhecer as novidades. Abreu tocou o disco Triste Jandaia, gravado em dezembro de 1929 (na época, os discos reuniam duas músicas, uma em cada lado do vinil). Joubert gostou tanto que pediu para repeti-lo diversas vezes e, encantado, afirmou que gostaria de conhecer a Carmen Miranda. Abreu explicou que não seria difícil, já que ela estava sempre perambulando pela loja. Nesse momento, a própria Carmen entrou pela porta, toda elegante. “Taí a nova contora”, exclamou Abreu.

Foi assim que nasceu uma das maiores marchinhas de Carnaval da história, episódio há muito difundido e confirmado na biografia “Carmen”, de Ruy Castro. Diz-se que Joubert deixou a loja com a palavra “Taí” na cabeça e, menos de 24h depois, tocou a campainha da casa de Carmen Miranda, que havia dado seu endereço em caso de uma possível parceria futura. A casa de Carmen, pobre, não tinha piano, então o compositor cantou a marchinha “Pra você gostar de mim”, e Carmen gostou.

joubert de carvalho

Joubert de Carvalho

Taí!
Eu fiz tudo pra você gostar de mim
Oh meu bem não faz assim comigo não
você tem que me dar seu coração

Inicialmente, a música não era uma marchinha carnavalesca. Era triste, amargurada, verdadeiramente um lamento. Quando Joubert tentou ensinar a Carmen como cantar a canção, ela de pronto respondeu: “não precisa me ensinar, não, que, na hora da bossa, eu entro com a boçalidade”. O comentário surpreendeu o compositor, mas Carmen era assim: totalmente desinibida, dominava gírias e falava muitos palavrões; nos futuros shows, ficaria conhecida por se apresentar ao público com um “boa noite, macacada!”.

A marchinha foi sucesso absoluto no Carnaval e alcançou o feito inédito de 35 mil discos vendidos, em uma época em que a popularização do rádio dava à indústria fonográfica sua primeira crise. Ruy Castro exibe um panorama da magnitude da vendagem: na época, o Brasil tinha 40 milhões de habitantes, 70% dos quais vivendo na zona rural; mesmo nas cidades, o número de vitrolas era extremamente pequeno. A música ajudou a consolidar a carreira de Carmen, e essa era ainda a fase pré-baiana, com balangandãs e cestas de fruta na cabeça. Essa – o auge e a vida nos Estados Unidos – só aconteceria em 1940.

 
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My Valentine, a origem

O que você faz quando está afim de fazer um agrado para a sua namorada, mas anda meio preguiçoso ou sem tempo? Manda um SMS pornográfico? Compra um “sonho de valsa” no self-service onde você almoça com o pessoal da firma? Todos já passamos por isso, estou certo, mas nem todos são assim.

Veja nosso amigo Paul McCartney, por exemplo. O que melhor para um dia preguiçoso do que sentar num piano qualquer e compor uma música? Coisinha simples, qualquer besteirinha, tipo essa:


Com a música pronta, é só mandar um Whatsapp pra Natalie e pro Johnny que temos um clipe bacaninha.
Agora sério. A frase acima (sobre o Paul se sentar num piano qualquer num tarde preguiçosa) é história verídica, contada pelo próprio em algumas ocasiões.

My Valentine é a oitava faixa de “Kisses On The Bottom” (2012), e Paul a compôs cerca de 1 ano antes do lançamento do álbum, no dia dos namorados – comemorado nos EUA em 14 de fevereiro – de 2011. Nessa época, Paul e a então namorada Nancy, estavam passando o feriado no Marrocos, mas chovia bastante e o beatle disse alguma coisa como “uma pena estar chovendo” e ela respondeu “não importa, ainda podemos nos divertir”. É claro que, estando de férias no Marrocos com Paul McCartney, até eu. Mas, enfim… Paul diz que achou aquela atitude ótima, pois é assim que ele pensa.

No hotel onde estavam havia um velho piano e, numa tarde chuvosa, Paul se sentou ali e começou a tocar sem que quase ninguém notasse. Inspirado pelo pianista que ouvia tocar ali todas as noites, ele começou a dedilhar a melodia e a cantarolar os versos “What if it rained? We didn’t care. She said that some day soon the sun was gonna shine…”, os primeiros da música. Paul conta que até recebeu um pequeno voto de confiança do músico com um simples “Ah that’s great!”. Sim, caro amigo sortudo, isso é ótimo!


Coisa linda, ein Paul.

Georgia on my mind, a origem

 

De acordo com a última contagem feita na Georgia, cerca de 28% da população do estado é composta por negros – a maioria, 62%, é de brancos. Há 225 anos, quando passou a fazer parte da união (2 de janeiro de 1788), se tornando o quarto estado norte-americano, a proporção era bem diferente. Na época, sua área era bem maior, contendo terras que hoje formam Mississipi e Alabama. A principal atividade econômica era o cultivo de algodão, o que motivou a chegada de escravos – e do racismo.

A Georgia estava entre os 11 estados agrários e sulistas que, em 1861, fundaram a Confederação, unidade política de oposição ao governo abolicionista de Abraham Lincoln e que mais tarde seria derrotada na Guerra Civil Americana. O sistema escravocrata cairia, mas não o racismo, muito embora boa parte dos negros tenha migrado para trabalhar nas indústrias do norte após o fim do conflito, enquanto brancos se mudavam de bairro nas cidades da Georgia (especialmente na capital Atlanta), isolando o restante dos negros.

Charles

Ray Charles é aplaudido ao ser homenageado na Assembleia Geral estadual

Foi nesse panorama, pobre e segregacionista, que cresceu Ray Charles, em Albany. As coisas não haviam mudado muito em 1961, quando ele criou polêmica ao se recusar a se apresentar para um público segregado. A cena é retratada no filme Ray, de 2004, com Jamie Foxx – usando de uma “licença dramática”, o episódio é supervalorizado. Ray Charles foi proibido de se apresentar no estado. A história – e o governo estadual – trataram de compensar o ocorrido.

“Georgia on my mind” teve sua melodia composta por Hoagy Carmichael e a letra por Stuart Gorrell, mas foi a versão de Ray Charles que ficou mundialmente famosa. Em 1979, 21 anos depois de ter sido “banido” de seu estado natal, ele apresentou a canção na Assembleia Geral estadual. Meses mais tarde, a própria Assembleia fez de “Georgia On My Mind” o hino estadual. Ray Charles, um negro que um dia se levantou contra o racismo, ficou eternizado em sua terra natal. E com uma velha e doce canção.

 
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Ana’s Song (Open Fire), a origem

Daniel Johns é um dos meus vocalistas preferidos. Ouço Silverchair desde que comprei o cd Neon Ballroom, no começo dos anos 2000, porque – e aposto que não estou sozinho nessa – a música Miss You Love era tema de um casalzinho qualquer em Malhação (tinha 15 anos, ok?).

De qualquer forma, Silverchair é uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos. Não sei se muita gente ainda acha que Ana’s Song (Open Fire) é uma canção de amor, muito pelo contrário, mas sempre achei essa história trágica interessante e resolvi compartilhar.

Em 1999, quando o Neon Ballroom foi lançado, Johns sofria de depressão e anorexia nervosa. Ana é o nome “carinhoso” da anorexia, pelo qual os que sofrem da doença a chamam, e foi ela quem levou Johns a pensar diversas vezes no suicídio. Durante seus meses mais críticos, Daniel Johns chegou a pesar 50kg. E pensar que poderíamos ter ficado sem ouvir o Diorama (um dos discos que mais ouvi na vida), de 2002, e o Young Modern (outra obra prima), de 2007, porque Daniel Johns quase se matou.

Melhor versão ao vivo desta música. Está no DVD “Across The Great Divide”, de 2007.
Entrevistado em 2004 pelo apresentador de TV Andrew Denton, Johns disse como se sentia quando sofria com a doença e durante a gravação do Neon Ballroom. Eu traduzi algumas das declarações:

“Eu pude de alguma forma me convencer de que as maçãs continham lâminas de barbear e não ia a restaurantes, porque eu pensava que todo chef do mundo queria me envenenar.”

“A comida era o inimigo. Eu simplesmente odiava olhar para ela, o cheiro dela. Se alguém falasse sobre isso, eu saía da sala.”

“Eu escrevi Neon Ballroom em um tempo em que eu odiava música, realmente tudo sobre ela, eu odiava. Mas eu não conseguia parar de fazer e me sentia como um escravo dela.”

“Eu acho que me assustei definitivamente na segunda ou terceira vez que um médico me disse que eu estava morrendo.”

“Houve três ou quatro anos da minha vida em que eu me odiava e teria muito felizmente acabado com ela [vida]. Mas eu não sou mais assim… tenho essa vida incrível, esposa incrível…” (Johns era casado com a cantora Natalie Imbruglia na época)

daniel-johns
Ainda bem que tivemos um final feliz.

 

Azul da cor do mar, a origem

 

Tim Maia estava na merda em 1969. Morava de favor no Rio de Janeiro, dormia em um sofá desconfortável apelidado de “dromedário”, sem dinheiro ou companhia amorosa. Vinha de dois fiascos na tentativa de gravar um compacto de sucesso em São Paulo, um pela CBS e outro pela RGE; nenhuma delas soube mixar o soul pesado do cantor, e o trabalho acabou ignorado pela crítica e pelo público. Voltou ao Rio para uma terceira tentativa, agora pela Polydor, e contou com a ajuda de dois amigos, responsáveis indiretos por um “sonho azul da cor do mar”.

O cantor paraguaio Fábio (que na verdade se chamava Juan Senon Rolón) e seu empresário Glauco Timóteo hospedaram Tim Maia em Botafogo. Os dois viviam bem, faziam muitos shows – Fábio aproveitava o sucesso de “Stella” – e viviam cercados de menininhas, com as quais Tim Maia sonhava em matar a solidão. “Azul da cor do mar”, um dos maiores sucessos do cantor, surgiu a partir desse cenário: com Tim tentando sem sucesso levar a carreira adiante, enquanto os amigos já colhiam os frutos.

Tim Maia havia tentado acompanhar os sucessos dos amigos cantores na adolescência – entre eles estavam Roberto Carlos, Eramos Carlos e Jorge Benjor; morou nos Estados Unidos, onde foi preso várias vezes até ser deportado; foi a São Paulo tentar a sorte e chegou a passar fome e frio; e, de volta ao Rio, a vida não estava mais fácil. Estava carente, e as gravações de um novo compacto demoravam a sair em meio ao cotidiano disputado do estúdio da Polydor.

Quando Fábio e Glauco viajaram para shows em Salvador e Recife, foi um alívio para Tim Maia poder dormir em um lugar diferente do sofá “dromedário”. Testou a cama de Fábio, mas acabou deitando na de Glauco, onde chamou a atenção, colado na parede, um pôster colorido com uma morena vistosa nua em frente ao mar do Taiti. Ali, Tim compôs uma canção e registrou em um gravador portátil. Tinha uma carga emocional incrível, assim como grande parte de sua extensa obra.

Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir
tenho tanto pra contar
dizer que aprendi
que na vida a gente tem que entender
que um nasce pra sofrer
enquanto o outro ri

tim_mais_vale_tudo
O disco na Polydor, intitulado Tim Maia, saiu em 1970 e virou sucesso no Brasil inteiro muito por conta de “Azul da Cor do Mar”. Não foram só Fábio e Glauco que alimentaram esse sonho. Tim foi contratado pela grande gravadora sem nunca ter sido ouvido por André Midani, presidente da Phillips. Isso ocorreu por conta das indicações dos Mutantes e de Erasmo Carlos. De acordo com a biografia “Vale Tudo”, de Nelson Motta, Tim pesava 85 kg (chegaria a 142 kg em 1996). Tempos depois, passou a viver melhor, alugou um apartamento, engordou e se consolidou como um dos grandes nomes da música nacional.

Mas quem sofre sempre tem que procurar
pelo menos vir achar
razão para viver
ver na vida algum motivo pra sonhar
ter um sonho todo azul
azul da cor do mar…

 

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