Sobre Hangar 110 e “a cena”

Passaram-se 18 anos desde que o CPM 22 deu os primeiros acordes já ouvidos no palco do Hangar 110, templo do rock underground paulistano. Naquela noite, local e banda ainda não tinham o sucesso que alcançaram com a explosão do rock nacional nos anos 2000. Para o Hangar, a história chegará ao fim: Alemão e Cilmara, casal de donos do local, anunciaram 2017 como última temporada, o que tem gerado uma grande reflexão sobre o que se chama de “a cena”.

A justificativa dada para a decisão é simples: os tempos mudaram. Em comunicado postado na página do Hangar 110 no Facebook, os donos explicaram como a internet, apesar de aproximar as pessoas, acabou distanciando-as fisicamente. A consequência é acabar com o tipo de espírito que marcou o começo da casa. “Hoje, não conseguimos ver uma luz no fim do túnel em relação a isso, pois as bandas estão acabando, e poucas bandas novas seguem esse espírito rock’n roll”.

Alemão montou o Hangar depois de ir à loja de discos de um amigo e ver uma parede lotada de álbuns de bandas brasileiras, todas sem lugar para tocar. Com a chegada dos anos 2000, ficou mais fácil gravar, e as bandas independentes aumentaram consideravelmente. Quando elas começavam a alçar voo, o Hangar apareceu como o local para ajudar a projetá-las. Ou nem isso. Simplesmente o lugar para poder ver um show em companhia dos amigos.

“A relevância que o Hangar 110 tinha no ínicio para as bandas e público, já não existe mais. Há shows em inúmeros lugares e por incrível que pareça, esse também foi um complicador”, explicaram.

Oras, que diabos de “cena” é essa então, que acaba por derrubar o lugar onde ela se fortaleceu?

A cena somos nós. Nós indo ao Inferno, na Augusta, ou ao Carioca Club, em Pinheiros, assistir às bandas que, antigamente, não tocariam em lugar algum. Ou nós aproveitando o Rock na Praça, com shows de graça no centro, ou ainda eventos no Sesc mais próximo ou em casas menores. A cena são os shows pesados no Aquarius Bar, nos confins da Zona Leste, casa que foi inaugurada em 2011 onde, antigamente, não havia tanta opção.

Não é a cena que está morrendo, ela se fortaleceu. Pior para o Hangar, que já não atrai tanta gente ali pra perto do Metrô Armênia.

A cena é o Dead Fish abarrotando a Audio Club pra gravar DVD, é o Eminence vindo de BH para tocar com o Seasmile no Inferno ou o John Wayne e o Worst – dois exemplos de bandas novas – agitando o centrão. É o Sampa Music Fest, na Penha, colocando quatro bandas consagradas e outras 16 – muitas ainda em início de carreira – para tocar no mesmo dia, nos mesmos palcos, com o mesmo equipamento (basicamente).

E a cena, principalmente, somos nós saindo de casa para ir a todos esses lugares, inclusive ao Hangar 110 ao longo de todo 2017. Nós comprando merchandising de bandas que conhecemos no Youtube ou nas sugestões do Spotify. Nós participando ativamente. Isso sim é cena. Você faz parte?

 

Qual Fresno lançou um álbum novo?

É muito interessante a maneira como o Fresno encontrou para variar seu som nos últimos anos. Da banda emo adolescente que ninguém aguenta mais falar ao estágio atual, a banda passou por álbum poderoso (Revanche, 2010), um EP pesado e com letras obscuras (Cemitério das Boas Intenções, 2011), um álbum coeso e com sucessos radiofônicos (Infinito, 2012) e um EP que parecia consolidar essa fase “adulta” da banda (Eu Sou a Maré Viva, 2014). Totalmente diferente, agora lança o A Sinfonia de Tudo Que Há.

Trata-se de um álbum épico, influenciado justamente pela ideia de fazer alguma coisa diferente. Talvez por ter sido feito com calma e sem alarde – só se soube de sua existência dois meses antes de seu lançamento, quando já estava em fase de mixagem -, parece soar exatamente como um produto isolado de qualquer interferência, influência mercadológica ou expectativa. É uma Fresno nova, que causou estranhamento em parte dos fãs e, sinceramente, que deu um passo largo em uma direção pouco explorada antes.

“Eu comecei a escrever músicas em 2013. Tem músicas desse disco que inclusive são de antes. Daí um amigo meu falou em escrever um musical, eu quis escrever um musical, escrevi muitas músicas loucamente e, a partir daí, fiquei com vontade de fazer músicas que contem uma história. Isso não precisa ficar claro, mas eu queria contar uma história, e o disco conta uma história, em ordem”, explicou o vocalista Lucas Silveira, em entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

Como em um musical, as faixas têm bastante presença de orquestra. Algumas delas – como O Ar – são minimalistas, com poucos instrumentos e clima intimista. Em outras, não há sequer refrão. Entre os destaques estão Poeira Estelar, Axis Mundi e Hoje Eu Sou Trovão, esta com a participação especial de Caetano Veloso. Até a forma de cantar é mais épica, em alguns momentos com um lirismo que lembra uma ópera-rock e muitos falsetes.

A impressão que se tem é que foi um álbum composto inteiramente no piano, sem dúvida um dos instrumento mais presentes. Apesar disso, essencialmente, o velho Fresno está lá, com letras com temática profunda, contestando a insignificância  humana diante de um universo que nos reserva sabe-se lá o quê. O melancolia inerente nas letras de Lucas dá as caras constantemente, agora com outra roupagem. Vai ser interessante ver como a banda vai reproduzir tudo isso ao vivo. E se essa nova fase vai se mesclar bem com o restante da obra – essa sim uma peça com contornos épicos em sua história.

 

Ouça A Sinfonia de Tudo Que Há no Spotify

Fórmula musical: D-D-Djent

Como é difícil gostar de um estilo musical que mais ninguém do seu círculo social gosta. O Djent – e o metalcore, no geral – é motivo de piadas entre mim e meus amigos, que sempre citam “aquelas músicas lá que você curte” para falar sobre o lado mais extremo da meu ecleticíssimo gosto musical. Eu, por outro lado, me divirto colocando sons pesadíssimos enquanto eles estão no carro, só para ver as caras de espanto e susto. “Não dá pra entender o que ele canta” é normalmente o primeiro comentário. Aí eu tento explicar o que é Djent.

Como é difícil fazer isso por texto. Talvez porque o estilo seja quase onomatopéico: os break-downs do metalcore, marcados pelo pedal duplo da bateria, ficam mais intensos e marcados, ritmados ao longo de toda a canção. Guitarra e baixo trabalham especialmente com a mão que segura a palheta – sem chance de tocar essas músicas no finger picking – e a afinação é baixíssima.

O nome Djent é, em si, uma espécie de onomatopéia: diz respeito ao som da guitarra quando as cordas são tocadas ao mesmo tempo em que são abafadas com a palma da mão. Os maiores expoentes internacionais são Meshuggah, Born of OsirisVildhjarta, mas há também boas bandas brasileiras que incorporaram as características, como John Wayne e Sea Smile – ambas cantam em português e fazem trabalho que nada deve ao resto do mundo.

A verdade é que Djent é uma denominação muito curiosa e que é encarada com extremo bom-humor, como você pode ver nos vídeos ao redor desse texto. A onda do Djent é também impulsionada por memes e piadas que circulam nas redes. Eu sempre tento fazer essas piadas com meus amigos, mas ninguém me entende.

Temos uma playlist de Djent no Spotify. Siga o Não Toco Raul!

 

 

Cool Covers: I believe in a thing called love

Este não é mais um cover no qual o intérprete pega uma música consagrada e apenas traduz para qualquer outro estilo alternativo.

Então vamos por partes.

The Branches é um quarteto americano baseado na Califórnia – os membros sequer moram na mesma cidade, espalhados entre Los Angeles e São Francisco – que conseguiu alguma relevância com seus mais de 1 milhão de visualizações distribuídos em alguns covers muito interessantes. Este é, de longe, o melhor deles. Ok?

I believe in a thing called love é o maior e primeiro hit da banda britânica The Darkness, o único a ganhar destaque global, embora o grupo seja muito conhecido em toda a Europa e Estados Unidos. O The Darkness faz uma mistura de hard e glam-rock de boa qualidade, com vocais agudos e muitos solos. Deu pra ter uma ideia?

Pois bem. Aí aparece o The Branches, com seu indie-folk-fock muito característico, vocais leves e camadas e mais camadas de instrumento. O trunfo é ir além de simplesmente colocar banjo na música, mas construir a canção com uma levada nova a princípio e encorpá-la ao longo do caminho até o final. Misturou tudo. Ficou muito bom.

Todos menos eu: Anavitoria

Não se sabia que Tiago Iorc, cantor que tem ganhado cada vez mais visibilidade depois de lançar o ótimo Troco Likes (2015) – e depois do clipe com Bruna Marquezine e da parceria com Sandy, claro – era também um descobridor de talentos. Anavitoria é a nossa primeira prova: um duo formado por Ana Clara Caetano e Vitória Falcão, meninas de Araguaína, no Tocantins. Elas enviaram um vídeo ao cantor e ganharam, na sequência, um EP e um álbum, homônimo e bem recebido.

Tudo isso todo mundo já sabia, menos eu, que descobri o duo nas sugestões do spotify e fiquei muito impressionado com a sensibilidade na hora de escrever as letras. A maioria delas é de Ana Clara, que toca violão e que, a princípio, convidou Vitória para gravar vídeos para o Youtube.

Elas pintam imagens nos versos, como quando cantam “Ei, você que se alojou nos meus olhos e na minha boca, por que não tá aqui?” em Nós. Ou então quando em Singular ela avisa: “mesmo se você brigar, eu te enlaço e não me permito soltar, pro nosso nós não deixar de ser assim: tão singular”.

Aí entra Tiago Iorc produtor, embora assine também algumas faixas no álbum e faça participação especial em Trevo (tu). Ele transformou as meninas, de um duo acústico desses como outros milhões no Youtube, em Pop Rural. A maior parte das músicas tem linha de viola caipira e banjo, e o fato de tocá-las com banda também as descola dessa imagem. Ainda melhor, porque as duas passam ao largo da estética de artistas como Colbie CaillatJason Mraz – talvez um pouco mais para Maria Gadú e Tiê, mas, ainda assim, bem original.

Resumindo, não é pop e não é sertanejo. É, de fato, interessantíssimo, ainda mais porque a cultura sertaneja é parte da vida das duas no Tocantins, enquanto que a cultura pop vem da internet, do Youtube e redes sociais. Pra complementar, as duas cantam muito bem e têm um carisma que é uma mescla de uma suposta ingenuidade juvenil e uma tranquilidade inabalável na hora de executar as músicas.

E além delas, Tiago Iorc? O que mais vem por aí?

Shimbalaiê, a origem

Maria Gadú compôs Shimbalaiê aos 10 anos de idade. A então menina passava férias com a família quando a canção surgiu, ao observar um pôr do sol na praia. Em 2009, quando estava para completar 23 anos, a música estourou nacionalmente (depois fez sucesso até na Europa), colocando a artista no rol de grandes performers da música brasileira, especialmente porque seu primeiro disco, homônimo, acompanhou o sucesso. Pronto, essa é a origem, muito simples, da música.

Desde então, a cantora nos quis fazer acreditar que a gênese da palavra Shimbalaiê é tão simples quanto essa história toda. “Criança inventa palavra, né?”, disse, em entrevista à Saraiva Conteúdo. Inventa, Maria Gadú. Mas não só criança. A música brasileira está cheia de exemplos de neologismos muito famosos, desde coisas onomatopéicas como “tchurururu” até a “tonga da mironga do kabuletê” de Toquinho e Vinícius de Morais.

Mas não Shimabalaiê.

"vai, conta mais"

“vai, conta mais”

O termo, vamos concordar, é um tanto quanto complexo pra ser simplesmente uma invenção infantil. E ele na verdade tem significado. Talvez tenha chegado à pequena Maria Gadú por alguma referência que, pelo menos até agora, ninguém encontrou explicação, mas trata-se de uma palavra de origem africana, originalmente grafada Ximbhalaijè e que significa a junção de Deus com a natureza, algo divino e belo, um sentimento bom, portanto.

Não faltam outras teorias pouco críveis, que vão da ligação da cantora com orixás até a invocação de demônios com o termo. Mesmo o sobrenome dela atrai especulações: a cantora se chama Mayra Corrêa, mas adotou o sobrenome Aygadoux do homem que adotou como pai; a “simplificação” da pronúncia leva ao termo “Gadú”. Ok, talvez as coisas com ela sejam mesmo simples. A gente é que complica.

Uma crítica rude sobre Rude, do Magic!

A revista americana Time elegeu Rude, do Magic!, a pior música de 2014, então eu já sei que não estou sozinho nessa. Rude é o grande sucesso dessa banda canadense de reggae – o que, por si só, já é algo diferente de se ver. Está no primeiro álbum, Don’t Kill The Magic (2014) e fez um sucesso absurdo no mundo todo – foi número 1 do ranking da Billboard nos Estados Unidos, Reino Unido e Brasil, por exemplo. Basta ouvi-la uma vez e pronto: já dá pra sair cantando. O problema é o que é cantado.

É uma questão de postura. Na música, o sujeito levanta cedo num sábado, veste seu melhor terno e sai de carro a toda pra ir à casa da namorada conversar com o pai dela, um sujeito conservador. Ele bate na porta “com o coração nas mãos” e pede: “posso ter sua filha pelo resto da minha vida? Diga sim, diga sim, eu preciso saber”.  A resposta é desagradável: “você nunca vai ter minha benção enquanto eu viver. Só lamento, meu amigo, mas a resposta é não”. Aí vem o ponto crucial. Como reagir?

O refrão de Rude é um choramingo dizendo: “por que você tem que ser tão rude? Você não sabe que eu sou humano também?”. E ele ainda complementa, como quem dá de ombros: “vou casar com ela mesmo assim”. Fica no ar uma sensação de “eu nem queria sua aprovação mesmo”.

O protagonista tinha várias estratégias a seguir, desde a diplomática (tentar convencê-lo, provar-se uma cara responsável, atencioso ou o que for necessário) até a mais radical (confrontar o sogro pra valer, fazer ameaças). Ele escolhe a mais frouxa de todas: faz birra na porta da casa da namorada. Estamos sendo rudes demais nessa crítica?

Talvez fique essa impressão porque Rude é, na verdade, uma adaptação: a versão original foi feita pelo vocalista Nasri para uma ex-namorada, com quem tinha uma relação conturbada. O verso “por que você tem que ser tão rude” é na verdade pra ela. “Ela era rude, eu era rude. Nós estávamos em um momento rude”, esclareceu, em entrevista a uma rádio canadense. “Foi assim durante todo o relacionamento. Isso foi o que nos manteve juntos e o que acabou nos separando”, complementou.

Eventualmente, a banda decidiu trocar a letra, e aí apareceu essa história de pedido de permissão para casamento. Não é algo baseado em fatos reais – aliás, Nasri não casou com essa tal garota e também não namora ela agora. O curioso é que Rude gerou uma série de paródias. Por partes:

1. O pai super protetor.
Nessa versão, feita pelo pai da garota em questão, a pergunta é feita é: “você diz que ter minha filha pelo resto da sua vida, bem você vai ter que fazer mais do que hambúrgueres e fritas pra isso. Saia do porão da sua mãe e faça alguma coisa”. No refrão: “por que você me chama de rude? Por fazer algo que qualquer pai faria?”. E ainda com ameaças: “(se você) casar com essa garota, vou socar sua face”.

2. A filha feminista
Ah, a versão da filha: ela na verdade se surpreende por ver o pai e namorado brigando pra saber quem vai ficar com ela. E quem disse que ela quer? O refrão mostra isso: “vocês dois estão sendo brutos, vocês sabem que eu sou uma pessoa também. Agindo como pessoas controladoras, ninguém perguntou minha opinião”. Tomem essa os dois.

3. A mãe conservadora e religiosa
Essa é a versão mais bizarra. A mãe na verdade é uma religiosa fervorosa que avisa ao namorado: você não é o cara certo pra minha filha porque não aceitou Jesus ainda. O refrão termina com “antes de casar você precisa rezar”. E depois ainda vem: “casar com a minha filha? Ela precisa de um homem de Deus”.

O álbum de estreia do Magic! é repletos de músicas nesse formato de Rude: uma espécie de pop-reggae extremamente moderno, pra cima. A maior parte das canções fala sobre relacionamentos. E nenhuma é Rude.

Slut Like You, A Origem

Pink cantou Slut Like You ao vivo pela primeira vez em uma apresentação em Los Angeles, em setembro de 2012. Antes de executá-la, avisou: “essa é a minha forma nem um pouco sofisticada de, como feminista, tomar o poder. E acreditem, não é nem um pouco sofisticada“. Essa é a origem da música: um desejo feminista não de subjugar o sexo oposto (apesar dessa coisa de “tomar o poder”), mas de igualdade. Fosse no Brasil, viria acompanhada de qualquer hashtag do tipo #somostodosvadias. É um recado bem direto.

Isso fica bem claro pela forma como ela abre a música. “I’m not a slut, I just love love” (“não sou uma puta, eu apenas amo o amor”). Esse é o mote, e desde o princípio ela deixa bem claro que não tem muita paciência para quem não aceita essa postura. Pink descomplica totalmente o sexo casual: se ela quiser só uma transa, então vai ter uma transa apenas. É tão assim que ela faz pensar: puta sou eu, a mulher, ou você, espertão?

pinkA cantora subverte essa lógica no segundo verso, quando diz que está sentada com as amigas escolhendo com quem vai transar – e os garotos estão loucos por isso. Faz isso principalmente quando diz, já a um rapaz, “you think you call the shots“, um verso ambíguo porque significa “você acha que é quem toma as decisões”, embora shots faça referência também a dose de bebida – por tradição, os homens pagam as bebidas das mulheres, mas não é isso que vai acontecer. Pink usa um tom tipo “bebe aí, sua carona já foi embora e a coisa vai ficar interessante…”

O verso “You’re just my little friend” que ela tanto repete na música é extremamente irônico: você é apenas meu amiguinho significa que nada, além do sexo, importa. Sem necessariamente sentimento. E quando ela canta isso, entra o refrão, com referências diretas a essa noite de sexo casual. Com berros e vocalizações onomatopéicas, ela “arranca um pedaço de você”, diz que só queria mesmo um “bobinho” para transar e ainda te conta um segredo: “eu sou uma puta como você”.

Na ponte depois do segundo refrão, ela reforça o tom feminista ao dizer “você não ganha um prêmio por esses olhos arregalados. Eu não sou pipoca com caramelo (“cracker jack, no original, uma marca de pipoca, um doce, algo manipulável). Você não pode entrar a menos que eu deixe”. E é de novo irônica, com a pergunta “qual é o seu nome mesmo?” e o aviso: “a conta, por favor“.

Slut Like You não soa como uma lição de moral chata porque a música é muito boa: tem um riff chamativo, é agitada e explode no refrão – dá até para relacionar com uma boa noite de sexo mesmo. É o lado da Pink que muita gente gosta: mais Get This Party Started e menos Just Give Me A Reason. Acima de tudo, é um recado. E a origem dele é essa.

slut like you2

Aqui, a versão ao vivo citada no começo do texto

Slow dancing in a burning room, a origem

slowdancingSlow dancing in a burning room é a oitava música do álbum Continuum (2006), o terceiro na carreira de John Mayer e aquele em que ele redefiniu seu som, adicionando elementos de blues e soul music. Ela sequer foi explorada como single, mas está entre as preferidas do público e foi incluída em DVDs e outras compilações. John Mayer tocou-a nos dois shows que fez no Brasil, em 2013. Além de tudo isso, trata-se de uma belíssima metáfora.

Pintar essa incrível imagem – dançando lentamente em um cômodo em chamas – foi a forma que John Mayer encontrou para definir um relacionamento problemático que se encaminha para um fim dolorido, mas do qual os envolvidos continuam se aproveitando. O mundo está desabando ao redor e não há como escapar, mas eles seguem juntos, dançando lentamente, olhando nos olhos um do outro. A origem dessa música é também sua consequência: dor.

John primeiro avisa que a coisa é séria, não apenas mais uma briga seguida por um período de calmaria. Trata-se de um “último e profundo suspiro desse amor em que estivemos trabalhando” – a hora é essa, portanto. A explicação vem na segunda estrofe, em que mostra que não tem mais o controle da situação e que essa relação já deu alarmes falsos demais. Como na parábola do menino e do lobo, ninguém mais leva a sério o perigo, diante de tantas ameaças que se mostraram infundadas.

Ou seja, slow dancing in a burning room.

Esse quadro ruim é melhor descrito na terceira e quarta estrofes. John reconhece: eles eram tudo o que sonharam para si mesmo. E aí começam os problemas. “Eu vou tirar o máximo dessa tristeza”, diz ele, prometendo se reerguer. “E você vai ser uma vaca, porque você sabe ser assim. Você vai tentar me acertar para me machucar, então vai me deixar me sentindo mal porque não consegue entender”. Ela, portanto, não reconhece essa situação como tão grave.

Aí ele sugere: “vá chorar, vá”. E avisa: “querida, estamos dançando lentamente em um cômodo em chamas”.

A música termina com John Mayer fazendo perguntas retóricas. “Você não acha que já deveríamos saber disso? Você não acha que deveríamos ter aprendido?” Talvez. Talvez ela tenha falhado em perceber todos esses problemas. Eles certamente falharam em deixar tudo chegar a esse ponto. Mas assim é fácil falar. Com o clima que ele cria na música e essa letra, até o ouvinte se sente dançando lentamente em um cômodo em chamas.

PS. Essa arte sensacional do tumblr Scratching Colours

Slow Dancing In A Burning Room

Projota, o romântico

O rapper Black Alien – aquele que cantou no Planet Hemp e tem um único e excelente disco solo, Babylon by Gus – canta na música Timoneiro: “cai o muro de Berlim e as rádios tupiniquins ainda amarelam de tocar algo assim”. Este ano, o fim da divisão da Alemanha completou 25 anos. Quando caiu o muro, o mundo mudou – acabou a Guerra Fria, o capitalismo venceu e os Estados Unidos se tornaram potência hegemônica. A ditadura estava no fim no Brasil, a tecnologia avançava a passos largos. E, mesmo assim, o rap ainda não tocava nas rádios. Vamos a 2014. A coisa começou a mudar, mas ainda não há uma cena rapper no mainstream. Quem capitaneia, nesse momento, esse nicho é Projota, o romântico.

Projota lançou esse ano seu primeiro álbum por uma grande gravadora, Força, Foco e Fé. Mesmo que você não tenha ouvido um acorde dessas músicas, provavelmente já conhece a voz do rapper. Ele está estourado nas rádios com o hit Cobertor, ao lado da funkeira Anitta, mas também já cantou em Deixo Você Ir, do Onze20, e Se Joga, do Strike. Mais conhecido do que ele no mundo pop mainstream, só se for algo do Marcelo D2 ou a música Vagalume, que tem o rap do Pollo, mas faz sucesso pelo refrão de Ivo Mozart. Em todos esses trabalhos, Projota rima de forma descontraída, divertida e romântica. E isso é bem o estilo dele.

Não que não tenha o lado mais pesado em seu trabalho. Pelo contrário. Basta ouvir Samurai, Pra Não Dizer que Não Falei do Ódio e Fatality, para dar um exemplo de cada mixtape lançada de forma independente por ele até hoje. Na última delas, Muita Luz (2013), ele já dava o tom que acabaria por se destacar com a música Mulher, com participação de Marlos Vinícius, do Onze20: o refrão e a ponte têm melodia marcante que contrasta com o verso, no qual o flow e a raiva de Projota estão bem suavizados. Funciona, e essa fórmula ele levou para o novo trabalho.

Três músicas do disco novo são marcantemente românticas. Enquanto Você Dormia mostra um homem apaixonado, curtindo esse momento enquanto observa a namorada dormir. O Vento é mais uma declaração de um cara que encontrou “a paz pro Oriente Médio do meu coração”. Foi Bom Demais, por outro lado, é quase um pedido de desculpas para uma relação que acabou, mas deixou boas lembranças depois das mágoas iniciais. Elas vêm uma em sequência da outra no disco, nessa exata ordem, o que provavelmente não é coincidência nenhuma. Isso sem contar Mulher, que foi incluída de novo em Força, Foco e Fé.

Em entrevista ao portal Terra, Projota declarou que o objetivo do novo álbum é mesmo bater de frente no mainstream, tocar na rádio. Provavelmente, essas músicas cumpram um papel importante nesse plano. De quebra, ele consegue cada vez mais público feminino. “Elas gostam, principalmente quando eu faço musica romântica, e aí agrega, porque elas começam a ouvir o meu trabalho e conhecem o resto, as outras musicas mais pesadas, e gostam, e isso é muito louco”, comentou. Sobre a preocupação com o romantismo, ele foi sincero: “eu nao posso ficar me policiando, porque eu não me policiei para chegar aonde eu cheguei. Se eu começar agora, talvez seja um problema“.

Projota é romântico mesmo e é bom no que faz. Não vai surpreender se muitas de suas músicas tocarem em novela, propagandas e rádios. É assim, também, que o rap conquista seu espaço.

EXTRA

Você já ouviu, então, a música do Projota com a Anitta, Cobertor. Sugiro que ouça, também, a versão que parece ser a embrionária. Ela está como faixa extra no Foco, Força e Fé. É mais swingada, mais agitada e menos solene. Mais divertida, portanto.