Mais legal do que o gingado que o Exaltasamba coloca nesse clássico da Disney é o fato de o cover feito pelo grupo de pagode ter Thiaguinho, com sua ousadia e alegria, no papel de Simba, justo em uma música em que ele inocentemente sonha com poder – se vocês viram o filme, sabem que pouco depois ele estaria “rindo do perigo”. Zazu, o conselheiro real, é encarnado por Péricles. Então é claro que a versão do Exaltasamba para “O que eu quero mais é ser Rei” é divertidíssima. Mas não é de graça, claro.
A música faz parte de uma coletânea lançada pela Disney em 2010 chamada “Disney Adventures in Samba”, que reúne os maiores nomes do samba brasileiro para recriar as músicas temas dos maiores filmes da empresa. E essa não é a única ação feita nesse sentido: há também Disney Adventures in Bluegrass, Jazz, Country, Reaggae e Bossa Nova – essa, com mais vários outros brasileiros. São muitos Cool Covers, alguns deles muito interessantes. O Não Toco Raul separa para vocês os melhores.
Lucas Silveira, vocalista e principal compositor da Fresno, tem hoje 30 anos de idade e já vivenciou muita coisa nessa vida. Viveu tanto que lançou, só com a banda, seis álbuns e dois EPs – sem contar os projetos paralelos chamados Visconde, Beeshop e SirSir. Suas letras são desde sempre carregadas de emoção, potencialmente inspiradas em situações reais, provavelmente pessoais, além de conter uma espécie de visão de vida. Isso significa que nada na obra da Fresno é superficial, dos amores adolescentes às temáticas de auto-ajuda. Um dos aspectos menos evidentes e mais recentes é o ódio pela “televisão” – ou seja, a imprensa.
Há diversas menções diretas a ela nos últimos trabalhos da Fresno, assim como referências à imprensa de modo geral. Em alguns casos, dá pra entender a televisão como uma entidade reguladora, que julga a todo tempo e controla sua vida pública. Em outras, ela é aquele vilão clássico, alienador e manipulador. É impossível não fazer ligação direta com a velha polêmica do som emo, dos rótulos distribuídos a esmo e da maneira depreciativa que a banda foi encarada em um período da carreira, mas que reverbera até hoje. (Pra entender melhor, há o documentário Do Underground ao Emo, que conta como a forte cena do hardcore foi traduzida meramente em estética pelo mainstream com ajuda da grande imprensa nos Anos 2000).
Isso fica evidente porque as primeiras referências não são exatamente negativas. Elas estão primeiro em Quebre as Correntes, música do álbum Ciano (2006), aquele que popularizou a banda. “E o quê dizer quando sua vida não é igual à da TV?”, canta Lucas. Depois, aparece de novo no álbum Redenção (2008), o primeiro da banda por uma grande gravadora (Universal Music). Na música-título, ele avisa: “desligue o rádio e a TV porque no seu domingo vou aparecer”, enquanto que em Europa relaciona a TV a “imagens do passado”, a um pesadelo do qual não há como acordar. Nada muito grave, portanto.
Mas foi com o Redenção (2008) que chegou ao auge a rotulação da Fresno, que deixou de ser vista como uma banda cool para fazer parte de uma estética vazia e afetada. Isso foi potencializado com um disco que a banda, hoje em dia, enxerga com ressalvas. O álbum seguinte, não por acaso chamado Revanche, foi escrito pra provar que a banda era rock suficiente. Lucas admitiu, no documentário feito na gravação do EP Maré Viva, que, por mais doido que pareça, Revanche se destinou àqueles que não gostavam de Fresno.
A TV, essa entidade que conta as histórias do dia-a-dia e influencia milhões de pessoas, não foi poupada, e a partir daí as referências à imprensa aumentaram exponencialmente. Em Deixa o Tempo, Lucas canta: “Queria tanto estar em casa vendo mentiras na televisão”. Em Relato de um Homem de Bom Coração, ele desabafa: “de que adianta abrir os olhos se sei que os flashs são pra me cegar”. Em A Minha História Não Acaba Aqui, a mais representativa do álbum, elenca: “vão te vender sem saber o que há por dentro e vão achar que com alguns trocados podem te comprar, vão encontrar mil maneiras de rotular”.
Do Revanche para frente, todas as referências são negativas. Como, por exemplo, na música A Gente Morre Sozinho, do inexplicável EP Cemitério das Boas Intenções (2011): “enquanto pintavam os muros de sangue pra vender jornais”. Ou como em Farol (Infinito, 2012): “mas saiba que o teu olho me emburrece mais que as mentiras que eu li nos jornais de ontem”. No mais recente EP, Maré Viva (2014), o mesmo ocorre em À Prova de Balas: “sente o veneno que sai da tua televisão, eles vão dar uma festa pra nossa extinção. Quem muito mostra, esconde e engana quem vê de longe”.
O NTR é imprensa? Sei lá. Só sei que aqui estamos mais uma vez tentando interpretar as músicas do Fresno, dando significado a algumas coisas que, como temos a humildade de admitir neste momento, podem nem ser isso mesmo. Mas que esse ódio pela televisão faz sentido, faz. Talvez seja uma espécie de bode-expiatório, uma forma de canalizar esse incômodo que, se não é culpa da “televisão”, foi amplificado e popularizado por ela – de qualquer maneira, eu ainda acho que, sim, é culpa da televisão como principal componente do mainstream.
Diz um ditado americano: those who tell the stories rule the world. Isso tudo é o Fresno brigando para poder contar a sua própria história, em vez de amplificá-la por outros meios.
O ano é 1994. Um negro dirige por uma rodovia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e ele tem cocaína escondida no carro. Ele olha no retrovisor e vê “A Lei” se aproximando, sirene e giroflex ligados. Por um momento, cogita pisar fundo e arriscar uma perseguição mas… tudo bem, ele tem dinheiro, pode encarar a ocorrência de uma forma ou de outra. “Filho, você sabe por que eu mandei você parar?”, pergunta o policial. Muita coisa passa pela cabeça do rapaz – questões raciais e sócio-econômicas, principalmente. Ironia e impaciência se misturam: “estou sendo preso ou tem mais nisso aí?”.
“Bem, você estava 2 km/h acima do limite. Documentos e, por favor, desça do carro. Você está armado? Eu sei que muitos de vocês andam armados“, diz o policial. Definitivamente, questões raciais e sócio-econômicas fizeram a diferença. Mas este negro sabe o que está fazendo: não vai descer do carro, e isso é tão certo como a validade de sua documentação. “Bem, você se importa se eu olhar seu carro um minuto?”, pede “A Lei”. Mas é claro que não. “Meu porta-luvas está trancado, assim como meu porta-malas. Então, você vai precisar de um mandado de busca“, rebate o rapaz.
O policial se impressiona: encontrou pela frente um espertinho. “Então você deve ser um advogado, alguém importante ou algo do tipo”, provoca. “Não”, responde o negro. “Não estou acima da média, mas sei alguma coisa. Sei o suficiente para você não revistar ilegalmente as minhas coisas“. A tensão é cada vez maior. “Bem, vamos ver se você vai continuar espertão quando a k9 chegar (Unidade Canina, em inglês, responsável pelos cães farejadores)”. Estacionados à beira da rodovia, eles veem justamente a viatura com a inscrição k9 passar a toda, com qualquer outro destino.
I got 99 problems, but a bitch ain’t one.
Esse é o cerne da música 99 Problems, sucesso de Jay-Z parte do “Black Album” lançado em 2004. Dez anos antes, o próprio rapper foi parado pela polícia, na sua opinião, apenas por ser negro. A letra criou polêmica nos Estados Unidos e levou a uma investigação que comprovou que a polícia de Nova Jersei abordava mais suspeitos negros do que brancos nas mesmas condições. Em 2011, um professor de direito fez a análise da letra e indicou que Jay-Z estava errado ao sugerir que um policial não poderia obrigá-lo a descer do carro ou que seria necessário um mandado para revistar o veículo.
Polêmicas a parte, a música é mais um dos argumentos dos que alegam a “genialidade” de Shawn Carter, nome verdadeiro do rapper. O refrão é ambíguo: começa com “If you’re having girls problems I feel bad for you, son” (se você está tendo problemas com garotas, eu sinto muito por você, filho). “I got 99 problems, but a bitch ain’t one”, completa. A palavra “bitch” poderia ser interpretada como referência a uma “mina”, mas na verdade diz respeito às cadelas que poderiam farejar o carro de Jay-Z, descobrir as drogas escondidas e dar razão ao policial.
Até Barack Obama já citou a música mais de uma vez. Em 2009, Jay-Z se apresentou em um evento exclusivo para financiadores da campanha que elegeu o primeiro negro presidente dos Estados Unidos e cantou 99 problems, mas alterou o refrão para “I got 99 problems, but a Bush ain’t one”, em referência ao ex-presidente George Bush. Já em 2013, em um encontro com jornalistas na Casa Branca, Obama mostrou senso de humor ao comentar os rumores que indicavam visita do rapper a Cuba. “É ridículo. Eu tenho 99 problemas, e agora Jay-Z é um deles“.
Banda de metal/hardcore de São Paulo, o Project 46 estava com a gravação seu primeiro álbum encaminhada quando resolveu incluir uma hidden track com letra em português. A coisa funcionaria como um teste, uma música diferente em meio ao álbum todo cantado em inglês. Quando a faixa ficou pronta, o impacto dela foi tão grande que deixou os cinco integrantes em dúvida. Ficou bom. Será que o resto delas também soaria bem se traduzida também? “Por que cantar em português?”, perguntaram-se.
Project 46
As referências do headbanger brasileiro padrão são gringas, não só porque o estilo foi criado e aperfeiçoado fora do País, mas também porque boa parte das principais bandas daqui faz música em inglês – Sepultura e Korzus são exemplos. Assim funcionava com o Project 46 também. Antes de formar a banda, o quinteto integrava um cover de Slipknot. O primeiro EP, If You Want Your Survival Sign Wake up Tomorrow (2009), tem quatro faixas em inglês. Dois anos depois, eles resolveram arriscar: passaram todas as letras para português. Os efeitos disso são muito interessantes.
Primeiro porque algumas músicas foram traduzidas quase que fielmente, sem grandes adaptações. Wake Up, do EP inicial, virou Acorda Pra Vida no primeiro álbum, intitulado Doa A Quem Doer (2011), assim como If You Want agora é Se Quiser e Tomorrow é Amanhã Negro. Survival Signs, por sua vez, foi uma das músicas bem alteradas, transformando-se em No Rastro Do Medo. De qualquer maneira, a temática é a mesma: porrada, desgraça e a luta para superar os medos, problemas e dificuldades. Cantar em português, por fim, acabou fazendo toda diferença para o Project 46.
O principal motivo é a identificação com as letras. O guitarrista Vinícius Castellari explicou, em entrevista ao site Whiplash, como é muito mais relevante e significante para o fã gritar um palavrão em português do que em inglês. A gente enche a boca pra falar “Acorda pra vida, caralho”, muito mais do que faria com “Wake up to your life, bastard”, como no original. Além disso, não dá para deixar de notar como a dicção do vocalista Caio MacBeserra em inglês é contestável, enquanto que em português ele consegue marcar melhor as sílabas. Apesar do vocal gutural, dá para entender o que é cantado.
Capa do novo disco
Em português, o Project fala a língua dos fãs, com frases como “Aqui se faz, aqui se paga”, “Então cola na grade e vem” e “Abre a roda ou sai fora”. O efeito disso no show é devastador, da maneira como tem que ser quando um metal é tocado. Resta, então, o nome em inglês, que provavelmente não será trocado. É uma herança dos tempos de Slipknot cover, quando Jean Patton e Vini Castellari resolveram formar a banda. No cover, Patton era o #6, o palhaço, percursionista e backing vocal, enquanto Castellari imitava o #4, guitarrista.
“Project forty-six”, mas eles não se incomodam se a pronúncia mudar para “Project quarenta e seis” ou mesmo “Projeto quarenta e seis”. A banda nunca foi tão engajadamente brasileira como agora. O álbum novo já está pronto, vai se chamar Que Seja Feita a Nossa Vontade e terá, em sua capa, arte do grafiteiro Will Ferreira, conhecido por retratar questões sociais do País em seu trabalho. Uma música já foi liberada: Empedrado, sobre vício em crack, uma questão mais do que atual. Daria para falar disso em inglês? Claro. Mas não teria o mesmo impacto. Em português, o Project 46 é mais relevante. Essa é a resposta para aquela pergunta. E eles acertaram.
Compare as letras do Project 46 em inglês/português (links com vídeo)
Pumped Up Kicks colocou o Foster the People no mapa mundial da música. Foi a primeira música gravada pela banda de Los Angeles, embora o vocalista Mark Foster já tivesse outras canções previamente arranjadas. No começo de 2010, ela foi colocada na internet para download gratuito e rapidamente viralizou-se: a revista Nylon a usou como trilha para uma propaganda online, e com ela eles se apresentaram no festival South by Southwest, em Austin, em uma performance aclamada. De repente, Foster começou a receber propostas e mais propostas. Pumped Up Kicks iluminou o caminho do trio, mas sua origem é absolutamente obscura.
Em quatro minutos e quinze segundos, Mark Foster apresenta ao público o massacre feito por um estudante em uma escola, exposto na visão perturbada do assassino. O refrão, que faz com que a música seja um daqueles sucessos que grudam na cabeça, é quase um mantra do “Cowboy Kid“, o personagem principal: “All the other kids with the pumped up kicks you better run, better run, outrun my gun/faster than my bullet” (todas as crianças com os sapatos caros, é melhor vocês correrem mais rápido que minha arma/mais rápido que minha bala).
Massacre de Columbine
Foster compôs a música em um dia de pouco serviço no estúdio em que trabalhava fazendo jingles. Como disse à CNN, tentou entrar na cabeça de um adolescente problemático e entender o que se passa diante da crescente tendência de distúrbios. “Eu queria entender a psicologia por trás disso, porque era estranho para mim”, afirmou. A inspiração é o Massacre de Columbine: em 20 de abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold invadiram uma escola nos Estados Unidos fortemente armados e mataram 12 alunos e um professor, além de ferir outras 21 pessoas. Ambos cometeram suicídio.
O baixista Cubbie Fink tem uma prima que é sobrevivente do episódio, estava na biblioteca da escola no momento do tiroteio e vivenciou o massacre. A música, segundo a banda, é uma espécie de revanche. O personagem, Robert, é um garoto de “mãos rápidas” que vai “observar tudo, mas não revelará seus planos“. Ele tem uma aura de “cowboy“, com seu “cigarro pendurado na boca“. Robert acha uma arma no armário do pai, que trabalha muito e é ausente. Meio que sem motivo, Foster avisa: “he’s coming for you. Yeah, he’s coming for you” (ele está indo atrás de você. É, ele está indo atrás de você).
Foster the People
No segundo verso da música, Robert demonstra seus problemas psicológicos. A “mão ágil agora puxa o gatilho” e ele tem uma discussão com seu cigarro, dizendo “seu cabelo está pegando fogo, você deve ter perdido o juízo“. Essa continua sendo a música mais relevante do Foster the People, que em 2012 fez show muito bem avaliado no Lollapalooza, em São Paulo. Pumped Up Kicks é tão importante que o primeiro álbum da banda, Torches (2011), foi feito em virtude de seu sucesso e construído para que ela não reinasse solitária. Não quer qualquer outra música ameace seu destaque, mas o Foster the People continua aí, com muitos fãs que vão além dessa história trágica.
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Veja a letra completa de Pumped Up Kicks
Robert’s got a quick hand He’ll look around the room he won’t tell you his plan He’s got a rolled cigarette Hanging out his mouth, he’s a cowboy kid
Yeah, he found a six shooter gun In his dad’s closet, in a box of fun things And I don’t even know what But he’s coming for you, yeah, he’s coming for you
All the other kids with the pumped up kicks You better run, better run, outrun my gun All the other kids with the pumped up kicks You better run, better run faster than my bullet
Daddy works a long day He be coming home late, yeah, he’s coming home late And he’s bring me a surprise Cause dinner’s in the kitchen and it’s packed in ice
I’ve waited for a long time Yeah, the slight of my hand is now a quick pull trigger I reason with my cigarette Then say your hair’s on fire You must have lost your wits, yeah
All the other kids with the pumped up kicks You better run, better run, outrun my gun All the other kids with the pumped up kicks You better run, better run faster than my bullet
Há uma semana, a cantora Pitty postou em seu boteco-blog uma mensagem sobre a cantora Anitta e levantou uma polêmica que, até então, só existia entre ela e suas próprias fãs. A funkeira Anitta andou fazendo covers de músicas da Pitty, e a diferença de postura entre as duas irritou as fãs da roqueira. Foi como se fosse errado uma artista que trabalha exibindo o corpo e vendendo sensualidade cantar as canções de alguém que é exatamente contrária a isso. Não é bem assim.
Pitty deixou o caso muito bem explicado na mensagem, que o NTR reproduz abaixo. Os covers de Anitta, por sinal, são bem interessantes, bem fiéis. Ela canta muito bem e, de fato, não sensualiza durante as músicas. Vale a pena conferir esses Cool Covers.
Seu corpo é seu Por Pitty
Começou assim: alguém me avisou que Anitta tinha postado um trecho de uma música minha numa rede social. Depois me mandaram um link dela cantando Máscara ao vivo num show. Depois outro dela cantando Na Sua Estante. E eu achei divertidíssimo que alguém de um universo tão diferente estivesse ligada no meu som e reinterpretando-o a sua maneira. Isso já faz um tempo, e tudo o que eu sabia até então é que eu a tinha visto num clipe com uma fotografia massa. “Ah, é aquela menina do clipe bonito”, pensei. E o tempo foi passando, e as reações de algumas pessoas em comentários quando me mandavam os links começaram a me deixar intrigada-barra-preocupada. Geralmente meninas, e novas, com um discurso de “credo, essa menina cantando sua música, ela fica aí mostrando o corpo, sendo vulgar” etc, etc. Coisas desse tipo. Percebi que o que incomodava não era necessariamente o estilo, ninguém falava sobre mérito musical, cantou bem ou cantou mal, mas sim MOSTROU O CORPO. E até hoje, volta e meia alguém me escreve com esse papo. Sempre fui uma pessoa discreta, não curto expôr vida pessoal e nem sou afeita a ensaios sensuais; não por pudor, mas por sentir que a máquina patriarcal que opera esses mecanismos acaba sempre nos colocando como bibelôs à disposição- mesmo quando tenta nos convencer de que isso é exercer liberdade. Quando o fiz, procurei que fosse em um veículo no qual eu sentia que realmente esse exercício de liberdade estaria em primeiro plano. Enfim.
O que me deixou aflita e o que eu queria dizer para aquelas meninas que mandaram as mensagens é: NOSSO CORPO É NOSSO. Não deixe ninguém te dizer o contrário. Desfrute dele, assuma-o com a forma e tamanho que ele tiver, vivencie seu corpo- assumindo a responsabilidade que isso traz. Esse empoderamento é importante pra todas nós. Nós podemos usar a roupa que quisermos, podemos dizer o que quisermos, podemos ficar com quem quisermos, a hora que quisermos. Somos donas do nosso destino e estamos aqui para sermos felizes e nos sentirmos bem. O resto, meus amores, é só opressão.
Pra mim isso tudo é clichê de tão óbvio, mas achei que devia dizer.
Um abraço carinhoso pra todas, suas lindas. E em tempo: um beijo, Anitta!
PS: o clipe da “fotografia bonita” é o do grande sucesso de Anitta, Show das Poderosas. O diretor de fotografia é Thiago Britto.
Estávamos no meio Carnaval, a maioria na folia ou de folga, então talvez nem tenhamos percebido, mas encerrou-se o prazo para escolher as músicas do show que o Metallica vai fazer em São Paulo, no próximo dia 22. Todos que compraram ingresso para o evento no Morumbi, chamado Metallica by Request, puderam usar o código recebido na operação para acessar um site e votar em 17 das 18 que vão compor o setlist – uma delas será inédita. A conclusão disso é que perdemos uma grande oportunidade. A América Latina, no geral, perdeu.
Perdemos a chance de ver um show do Metallica como nunca seria possível. Como a banda corajosamente abriu a votação todas as músicas já gravadas, poderíamos ter escolhido uma apresentação com pelo menos alguns “lados Bs”, talvez as bem antigas, as desconhecidas pelo grande público, as boas músicas novas. Por quê não? Em vez disso, acabamos formando um setlist relativamente dentro do padrão, com grandes sucessos, ainda que baseado nos primeiros álbuns da banda. Será assim no Brasil, mas também em Bogotá (16 de março), Quito (18), Assunção (24), Santiago (26) e Buenos Aires (29 e 30). Lima (20) é a exceção.
Em todos os países, a música mais votada foi Master of Puppets – em Quito, onde teve a maior parcela de votos, alcançou 78%. Além dela, estarão em todos os shows as músicas Enter Sadman, Seek and Destroy, Fade to Black, The Unforgiven, Battery, Creeping Death, …And Fustice For All, Welcome Home (Sanitarium) e Ride the Lightning. É um baita setlist, e talvez seja essa a explicação para a homogeneidade da votação na América Latina: em um continente onde ainda é relativamente raro ver o Metallica, os fãs querem o melhor do melhor, os sucessos e os clássicos.
Basta olhar o exemplo da Argentina, a única a receber dois shows, e entre eles apenas uma música varia: Blackened dá lugar a Orion da primeira para a segunda noite. One foi a segunda música mais votada em todos os países, exceto na Colômbia, onde surpreendentemente sequer foi incluída no repertório – isso porque One foi o primeiro videoclipe feito pelo Metallica. Além de Blackened e Orion, outras músicas que aparecem em algumas listas são Whiplash e Fuel, a mais recente de todas, do álbum ReLoad, de 1998. Ao todo, a banda colocou mais de 200 músicas para votação. A América Latina reduziu tudo a 23 delas.
Metallica toca em São Paulo no Morumbi
Brasileiros e argentinos foram os únicos a escolher uma música que não é do Metallica: Whiskey In The Jar, canção folclórica irlandesa. Os brasileiros elegeram uma canção que ninguém mais quis: Wherever May I Roam. Nada disso se compara, no entanto, ao que fez o Peru. Foram eles os que melhor aproveitaram a votação, e definitivamente Lima receberá um show único.
Os peruanos abriram mão de sucessos como Nothing Else Matters, Sad But True e For Whom The Bell Tolls para incluir músicas da fase mais trash do Metallica. Serão os únicos que vão ouvir The Four Horseman (Kill ’em All, 1983), Fight Fire With Fire (Ride The Lightning, 1984) e Disposable Heroes (Master of Puppets, 1986). Eles ainda quase incluíram duas músicas do último álbum da banda, Death Magnetic (2008): All Nightmare Long e The Day That Never Comes. O Peru foi o país em que Master of Puppets teve o menor índice de votação, com 50%.
Não há explicação óbvia para esse cenário diferente. Talvez os fãs de lá sejam mais engajados com os primeiros álbuns. O que há é um caso de amor dos headbangers do país com o Metallica, banda que protagonizou o maior show da história do Peru, com 50 mil pessoas no Estádio Nacional de Lima, em 2010. Quatro anos depois, são definitivamente um ponto fora da reta sul-americana pela qual passarão James Hettfield e cia. Para o brasileiro, não há dúvida de que não restará lamento pelas músicas não escolhidas. O show será cantado do início ao fim. Vai ser, em grande medida, como nas outras vezes em que a banda esteve por aqui.
Raquel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT e autora de diversos comentários polêmicos nas bancadas por onde passou, dedicou ao Carnaval uma de seus primeiros desabafos que ressoaram nacionalmente. Há três anos, ainda pela TV Tambaú, da Paraíba, falou sobre os festejos que se iniciam nesta sexta-feira, em discurso com referências históricas, exemplos atuais e um aviso: essa não é uma festa popular. “Balela”, diz Raquel: “o Carnaval virou um negócio dos ricos”. Talvez o mundo não seja trágico como diz a jornalista, mas é de se pensar: Carnaval é business, assim como é business o seu grande hino.
Só o rótulo de hino do Carnaval baiano diz muito sobre a importância mercadológica da música We are Carnaval. Ela foi composta por Nizan Guanaes, um dos maiores publicitários do Brasil e do mundo. Nizan é um monstro do mundo publicitário, criador da agência DM9 (que depois se fundiu e virou DM9DD9), participou da fundação do iG (internet gratuita) e é presidente do Grupo ABC de comunicação. Já foi incluído pelo jornal Financial Times como um dos homens mais influentes do mundo (em 2010) e obteve destaque mundial em outras oportunidades.
Dá para imaginar o cuidado com que escolheu as palavras de We Are Carnaval em sua composição? Isso porque trabalhar com música tem sido rotineiro para Nizan no mundo publicitário. Ele é o autor, por exemplo, da propaganda do Guaraná Antarctica que virou hit nacional (pipoca na panela começa a arrebentar…). Também participou de campanhas presidenciais, e nelas compôs jingles e mais jingles. Não há como mensurar a contribuição comercial de We Are Carnaval para o festejo na Bahia. Comercial mesmo: com seus trios, abadás, pacotes de viagens, passaportes da alegria…
A música já começa em tom de propaganda oficial: “Ah que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, coração do Brasil. Vem, você vai conhecer a cidade de luz e prazer correndo atrás do trio”. Milhões de pessoas, ano após ano, pagam caro para poder fazer isso. “Vai compreender que o baiano é um povo a mais de mil. Ele tem Deus no seu coração e o diabo no quadril”. Genial, Nizan. Para fechar com chave de ouro, vem o refrão internacionalizado, mas de fácil compreensão. “We are Carnaval, we are folia. We are the world of Carnaval, we are Bahia”. Se isso não servir para business – ainda mais em ano de Copa…
Na verdade, Margareth Menezes cantou essa música acompanhada do Olodum no sorteio dos grupos da Copa do Mundo, realizado na Costa do Sauípe, na Bahia, em dezembro de 2013, e transmitido para o mundo todo. É de se perder a conta da quantidade de artistas consagrados que gravaram o sucesso: Ivete Sangalo, Jammil e uma noites, Asa de Águia e muitos outros. O responsável pelo sucesso dela foi Netinho, em 1996. Curiosamente, We Are Carnaval não foi veiculada como um jingle. Nizan compôs a música, e Ricardo Chaves gravou em 1991, sem grande alarde.
A melhor parte é que antes de ser o hino do Carnaval baiano, a canção foi usada como forma de arrecadar verbas para as obras de Irmã Dulce. Beatificada em 2011 e indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1998, a “beata dos pobres” lutou contra as desigualdades até sua morte, em 1992. Em honra a isso, ainda em 1988, mais de cem artistas se reuniram e gravaram um clipe cantando We Are Carnaval. Nenhuma parte da letra foi suprimida – nem “prazer“, nem “diabo no quadril“. Essa é a origem da música: a campanha realizada pela DM9 de Nizan Guanaes.
A pegada publicitária não tira a relevância nem a importância da música. E também não a deixa menos divertida. Mas que bom é saber que em cada “we are the world of Carnaval” temos também muito de business – mesmo com as melhores das intenções.
Talvez programas como Ídolos e The Voice tenham criado em todo nós a sensação de que há um padrão pra música cover de qualidade, de que bons intérpretes têm potência vocal e esbanjam técnicas de vibratto, sustain, etc. Boa parte das estrelas do Youtube – artistas com milhões de assinantes em seus canais – segue essa fórmula. O A Gente Nós, dupla formada em Blumenau, foge um pouco desse estilo. São versões simples, diretas, honestas e interessantes.
Tay Galega canta – altos dreads e um baita carisma – e Marlon Heimann toca, além de ajudar nos vocais. Os vídeos são muito bonitos também, bem ao estilo dos covers: bem acabados e sem frescura. Tay tem um “canal solo” no Youtube, com vídeos mais… for fun, mais do it yourself.
A Gente Nós toca de tudo, de Lenine a Chimaroots a Charlie Brown e Daft Punk. Também tem algumas músicas próprias. O quê exatamente são eles? Sei lá, estamos todos começando a descobrir. Na quinta-feira eles se apresentam ao vivo no Estúdio Showlivre. Enquanto isso, dá pra ir curtindo alguns cool covers.
Raimundos, aquela banda foda com som pesado, letras de duplo sentido e divertidas, influência nordestina e um jeito ímpar de falar sobre questões sociais – essa banda está mais viva do que nunca. Ela lançou álbum novo, Cantigas de Roda (2014), com 12 músicas para acabar de vez com a tristeza e a nostalgia que a perseguem desde 2001, quando o grupo se desmembrou no auge do sucesso, com saída do vocalista Rodolfo Abrantes, convertido em evangélico.
A questão aqui não é o ex-vocalista. Afinal de contas, já fazem 13 anos que ele deixou a banda – são dez anos sem sequer sua sombra no mainstream, desde o fim do Rodox. Aquele Rodolfo nem existe mais (o NTR falou sobre isso aqui). Ele recusou, por exemplo, participar do álbum acústico do CPM 22 porque a igreja “não permite“. O Raimundos com ele não é, há muito tempo, uma opção. Sem ele, agora voa com as próprias asas.
Não que a boa fase da banda seja novidade, com a formação incluindo o baterista Caio e o guitarrista Marquim consolidada. Em 2010, vi a banda tocar na Virada Cultural em São Paulo surpreendida e instável diante do mar de gente que se reuniu na Avenida São João. Meses depois, em festas de faculdade já se mostrava cada vez melhor. Voltou aos grandes festivais – em 2011 tocou no SWU, em 2012 voltou ao Planeta Atlântida, em 2013 fez o Circuito Banco do Brasil e 2014 reserva a ela o Lollapalooza, entre outros. Do Rio de Janeiro a Fortaleza a Goiânia e Curitiba, toca no Brasil inteiro.
Seu público não guarda mágoas, o que ficou provado com o sucesso da arrecadação da campanha de crowdfunding para a produção do disco novo. O objetivo inicial era chegar a R$ 55 mil. O resultado final, mais de R$ 120 mil – mais que o dobro, portanto. E esse sequer é o primeiro trabalho pós-Rodolfo: lançaram o Kavookavala em 2002, além do DVD Roda Viva (2010) e singles esporádicos como Jaws (2011). Todos esses aspectos contribuíram para quem a banda chegasse ao Cantigas de Roda em alta. A expectativa em torno desse álbum não poderia ser falsa.
Com dinheiro em mãos, o Raimundos gravou sem precisar se restringir, com produção de Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, em seu estúdio em Los Angeles (Estados Unidos), e participação especial de Sen Dog, do Cypress Hill, entre outras.
A primeira música é representativa em relação ao disco. Cachorrinha é um hardcore em que a porrada come solta com vocal cantado na velocidade da luz no melhor estilo Lapadas do Povo. Isso nunca vai tocar nas rádios. Quando Digão dizia, nos últimos meses, “vocês podem esperar tudo dessa banda, menos ela amansar”, não mentiu. É claro que há músicas com potencial radiofônico (Baculejo e Cera Quente, por exemplo), mas, em suma, o que se ouve é um passeio por todas as fases da banda – incluindo as baladinhas já citadas.
Tem reggae com arranjo de metais (Dubmundos), letras divertidas e sacanas (Importada do Interior e Gordelícia), contestação social (Politics) e o forró-core, com Gato da Rosinha, música de Zenílton, o compositor de tantas outras versões eternizadas pelo Raimundos, como Pão da Minha Prima e Tá Querendo Desquitar. Tem “piada interna” interna também. Em BOP, Digão pede “chame o José Pereira“, nome de Canisso. Em Nó Suíno, canta “vacilou os dente voa, mas o Caio bota cola“: baterista, Caio é também dentista em Brasília.
Cantigas de Roda é o álbum mais Raimundos desde que as pessoas passaram a se perguntar “isso ainda é Raimundos?”. Em BOP, Digão avisa: “enquanto os doido pedir, vamo continuar“. Em Politics, que fecha o disco, grita: “isso é Raimundos, caralho! Muito respeito!“. Não dá para ignorar: acabou a nostalgia.
Bônus: versão original de O Pão da Minha Prima, do disco O Cachimbo da Mulher (1981), nome de outro sucesso do forró que foi hardcorizado pelo Raimundos