Os Arctic Monkeys voltaram pra Sheffield – essa cidade pequena, no norte da Inglaterra, é onde eles cresceram e formaram a banda. Eles estão lá desde meados de dezembro e têm trabalhado sem pressa em um novo disco – foi o que o próprio Alex Turner disse para o jornalista Shamir Masri, da BBC local.
Há quem diga que eles ficaram americanizados, morando em Los Angeles e viajando o mundo em turnês – de fato, o sotaque inglês nortista foi suavizado. Por isso, essa volta às origens para trabalhar em um disco novo aumenta ainda mais as expectativas em torno do álbum. O último lançamento do Arctic Monkeys foi o aclamado AM, de 2013 (pois é, já faz tempo!). Estamos aguardando o disco novo ansiosamente. 😉
Enquanto isso, de volta às suas casas e à sua cidade natal, a banda aproveita para rever família e amigos e, como bons ingleses, beber nos pubs locais (imagina que louco você estar num barzinho qualquer do bairro e dar de cara com o Alex Turner).
De acordo com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), dados compilados sobre casos de ofensas, abusos e atos violentos entre 2012 e 2015 mostram que, em mais de 70% das vezes, os mesmos foram cometidos contra praticantes de religiões de matrizes africanas. Isso significa mais de cem ocorrências, que demonstram a intolerância com que a população vê esse traço presente na cultura brasileira, trazida com os escravos durante a colonização. Exceto quando isso aparece nas músicas.
Poderíamos citar aqui dezenas de casos, mas vamos ficar com o sucesso O Erê, presente no disco de mesmo nome lançado pelo Cidade Negra em 1996. A história da música é a história do candomblé, religião anímica em que seus praticantes cultuam orixás – ancestrais africanos intrinsecamente conectados com a natureza – e com ele se relacionam. Originalmente, cada nação cultua um orixá. Como o Brasil e seu modelo escravocrata que durou cerca de dois séculos e meio congregaram negros de diversos lugares, uniu-se, aqui, centenas deles.
O Erê é como um ponto em comum nessa crença.
Canta Toni Garrido: “pra entender o Erê tem que estar moleque”. Na língua Yorubá, amplamente falada em boa parte do continente africano, Erê significa “brincar”. E a imagem que se faz dele, no candomblé, é de uma criança que age como o intermediário entre a pessoa e seu Orixá. É através dele que o noviço vai aprender os rituais, danças e que vai se comunicar com o Orixá. E pra entendê-lo, tem que estar num estado de espírito puro, como uma criança. Faz sentido?
No resto da música, Toni Garrido passeia por ideias que dialogam com esse conceito: experiências pessoais, o significado das experiências e as memórias em si. “O mundo visto de uma janela pelos olhos de uma criança”.
A música fez muito sucesso e hoje é considerada um dos clássicos da banda, ao lado de outras como “Firmamento”, “Onde Você Mora?” e “A Estrada”, entre outros. A temática um tanto quanto romântica difere daquela da época pré-Toni Garrido, quando o tino político e social do Cidade Negra era muito forte. Toni entrou na banda em 1994, colocou sua marca nas composições e, com produção de Liminha – um dos mais bem sucedidos do ramo -, a banda mudou e alcançou o sucesso.
O Erê é só mais uma influência da cultura afro presente nas letras do Cidade Negra, uma que quase ninguém entende a origem. Talvez no Rio de Janeiro, estado em que a banda se formou, muita gente que considere candomblé bruxaria já tenha cantado, feliz da vida, a música. Esses, sem dúvida, não entenderam o Erê.
Maria Gadú compôs Shimbalaiê aos 10 anos de idade. A então menina passava férias com a família quando a canção surgiu, ao observar um pôr do sol na praia. Em 2009, quando estava para completar 23 anos, a música estourou nacionalmente (depois fez sucesso até na Europa), colocando a artista no rol de grandes performers da música brasileira, especialmente porque seu primeiro disco, homônimo, acompanhou o sucesso. Pronto, essa é a origem, muito simples, da música.
Desde então, a cantora nos quis fazer acreditar que a gênese da palavra Shimbalaiê é tão simples quanto essa história toda. “Criança inventa palavra, né?”, disse, em entrevista à Saraiva Conteúdo. Inventa, Maria Gadú. Mas não só criança. A música brasileira está cheia de exemplos de neologismos muito famosos, desde coisas onomatopéicas como “tchurururu” até a “tonga da mironga do kabuletê” de Toquinho e Vinícius de Morais.
Mas não Shimabalaiê.
“vai, conta mais”
O termo, vamos concordar, é um tanto quanto complexo pra ser simplesmente uma invenção infantil. E ele na verdade tem significado. Talvez tenha chegado à pequena Maria Gadú por alguma referência que, pelo menos até agora, ninguém encontrou explicação, mas trata-se de uma palavra de origem africana, originalmente grafada Ximbhalaijè e que significa a junção de Deus com a natureza, algo divino e belo, um sentimento bom, portanto.
Não faltam outras teorias pouco críveis, que vão da ligação da cantora com orixás até a invocação de demônios com o termo. Mesmo o sobrenome dela atrai especulações: a cantora se chama Mayra Corrêa, mas adotou o sobrenome Aygadoux do homem que adotou como pai; a “simplificação” da pronúncia leva ao termo “Gadú”. Ok, talvez as coisas com ela sejam mesmo simples. A gente é que complica.
Morreu ontem, terça-feira (3 de março), Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso e inspiração do primeiro sucesso da banda, Vital e Sua Moto. A notícia triste foi confirmada pelo site da banda – aos 55 anos, ele, que morava no Rio de Janeiro, não resistiu a um câncer. Vital foi um dos grandes personagens do rock brasileiro nos anos 80, uma época frutífera que “coincidiu” com a primeira edição do Rock in Rio, onde eles executaram a música, como o vídeo acima mostra.
Vital Dias, ex-baterista
Até onde se sabe, Vital era mesmo apaixonado por motocicletas. Mas já não estava na banda quando ela foi lançada. Vital formou trio com o baixista Bi Ribeiro e o guitarrista Herbert Vianna em 1977, mas se separaram em 1979, ano em que prestaram vestibular. Em 1981, se reuniram de novo, já universitários. No ano seguinte, Vital simplesmente faltou a uma apresentação na Universidade Rural do Rio e acabou substituído às pressas por João Baroni, que está aí até hoje. E foi isso.
Vital foi muito mais relevante como personagem do que como músico, o que não significa que não tenha sido bom – pouco se sabe sobre o desempenho dele, aliás. A música Vital e Sua Moto integrou uma fita demo, com outras três canções, que foi parar na programação da Fluminense FM, e a partir daí ganhou o Brasil. Em 1983, a banda assinou com a EMI e lançou o primeiro disco, Cinema Mudo – que não deixou o trio muito satisfeito, na verdade.
Vital e Sua Moto abre o disco de estúdio com uma versão que não agradou a banda, principalmente pela inclusão do grupo vocal Golden Boys no refrão. Com isso, em setembro de 2013 – talvez pelo aniversário de 30 anos do lançamento da demo -, os Paralamas fizeram até uma campanha pra encontrar a fita original. Não se sabe do resultado.
Como integrante da família Vital, posso dizer que conheço essa música há muito tempo – as pessoas sempre me perguntam se eu vou aos lugares de moto, se eu me sinto total e quando os Paralamas do Sucesso vão tentar tocar na capital. Nem carta de moto eu tenho. Mas o que elas não sabem é que Vital não era o sobrenome do ex-baterista: era primeiro nome mesmo. Vital José de Assis Dias. Que descanse em paz.
Há um ano, escrevi neste blog um texto mostrando como o Carnaval é business, partindo de seu maior hino: We Are Carnaval, música composta pelo publicitário Nizan Guanaes. Em 2015, a indústria carnavalesca (especialmente na Bahia) vai lucrar muito – mais uma vez. O axé, estilo que simboliza a folia no nordeste, completa 30 anos de sua criação formal. Foi uma invenção mercadológica na mesma linha apresentada no outro texto, mas que vai um pouco além: o axé ainda luta para se definir entre suas origens tão diversas e suas manifestações mais arraigadas na cultura local.
O ano de criação do axé é 1985 porque é quando foi lançada Fricote, de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu, aquela da “nega do cabelo duro que não gosta de pentear“. Uma mistura de estilo muito influenciada por ritmos caribenhos, a música estourou no Brasil todo e começou a chamar a atenção com essa tendência que já era expressada no nordeste por muitos artistas. Por deboche, o jornalista Hagamenon Brito – que chamava Luiz Caldas de “Michael Jackson Tupiniquim” – começou a se referir à tal de “axé music”. E o termo pegou.
Então, o que é axé? Originalmente, simboliza “força” nas rodas de capoeira, os assentamentos de orixás distribuídos nas cerimônias do candomblé ou, na forma mais popularesca, um sentimento bom. É tipicamente baiano; e esse é o único aspecto que mantém no mesmo balaio todos os artistas identificados com esse estilo. Quando essa denominação pegou, o axé virou fenômeno e se espalhou pelo Brasil de forma permanente. Virou business, claro. E, 30 anos depois, continua dando muito retorno, especialmente nessa época de Carnaval.
“É uma necessidade mercadológica. As empresas precisam rotular pra vender em grande quantidade. Se for fragmentar isso fica difícil pra o consumidor comprar”, explicou Luiz Caldas ao site Lelynho.com, especializado, inclusive, em negociar pacotes para folias carnavalescas por todo o Brasil. “O axé music é só mesmo um nome que se dá a um caldeirão onde cabe tudo. Nós, baianos, sabemos quando um cara toca alguma coisa ‘ah, isso é um samba-duro’. Aí daqui a pouco o cara toca alguma coisa e aí você diz ‘isso é um Ijexá’. Mas para o turista é axé music. Então pra mim é melhor ainda, que venham todos”, complementou.
Axé é samba-duro, Ijexá, Deboche, Merengue, Galope, Samba-Reggae, uma infinidade de gêneros semelhantes – de origem africana e influência caribenha – que já eram tocados e dançados pelas ruas de Salvador e dali saíram para os blocos. As dancinhas coreografadas também são uma característica importante em todos os casos. É a verdadeira folia, que mudou de vez a forma como o Carnaval era brincado na Bahia, com trios-elétricos e blocos de música instrumental, com fantasias ainda chamadas “mortalha”.
Se analisarmos o estilo, as letras e a temática, vai ser difícil dizer que Olodum e Ivete Sangalo estão debaixo do mesmo guarda-chuva musical. O mesmo para Araketu e É o Tchan, Luiz Caldas e Parangolé. As vertentes são tantas e com tantas especificidades. Mas o axé, como estilo único, ganhou força. “Nem a bossa-nova nem qualquer outra coisa, nem a Tropicália, tudo isso, ninguém nunca vendeu tanto disco quanto a gente vende e fez tanta alegria quanto a gente faz”, afirmou Caldas. Funcionou – e funciona – como business, principalmente.
E isso não quer dizer que o axé não seja legítimo. Percebem a ironia? Como produto, o axé se destaca e se sustenta, mas também se generaliza. Mas na sua individualidade, é a expressão do samba, do rock, do reggae baiano, um estilo transformado e aperfeiçoado, que pode ser extremamente rebuscado na sua forma de tocar ou extremamente eficiente, mesmo quando simples. O axé é realmente uma coisa muito louca, difícil de entender. Mas faz sucesso e respeita as próprias origens.
Final de 1999, passagem para os anos 2000. Não é um reveillon qualquer, é o Terceiro Milênio começando. Entre previsões catastróficas e o medo de um bug mundial, Josh Homme encara três dias de festa no deserto californiano, regados a muitas drogas. Na volta, dirige seu carro ainda sob efeito, repetindo como um mantra tudo que havia usado nos dias anteriores. “nicotina, valium, vicodin, maconha, ecstasy e álcool. Cocaína“. Essa, basicamente, é a origem de Feel Good Hit Of The Summer, sucesso da banda Queens of the Stone Age.
A música foi lançada no álbum Rated R (2000), inicialmente composta como espécie de vinheta para entrar como última faixa num tom de brincadeira. Chamou tanto a atenção, no entanto, que a banda desenvolveu-a e passou-a para abrir o disco. São exatamente essas sete palavras: nicotine, valium, vicodin, marijuana, ecstasy and alcohol. A sétima e última delas tem uma entonação bem característica: “c-c-c-c-cocaine“. O nome, algo como hit do verão para se sentir bem, deixa-a ainda mais provocativa.
Feel Good Hit Of The Summer deixou o Queens of the Stone Age com uma aura ainda mais cool na cena americana e mundial. A banda expoente do Stoner Rock, gênero de difícil definição mas que tem essa porra-louquice como uma das marcas originais, acabou popularizada por essa noite de loucura de seu vocalista e principal compositor. Rádios se recusaram a tocá-la. Com seu ritmo intenso e fixo até a explosão do refrão, virou de fato um hit nos shows pelo mundo todo. Bandas como Placebo, Foo Fighters, Papa Roach e Machine Head incluíram-na como música incidental em seu setslists.
Obviamente, surgiu a polêmica. Em entrevistas, Josh Hommes declarou que “não há apologia” na letra, definiu-a como “um experimento social” e manteve-se ambíguo sobre a mensagem passada: “ela não diz sim nem não“. Cantada primordialmente por Homme, o refrão final tem participação de diversas vozes, incluindo a de Rob Halford, vocalista do Judas Priest, que estava trabalhando em um estúdio próximo em Los Angeles e aceitou o convite do QOTSA para colaborar.
Em novembro de 2007, o Queens foi chamado para fazer um pocket-show de seis músicas em uma clínica de reabilitação para usuários de drogas em Los Angeles, uma apresentação intimista que serviria para alardear a causa e incentivar os internos (supostamente). A banda teve a coragem de abrir justamente com Feel Good Hit Of The Summer, o que criou grande tumulto: funcionários desligaram os equipamentos logo que a música começou, e eles tiveram de deixar o local sob escolta policial.
Por fim, a música ainda entra na discussão sobre a existência do Stoner Rock como estilo, algo que Homme, talvez por ser seu maior expoente, renega. Perguntando se ela seria o hit dessa vertente do rock, ele explicou: “talvez, ou talvez seja uma faca no pescoço do Stoner Rock. É difícil dizer, e eu acho que essa é a parte boa disso. Olhe, você vai ser sempre rotulado com algo. Stoner Rock é um rótulo tosco, e é por isso que eu não gravito ao redor dele”. É como se ele finalmente fizesse uma canção que representasse o estilo, e ela é assim: cheia de drogas e nada mais. É isso que é o Stoner Rock?
Em seu último show no Brasil, em 25 de setembro, o Queens of the Stone Age tocou Feel Good Hit of The Summer. Ela foi a 9ª música do setlist. Antes, tocaram canções de quatro álbuns, sucessos como No One Knows e candidatas a hinos do novo disco, como I Sat By The Ocean. Quando deu uma pausa, Josh Homme perguntou ao público: “Do you feel good tonight, São Paulo?”. Ouviu gritos positivos como resposta. Então, provocou com uma expressão zombeteira: “I mean… do you feel good?“. Começaram as palmas, os pulos, o mantra.
PS. Performance bem atual da música, no Reading Festival de 2014, na Inglaterra
Pink cantou Slut Like You ao vivo pela primeira vez em uma apresentação em Los Angeles, em setembro de 2012. Antes de executá-la, avisou: “essa é a minha forma nem um pouco sofisticada de, como feminista, tomar o poder. E acreditem, não é nem um pouco sofisticada“. Essa é a origem da música: um desejo feminista não de subjugar o sexo oposto (apesar dessa coisa de “tomar o poder”), mas de igualdade. Fosse no Brasil, viria acompanhada de qualquer hashtag do tipo #somostodosvadias. É um recado bem direto.
Isso fica bem claro pela forma como ela abre a música. “I’m not a slut, I just love love” (“não sou uma puta, eu apenas amo o amor”). Esse é o mote, e desde o princípio ela deixa bem claro que não tem muita paciência para quem não aceita essa postura. Pink descomplica totalmente o sexo casual: se ela quiser só uma transa, então vai ter uma transa apenas. É tão assim que ela faz pensar: puta sou eu, a mulher, ou você, espertão?
A cantora subverte essa lógica no segundo verso, quando diz que está sentada com as amigas escolhendo com quem vai transar – e os garotos estão loucos por isso. Faz isso principalmente quando diz, já a um rapaz, “you think you call the shots“, um verso ambíguo porque significa “você acha que é quem toma as decisões”, embora shots faça referência também a dose de bebida – por tradição, os homens pagam as bebidas das mulheres, mas não é isso que vai acontecer. Pink usa um tom tipo “bebe aí, sua carona já foi embora e a coisa vai ficar interessante…”
O verso “You’re just my little friend” que ela tanto repete na música é extremamente irônico: você é apenas meu amiguinho significa que nada, além do sexo, importa. Sem necessariamente sentimento. E quando ela canta isso, entra o refrão, com referências diretas a essa noite de sexo casual. Com berros e vocalizações onomatopéicas, ela “arranca um pedaço de você”, diz que só queria mesmo um “bobinho” para transar e ainda te conta um segredo: “eu sou uma puta como você”.
Na ponte depois do segundo refrão, ela reforça o tom feminista ao dizer “você não ganha um prêmio por esses olhos arregalados. Eu não sou pipoca com caramelo (“cracker jack, no original, uma marca de pipoca, um doce, algo manipulável). Você não pode entrar a menos que eu deixe”. E é de novo irônica, com a pergunta “qual é o seu nome mesmo?” e o aviso: “a conta, por favor“.
Slut Like You não soa como uma lição de moral chata porque a música é muito boa: tem um riff chamativo, é agitada e explode no refrão – dá até para relacionar com uma boa noite de sexo mesmo. É o lado da Pink que muita gente gosta: mais Get This Party Started e menos Just Give Me A Reason. Acima de tudo, é um recado. E a origem dele é essa.
Hallelujah é uma das canções mais carismáticas e famosas da história da humanidade, gravada e interpretada por mais de cem artistas dos mais diversos estilos. Foi composta pelo canadense Leonard Cohen e gravada no álbum Various Positions (1984). Sua criação levou cerca de dois anos; e o perfeccionista Cohen criou mais de 80 versos para ela. Isso fez com que ele próprio tenha executado-a com diferentes letras e interpretações ao longo dos anos. Dependendo do intérprete, a música pode ter entonação depressiva, exultante, sexy. Ela pode se tornar uma música nova a cada dia: depende do estado de espírito de quem a executa. É uma canção incrível em todos os sentidos.
Com esse poder transformador, seria no mínimo leviano expor aqui a origem definitiva da música. Há um livro feito apenas em torno dos versos de Cohen (The Holy and the Broken, de Alan Light). Neste texto, o NTR mostra a sua interpretação para Hallelujah, desenvolvida a partir de muita leitura, diferentes versões e, é claro, visão pessoal. A letra usada é a do cover mais consagrado, de Jeff Buckley, no álbum Grace (1994) – essa que você vê no topo do post. Fala sobre amor e a imperfeição problemática que é a experiência de amar.
Hallelujah
Ao que tudo indica, o próprio Leonard Cohen vem tentando, ao longo dos anos, compreender o uso da expressão Allelujah (Aleluia). Trata-se de uma palavra hebraica composta por Hallelu – “louvem, glorifiquem” assim no plural mesmo, um chamado a todos – e Jah – uma espécie de diminutivo para Jehovah, um dos nomes bíblicos para Deus. Cohen inicialmente queria manter a tradição milenar de canções com esse termo, mas desvirtuando-o do sentido religioso, como se o seu Hallelujah pudesse ir além disso. Pense nessa palavra como uma forma de exaltar tudo – tudo que é perfeito e o que não é; a vida. Nos versos, isso é permeado pelo sentimento de amar.
“A música explica que existem vários tipos de Hallelujah. Eu digo: todos os Hallelujahs, perfeitos e errados, têm o mesmo valor. É um desejo de afirmar minha fé na vida, não de uma forma religiosa, mas com entusiasmo, com emoção”, explicou Cohen, em entrevista de 1985. Nos versos, o imperfeito transparece, e apesar de tudo o que ele expõe, há sempre um Hallelujah, sempre o louvor, sempre a fé. O caminho que encontrou para mostrar isso foi justamente usando passagens bíblicas. Em cada verso cabe uma explicação histórica, religiosa e política que não será aprofundada neste texto. O NTR foi extremamente sucinto nesse aspecto. O leitor terá que nos perdoar.
Davi de Israel, Betsebá, Sansão e Dalila
Davi era um humilde pastor escolhido por Deus para suceder Saul como rei de Israel. Tinha muitos dons, dentre os quais a música – e é isso que fica evidente no primeiro verso. É dele o “acorde secreto” que agradava ao Senhor – Davi, integrado à corte de Saul, acalmava o espírito do monarca com sua harpa. Aí entra a genialidade de Cohen. Quando cita and it goes like this, the forth, the fifth, os acordes casam com a letra: as notas tocadas são exatamente do quarto e quinto graus da escala em que a música foi composta. O mesmo vale para the minor fall – um acorde menor que ‘derruba’ a melodia – e major lift – novamente um acorde maior.
The minor fall and the major lift é também uma referência de juízo: as pessoas pequenas caem, enquanto os grandes se erguem. Pela narrativa bíblica, Davi é escolhido por Deus como o sucessor de Saul. Ele governaria a Tribo de Judá e, depois, o reino de Israel. Cohen encerra a estrofe com “o rei desnorteado compondo o Hallelujah“. Isso já dialoga com a próxima estrofe, que aborda o episódio em que Davi, já rei, observa do alto do telhado Betsabá, mulher de Urias, se banhando – e é seduzido. Ele então a seduz e comete pecado aos olhos de Deus. Grávida, Betsebá torna-se mulher de David após a morte do marido no campo de batalha, mas seu filho morre por juízo divino. Punição.
Na sequência, Cohen evoca a história da gananciosa Dalila, que faz chantagem emocional para descobrir a força de Sansão e o faz adormecer sobre seu colo para que os filisteus cortem seus cabelos – tudo em troca de moedas de prata. Quando Cohen canta “e dos seus lábios ela desenhou um Hallelujah“, encerra um trecho da música que mostra como o amor pode levar a situações trágicas. No Livro dos Juízes da Bíblia, Sansão tem os olhos arrancados e é mantido prisioneiro dos filisteus, mas recupera a força com ajuda divina para pôr abaixo um templo, matando seus inimigos e também a si próprio.
Davi foi acometido pela luxúria ao ver Betsebá e pagou por isso. Sansão abriu seu segredo mais íntimo à mulher que amava e também pagou por isso. E, apesar da dimensão dessas ações e do amor envolvido, ouve-se de novo entoar: Hallelujah.
Problemas de relacionamento
Nos dois versos seguintes, Cohen é mais direto e mais amargo. Ele fala sobre experiência com relacionamentos quando diz: baby I`ve been here before, I`ve seen this room and I`ve walked this floor. E mostra que sabe como é ser sozinho também. Então faz referência ao Marble Arch, arco de mármore erguido em Londres para dar acesso ao Palácio de Buckingham (hoje ele fica em um lugar diferente da cidade). Apenas a realeza podia passar pelo arco. Quando canta I`ve seen your flag on the Marble Arch, ele avisa que o amor não é uma marcha da vitória, algo que se domina e faz seguir um caminho determinado, sempre triunfante e organizado. Não. É um Hallelujah frio e quebrado.
A estrofe seguinte é ainda amarga, mas extremamente erótica. Começa com Cohen reclamando: houve um tempo em que o outrém o deixava ver o que rolava “por baixo”, mas agora essa pessoa não mostra mais nada. É um verso ambíguo: fala de expor sentimentos, mas também de ver o corpo nu, de se entregar ao sexo. Prova disso é o verso seguinte: se lembra quando eu entrei em você?. O termo holy dove – pomba sagrada – é um dos mais controversos. A palavra dove é constantemente substituída nas versões da música. É novamente ambíguo: pode significar paz – entre esses dois indíviduos, algo que já não há -, mas traz um toque de sacrilégio, como se o sexo fosse algo digno de adoração, sagrado.
No último verso, outra referência extremamente erótica: e cada suspiro que dávamos era um Hallelujah. O relacionamento claramente desandou, a forma de amar não é mais a mesma, mas ainda assim surge um Hallelujah.
Conclusão
Leonard Cohen de certa forma conclui tudo ao falar: “talvez exista mesmo um Deus, mas tudo que aprendi sobre o amor foi como atirar em alguém que desarmou você“. Ele usa duas imagens belíssimas: um choro no meio da noite ou alguém que “viu a luz”. Amar não é isso. É apenas um Hallelujah frio e quebrado. Hallelujah, Hallelujah.
PS.: Eis a versão de Rufus Wainright, que aparece no filme Shrek.
Slow dancing in a burning room é a oitava música do álbum Continuum (2006), o terceiro na carreira de John Mayer e aquele em que ele redefiniu seu som, adicionando elementos de blues e soul music. Ela sequer foi explorada como single, mas está entre as preferidas do público e foi incluída em DVDs e outras compilações. John Mayer tocou-a nos dois shows que fez no Brasil, em 2013. Além de tudo isso, trata-se de uma belíssima metáfora.
Pintar essa incrível imagem – dançando lentamente em um cômodo em chamas – foi a forma que John Mayer encontrou para definir um relacionamento problemático que se encaminha para um fim dolorido, mas do qual os envolvidos continuam se aproveitando. O mundo está desabando ao redor e não há como escapar, mas eles seguem juntos, dançando lentamente, olhando nos olhos um do outro. A origem dessa música é também sua consequência: dor.
John primeiro avisa que a coisa é séria, não apenas mais uma briga seguida por um período de calmaria. Trata-se de um “último e profundo suspiro desse amor em que estivemos trabalhando” – a hora é essa, portanto. A explicação vem na segunda estrofe, em que mostra que não tem mais o controle da situação e que essa relação já deu alarmes falsos demais. Como na parábola do menino e do lobo, ninguém mais leva a sério o perigo, diante de tantas ameaças que se mostraram infundadas.
Ou seja, slow dancing in a burning room.
Esse quadro ruim é melhor descrito na terceira e quarta estrofes. John reconhece: eles eram tudo o que sonharam para si mesmo. E aí começam os problemas. “Eu vou tirar o máximo dessa tristeza”, diz ele, prometendo se reerguer. “E você vai ser uma vaca, porque você sabe ser assim. Você vai tentar me acertar para me machucar, então vai me deixar me sentindo mal porque não consegue entender”. Ela, portanto, não reconhece essa situação como tão grave.
Aí ele sugere: “vá chorar, vá”. E avisa: “querida, estamos dançando lentamente em um cômodo em chamas”.
A música termina com John Mayer fazendo perguntas retóricas. “Você não acha que já deveríamos saber disso? Você não acha que deveríamos ter aprendido?” Talvez. Talvez ela tenha falhado em perceber todos esses problemas. Eles certamente falharam em deixar tudo chegar a esse ponto. Mas assim é fácil falar. Com o clima que ele cria na música e essa letra, até o ouvinte se sente dançando lentamente em um cômodo em chamas.
B-boys dançando break no centro de São Paulo, nos anos 80. Agaixado, Nelson Triunfo, um dos ícones do movimento Hip Hop no Brasil
Hoje é o Dia Mundial do Hip Hop. O movimento foi criado em Nova Iorque na década de 70 e agora completa 38 anos. E, no Brasil, ele nunca esteve tão bem.
Entendedores já sabem que a cultura Hip Hop é composta por quatro elementos: o grafite, o break (a dança dos B-boys), o DJ e o MC.
Mas, considerando o Hip Hop simplesmente como gênero musical, é indiscutível o seu crescimento no Brasil nos últimos anos. O estilo se popularizou ainda mais, transbordou as fronteiras da periferia de vez e, felizmente, levou acesso para muito mais gente a artistas tão bacanas que temos por aqui e que sempre mereceram mais valor – como o Criolo, que faz rap há mais de 20 anos e só foi estourar com seu segundo disco, o consagrado “Nó Na Orelha”, de 2011.
O grafite também estourou no mundo todo pra valer de uns dez anos para cá; e artistas brasileiros como Os Gêmeos agora são mega famosos internacionalmente…mas vamos focar na música.
Aposto que não foi coincidência o cantor e rapper Rael ter lançado justo hoje a parte 2 da música e homenagem “O Hip Hop É Foda”:
A música nova conta com a participação de Emicida, Marechal, KL Jay (do Racionais MCs) e Fernandinho Beat Box, além do B-boy Pelezinho e do grafiteiro Does. A canção foi inspirada em “A Bossa Nova É Foda”, do Caetano Velloso. Clique aqui para ver a parte 1, lançada em 2013, que também é muito boa.
DJ Hum e Thaíde
Este ano, temos muitos lançamentos de álbuns inéditos de Hip Hop de qualidade no Brasil. O tradicional grupo RZO voltou e, nas últimas semanas, saiu disco novo do Projota, da Lurdez da Luz e do próprio Criolo. Em dezembro, sai disco novo do Racionais. Os shows, os clipes, a produção e os discos do gênero estão cada vez mais profissionais e hoje já não perdem em nada para os rappers gringos. É, o Hip Hop brasileiro também é foda.