Alagados, Trenchtown, Favela da Maré, a Origem


“Alagados, Trenchtown e Favela da Maré”, são as palavras mais importantes do clássico “Alagados”, composto por João Barone, Bi Ribeiro e Herbert Viana e gravado no excelente Selvagem? (1986).  Não são termos aleatórios, como podem parecer: fazem referências a grandiosas favelas que têm como característica em comum as construções em palafitas. E pra morar em condições dessas, só com muita fé – ainda que não se saiba fé em quê.

Filho do Brigadeiro Hermano Viana, militar de alta patente, Herbert nunca precisou morar sobre as águas, se equilibrando em tábuas e passarelas. Mas a difícil realidade das favelas mencionadas o atingiu mesmo assim: a Favela da Maré fica no Rio de Janeiro, local para onde mudou na adolescência e onde foi fundada a banda. Já Trenchtown, que fica em Kingston, Jamaica, ele descobriu lendo a biografia de Bob Marley, que por lá morou por anos.

Não há nenhuma ligação direta entre Herbert – ou mesmo com João Barone, que nasceu e cresceu no Rio de Janeiro, ou Bi Ribeiro, que é carioca mas morou em Brasília – com a Favela dos Alagados, em Salvador. Talvez ela faça parte do imaginário de Herbert pelo fato de ter morado algum tempo – a infância – no nordeste, em João Pessoa. Alagados é a base do refrão, a base de uma música de alta contestação social.

“Alagados” canta a dificuldade do pobre e a “arte de viver a vida” apesar de todas as dificuldades. Essa música, que tem uma constituição meio caribenha em meio a tantas percussões e pelos solos de guitarra, parece fazer menção ou criar uma ponte direta com outras duas grandes músicas brasileiras.

“Alagados” lembra muito “A Novidade”, que foi composta pela banda em parceria com Gilbert Gil e que também está em Selvagem?. Nela, Gil, autor da letra, usa a imagem de uma sereia para desvendar um “paradoxo na areia”: “alguns a desejar seus beijos de deusa”, “outros a desejar seu rabo pra ceia”. O caso termina como um “pesadelo medonho”, algo que permeia a realidade de “Alagados”.

Mas também lembra muito “Do Leme ao Pontal”, de Tim Maia – talvez pelos nomes citados no refrão. Nela, Tim exalta duas das mais belas praias do Rio de Janeiro. Entre uma e outra há muita beleza – Leblon, Ipanema e por aí vai. Quando o refrão para de ser repetido, Tim Maia solta as piores e mais sujas praias cariocas: Calabouço, Flamengo, Botafogo, Urca, Praia Vermelha. Está aí a contradição – e a crítica.

Os Paralamas do Sucesso também incluíram Tim Maia no repertório de Selvagem?, com uma versão reggae de “Você”, que seria depois emendada por muitas e muitas bandas – inclusive por Gilberto Gil -, com “Vamos fugir” e “Is This Love”, de Bob Marley – olhem só: é como um ciclo que se fecha. Para esclarecer, “Do Leme ao Pontal” também foi lançada em 1986. Suspeito que poderia ter sido ela a regravada, se a situação fosse outra.

Em “Alagados”, os  Paralamas se limitam à tríade “Alagados, Trenchtown, Favela da Maré”, mas a crítica vai tão longe quanto poderia, o que tornou a canção um dos maiores sucessos do grupo. Pode até ser considerada um clássico, embora muita gente saiba ou entenda sua origem: palafitas, condições precárias, sujeira e, principalmente, a “arte de viver da fé – só não se sabe fé em quê”.

PS: Justamente por ter no refrão termos aparentemente aleatórios – e, principalmente, em inglês -, “Alagados” entrou para o rol de músicas que permitem composições instantâneas: em vez de Trenchtown, os desinformados cantam qualquer outra coisa como “sem sal”. É o tipo de coisa que acontece com Cláudio Zoli em “Noite de Prazer”: “Tocando B.B. King sem parar” vira “Trocando de biquíni sem parar”. Muito curioso e divertido.

 

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AC/DC quatro por quatro

Há muito a dizer sobre a voz aguda e marcante de Brian Johnson, mais ainda sobre a personalidade com que toca guitarra Angus Young. Pode ser que haja algo a comentar sobre o peso coadjuvante de Malcolm Young fazendo base ao lado do baixista Cliff Williams. Sobre o baterista Phil Rudd, uma definição é a mais repetida e, provavelmente, mais certeira: “he doesn’t overplay“.

Direto e reto, Phil Rudd nunca se excede quando está tocando bateria. Não faz grandes viradas, não usa grandes recursos e são muito raros os solos que faz. O baterista do AC/DC é quem define a fórmula musical da banda: marcação de tempo quaternária – bumbo-chimbal-caixa-chimbal e, de vez em quando, um ataque nos pratos. Clique abaixo para entender como a magia acontece.

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É muito, muito difícil ser tão direto e tão bom quanto Phil Rudd – passar compassos e compassos sem fazer uma virada, segurando a marcação para o resto da banda sem variar nem um pouco o ritmo. Outros falharam nesse quesito: em 1983, em meio a abuso de álcool e drogas, Rudd brigou com Malcolm e foi demitido da banda. Dois bateristas passaram sem  pelo AC/DC sem agradar da mesma forma.

O primeiro deles foi Simon Wright, que saiu em 1988 para tocar com Dio, outro Deus do rock. Chris Slade entrou em seu lugar e ficou até 1994, quando Angus e Malcolm se aproximaram de Rudd e o convidaram para voltar à banda. A justificativa foi de que o antigo baterista daria um som mais adequado ao grupo. Não precisa dizer mais nada, né?

Phil Rudd também é conhecido pelo jeitão caricato, seco e longe dos holofotes. Brian Johnson o descreve como um cara de poucas palavras, mas extremamente divertido, e conta uma história que diz que, em certa turnê, ele andava tocando com um pedaço de papel à frente da bateria, como uma partitura. Quando foi ver o que era, Johson encontrou um grande par de peitos, “o maior par de tetas que você já viu”. “Inspiração”, se limitou a dizer Rudd.

Manter uma linha de bateria não é exclusividade do AC/DC, embora chame a atenção o fato de todas as músicas possuírem a mesma levada quatro por quatro. O trunfo da banda é a variedade de riffs e melodias – e uma ou outra quebrada, é verdade, como no refrão do “Black in Black”, maior sucesso. Está aí a fórmula musical. Quero ver quem consegue copiar com qualidade. Difícil, né?

James Hetfield: o melhor guitarrista base do mundo

 

A alcunha de “melhor guitarrista base do mundo” pode não parecer grande coisa, quase como um prêmio de consolação: “a banda tem seus destaques, mas na base você é o melhor”. Ninguém que tenha feito base gravou para o álbum Guitar Heroes, foi aclamado por algum riff ou aplaudido de pé após uma canção. Vejo em James Hetfield, do Metallica, a relevância máxima dessa função.

Fiquei pensando um tempão em como definir James Hetfield como guitarrista, mas acontece que a missão é difícil demais. Seu talento com a guitarra é como algo oculto: sua potente voz, os solos com wahwah de Kirk Hammet, as caretas e a pegada de Lars Ulrich na bateria e até os trejeitos de Robert Trujillo se sobressaem mais. Mas sustentando tudo isso há James e sua guitarra.

É impressionante o talento que o vocalista do Metallica tem na mão direita: com palhetas perfeitas, varia as levadas abafadas para dar peso e ritmo às músicas, sem se desfazer de nenhum riff. Onde muitos guitarristas fariam a palheta alternada, ele bate apenas de cima para baixo – haja tendão para aguentar a sequência.

That was just your life
Thar was just your life

Temos tudo isso no último álbum, Death Magnetic (2011): está na cavalgada do riff principal de “That Was Just Your Life”, no cromatismo da levada de “All Nightmare Long” e nos trecho que circunda o solo de Kirk Hammet em “My Apocalypse”. Há muito para ver também nos álbuns antigos: no clássico “Black Album”, intitulado Metallica  (1991), ele desce o braço em “Holier than Thou” e só palheta para baixo em “Thought the Never”.

Podemos também citar a fortíssima “Master of Puppets”, do álbum homônimo de 1986, ou então em “Creeping Death”, do anterior Ride the Lightning (1984). James Hetfield tem uma pegada intensa, algo que transmite o peso de seu braço direito à música. E como é difícil fazer isso. Mais difícil ainda é tocar desse jeito e cantar, algo que ele faz com excelência.

Há quem não goste do timbre do vocalista do Metallica – principalmente os seus famosos “yeahs” -, mas não há como negar que é muito, muito complicado cantar e tocar riffs um tanto quanto elaborados. Tente cantar, por exemplo, “One”: o dedilhado vai se decompondo em séries de peças que se misturam com a guitarra de Kirk, e até aí James não perde a afinação.


shhYEAHeaah!

Mais do que isso, James Hetfield mixa à técnica conhecimento técnico, a ponto de desenvolver uma linha de captadores que lhe agradasse. A peça foi criada em parceria com a EMG, e o guitarrista testou 30 modelos diferentes até encontrar aquele que se encaixava melhor ao seu gosto. É com eles que toca em sua Explorer, guitarra que virou quase que uma marca, assim como a Les Paul para Slash.

James Hetfield não é perfeito e jamais vai ter o destaque ou a relevância de nomes como Van Halen,  Jimmy Page ou Keith Richards. Mas é de se admirar o capricho e a forma como leva a “cozinha” do Metallica há mais de 20 anos, tocando ao lado de Lars Ulrich e dos baixistas Cliff Burton, Jason Newsted e Robert Trujillo.

Something in the way, a origem

Nessa seção, trataremos de composições simples que possuem grandes histórias, e outras que são uma completa viagem, parecem ter tanto significado e na verdade nada significam.

Para Butch Vig, ex-produtor do Nirvana, “Something in the Way” foi a música mais difícil de ser gravada do Nevermind, álbum clássico que catapultou o Nirvana para o sucesso sem volta em 1991. Trata-se da faixa mais sensível do disco, um triste sussurrar de Kurt Cobain com uma letra um tanto quanto perturbada e um só mantra: “Algo no caminho. Hmmmm. Yeah. Algo no caminho”.

Cinco motivos para Rodolfo Abrantes voltar para o Raimundos – e um para não voltar

A saga de “Puteiro em João Pessoa”, o sufoco de “Eu Quero Ver o Oco”, a sujeira de “Andar na Pedra” e os arrotos de “Só no Forevis” – junto com a poesia de “Mulher de Fases” – arrebataram a geração roqueira dos anos 90, uma molecada que se inspirava pela atitude dos caras que cantavam rápido em português, falando besteira, usando dread lock e assumindo o lado louco.

Toda banda muda, no entanto – essa é uma verdade necessária para a evolução dos músicos. Então, é de se pensar: não seria legal ver Rodolfo Abrantes voltar ao Raimundos, mesmo que sem saga, sufoco, sujeira e arrotos – quem sabe pelo menos poesia – de antes? Vamos lá, já se passaram onze anos desde que ele deixou o grupo, em 2001. Será que vale?

1. Reconciliação

Faz parte da fé cristã perdoar e ser perdoado, e eu duvido que seja diferente na Bola de Neve Church, Igreja protestante neopentecostal à qual Rodolfo Abrantes é ligado. Não há dúvida de que existe mágoa entre ele e os atuais integrantes do Raimundos, apesar de terem postado foto juntos recentemente, em encontro em um aeroporto. Está na hora de exercitar um dos maiores dons que Deus deu ao homem: perdoar. Não acham? Grandes amigos desde sempre, Rodolfo, Canisso, Fred e Digão merecem um final feliz.

2. Repertório

A temática de loucura, das drogas, da porra-louquice e da sexualização que ajudou o Raimundos poderia servir de empecilho para a volta do convertido Rodolfo Abrantes. Mas a banda tem muitas músicas que vão além da putaria e da sacanagem. Com a volta do vocalista, o grupo poderia enveredar pela temática social e política. “Baile Funky”, “Deixa eu Falar” e até “Reggae do Manêro” são canções assim. E, pô, falar palavrão não é pecado.

3. Fãs

Eles continuam malucos, seja no festival SWU ou nas festas universitárias da USP. E aposto que seguem carinhosos, à espera dessa reconciliação e do retorno daquela banda que marcou a adolescência. Quando o Raimundos surgiu, no início da década de 1990, não havia banda de rock no Brasil com tamanha identidade – misturando baião e rock, com letras gritadas à velocidade da luz e riffs poderosos. Ah, como os fãs sentem saudades dessa banda…

4. Lema e História

Está na música “Marujo”, gravada no primeiro álbum, Raimundos (1994) , uma frase que tem sido usada como lema da banda por fãs e até pelos músicos: “é por isso que o Raimundos nunca vai se acabar”.  Digão continua exaltando essa espécie de promessa como vocalista, mas não vejo motivo para Rodolfo Abrantes não se lembrar do verso também. Essa frase honra a história da banda. Seria legal Rodolfo fazer isso também.

5. Mercado

Não tenho dúvida de que haveria muito interesse na volta de Rodolfo ao Raimundos – interesse de mercado, mais especificamente, ainda que isso esteja muito aquém do que qualquer membro ou ex-membro da banda já tenha comentado. Com certeza, eles ganhariam muito dinheiro. Mas há também o fator do desafio – refazer uma das maiores bandas da história do rock brasileiro – e da relevância disso para a carreira de cada um. Vale a pena ou não vale?

Mas…

Rodolfo morreu

“O Rodolfo do Raimundos morreu”, disse Abrantes, em declaração à revista Rolling Stone em outubro de 2011. A entrevista também tem frases como “não voltaria por valor algum” e “parecia que eu era aquilo (“Rodolfo do Raimundos”). Só que eu não era aquilo. Tinha me tornado aquilo”. Oras, então a questão está resolvida. Não volte Rodolfo, ou quem quer que seja agora.

Ah, que saudades do Los Hermanos. HARDCORE

A capa tinha um palhaço daqueles que fazem as pessoas terem medo de palhaço. Ele sorria, mas com um olhar triste – bem parecido com o conteúdo tom e do disco de 1999, recheado de letras  melancólicas sobre mulheres, relacionamentos mal-terminados e a esperança do amor. E mesmo assim era hardcore.

Três músicas têm nome de mulher: a excelente Aline, a famosíssima Anna Júlia e  a cruel Bárbara. Outras seis têm nomes sugestivos: Azedume, Lágrimas Sofridas, Outro Alguém, Sem Ter Você, Tenha Dó e Vai Embora. Os membros do Los Hermanos nem eram tão barbados – Marcelo Camelo tinha um cavanhaque bem aparado, tocava com camisa florida e era hardcore.

Rodrigo Amarante nem sempre tocava guitarra. Em muitas das músicas tocava um tamborim, que em alguns shows sequer era amplificado. Ele corria pelo palco batendo no instrumento com vigor, mesmo sem ninguém ouvir nada, talvez pelo peso da bateria e das guitarras. O instrumento foi apelidado pela banda de “o primeiro tamborim hardcore”. Hardcore.

A banda já se apresentava com instrumentos de sopro, imprescindíveis na definição das melodias. Eles se encaixavam especialmente bem nas partes de levada ska, que por sinal influenciaria o harcore já a partir dos anos 70.  O Los Hermanos misturava os estilos de forma muito consistente. Patrick Laplan era o baixista. Ele deixaria a banda em 2001 para tocar com o Rodox, de Rodolfo Abrantes, ex-Raimundos. O som era hardcore.

O baterista Rodrigo Barba nunca deixou a banda, mas em pelo menos dois momentos excursionou com a banda carioca Jason, que toca harcore. O último deles aconteceu em 2007, durante o hiato do Los Hermanos. Barba também sabe tocar marchinhas, e com ajuda de suas baquetas – e especialmente da música Pierrot – o Los Hermanos chegou a passar uma imagem carnavalesca. Isso sem deixar de ser hardcore.

Mas o Carnaval acabou, e o harcore também. Em 2001, a banda lançou “Bloco do Eu Sozinho”, álbum que é aberto por Todo Carnaval tem seu Fim.  Em entrevista à revista Scream & Yell, Marcelo Camelo explicou de forma simples a mudança: “depois de tanto tempo de convívio, tocando juntos, é natural que essa fórmula hardcore, ska, reggae, esteja cansativa”.

E também falou o seguinte: “no início da banda a idéia era misturar letras de amor com hardcore. O peso da melodia e a leveza das letras. Foi o mote inicial, por isso o primeiro disco tem essa cara. Mas à medida que começamos a viajar juntos, trocar discos, conversar mais sobre música, isso foi se dissipando. É inevitável que o som mude”. Mudou bastante mesmo, embora o capricho nos arranjos e a temática tenha permanecido.

Rodrigo Amarante também falou sobre a passagem do álbum de estreia homônimo para o Bloco do Eu Sozinho: “quando uma banda faz sucesso no primeiro disco, todo mundo espera que ela repita a fórmula no segundo. A gente simplesmente não tem esse compromisso”. Vendo por esse lado, talvez o Los Hermanos não fosse assim tão hardcore.

Quem faz hardcore normalmente tem compromisso com o estilo. Mas que dá saudade, ah dá.

 

Maldita indústria cultural: Fresno

Indústria Cultural é um termo cunhado pelos filósofos alemães Adorno e Horkheimer para definir padrões que se repetem afim de criar uma consciência coletiva voltada ao consumismo. Foi um baita desafio tentar sintetizar em poucos caracteres uma definição sobre esse termo, que é muito profundo e extenso.
Pegamos o termo emprestado para dar o nome a seção que vai te apresentar de verdade a artistas que são injustiçados e sofrem algum tipo de preconceito.

 

“Uma música” é tocada em ré e tem mesmo um começo agudo, fácil para o vocalista da Fresno, Lucas Silveira, mas complicado para fãs como o rapaz do vídeo, que de forma afetada tenta cantar enquanto é atrapalhado pelo irmão mais novo aos gritos de “fresco, boiola”. A filmagem tem mais de 500 mil visualizações no Youtube, e o protagonista é chamado de tudo quanto é nome nos comentários, de forma quase sempre ligada à sua suposta viadagem. É esse mesmo rótulo que ainda parece pesar sobre o Fresno, apesar de seus integrantes não usarem mais franjas de lado e terem abandonado definitivamente o emocore. Obra da maldita indústria cultural.

Fresno foi emo, tinha influência de bandas como Dashboard Confessional, Jimmy Eat World e Get Up Kids. Letras como “Alguém que te faz sorrir” e “Onde está” têm cunho emocional intenso, falam de sofrimento e de amor. Os fãs choravam, se vestiam de preto e pintavam o rosto, e deixavam as franjas de lado. Quando a banda chegou ao mainstream, isso tudo pesou sobre eles. E toda a fama de emo e o preconceito levantado com isso fez com que o Fresno se transformasse.

Em 2011, fui a um show no Citibank Hall que tinha a Fresno como headliner (V.O.W.E., Strike e Hevo 84 também tocaram). A banda estava encerrando a turnê do álbum Redenção (2008) e já preparando o lançamento de Revanche, que viria em junho daquele ano. Durante a apresentação, o vocalista Lucas Silveira fez um discurso pesado, que dizia que a banda havia passado por muita coisa até aquele momento. Citou que haviam ouvido “muita coisa ruim desses filhos da puta” e pediu para tudo ficar definitivamente no passado. E aí tocou a faixa título, pesada e agressiva. Ao que pareceu, Lucas se referia a esse preconceito, algo que o NX Zero deixou para trás e que sequer chegou a afetar bandas como o CPM 22, o ForFun ou o Hateen.

A música “A minha história não acaba aqui”, a 10ª de Revanche, mostra bem esse sentimento: “vão encontrar mil maneiras de te rotular/E em todo canto sempre tem alguém que quer roubar o seu lugar” e “vão te vender sem saber o que há por dentro/e por alguns trocados vão achar que podem te comprar”. O álbum todo é assim: um dos mais pesados da banda, mais pesado ainda do que na época do emocore, quando guitarras e riffs eram a base para o vocal meloso e harmonioso de Lucas.
A banda deu mais um passo nessa direção recentemente, quando rompeu com a Universal Music de Rick Bonadio e voltou à cena independente. Lucas explicou em entrevista à revista Rolling Stone que a disparidade de visões entre eles e o produtor chegou ao nível em que o que faziam já não servia a Bonadio. O limite entre o que era possível ceder para permanecer no mainstream foi atingido. “Vocês querem sair? Então podem sair”, disse o produtor. Meses depois, a Fresno lançou o EP Cemitério das Boas Intenções, com guitarras tão altas quanto vocais, teclados copiando os riffs de guitarra e baixo e letras sobre religião.

“Crocodilia” tem os versos “não, não, não acredito em inferno/é só uma ilusão, o sofrimento é eterno”, enquanto que “A gente morre sozinho” traz  “perguntaram para mim pra onde vou, de onde vim/eu respondi com um olhar pedindo ajuda sem encontrar”, “quando estamos sozinhos não existe bem ou mal” e até um “cadê seu Deus?”. Ao que me parece, a missão proposta com o lançamento de Revanche foi cumprida: mudou a cara da banda, ainda que o preço seja sumir das rádios e da televisão.

Fresno não é som de viado. Se “Uma música” tivesse sido gravada por bandas como o Skank, ninguém criaria polêmica com isso.

P.S.: Quer ouvir uma música de viado?

 

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Playlist: dia de fúria, p#rr@!

Já está claro qual é o tema escolhido para a primeira playlist do Não Toco Raul.  Para um dia de fúria, acho que bastaria ouvir o excelente Músicas para Beber e Brigar (2003), do Matanza. Mas essa playlist vem mais heterogênea, para todos os tipos de palavrão, brigas, irritações e crises.

Enfim, dez músicas para enfiar o pé na porta, porra!

Pé na Porta e Soco na Cara – Matanza – Disco: Músicas para Beber e Brigar (2003)
“Na cara, reto que arrebenta o nariz”


The Great Southern Trendkill – Pantera – Disco: The Great Southern Trendkill (1996)
“It’s the Great (WHAT?) Southern Trendkill – That’s right”

Pantera – The Great southern trendkill

Testemunhas do Apocalipse – Ratos de Porão – Disco: Homem Inimigo do Homem (2006)
“Daqui pra pior”

Ratos de Porão-Testemunhas do apocalipse

Hot Dog – Limp Bizkit – Hot Dog Flavored Water and the Chocolate Starfish (2000)
“We’re all fucked up”

Limp Bizkit – Hot Dog

Your Little Suburbia is in Ruins – August Burns Red – Disco: Thrill Seeker (2005)
“Sometimes the best feelings may be the one that kills”

August Burns Red – Your Little Suburbia Is In Ruins

Stay Away – Nirvana – Disco: Nevermind (1991)
“I’d rather be dead than cool”

Nirvana – Stay Away 

Twist – Korn – Disco: Life is Peachy (1996)
“Why does it not exist in you?”

Truth – Korzus – Disco: Discipline of Hate (2010)
“Spend so much time in madness”

Senhor, seu troco – Dead Fish – Disco: Zero e Um (2004)
“Por seu sistema, seu racismo, sua cor”

Dead Fish – Senhor, Seu Troco – Por Sales

Cut-Throat – Sepultura – Disco: Roots (1996)
“No one cares if you’ll live or die”

Sepultura – Cut-Throat

Pra ouvir todas em sequência, só dar um play abaixo do Van-Damme

 

 

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Eu vim de Santos!

Charlie Brown Jr. é uma banda muito repetitiva. Essa afirmação não trata de frases como “eu vim de Santos, sou Charlie Brown”, quase que um lema adotado por Chorão nos shows e CDs. Ela realmente tem identidade e, mais do que isso, uma grande história por trás. Trata das origens da banda, onde ela se formou e cresceu e de onde saiu para se tornar uma das mais populares do Brasil. Trata também da barraquinha que Chorão atropelou com seu carro em um dia de forte chuva e alagamento. Daí surgiu o nome, acrescentando apenas um “Jr.” por se tratar da nova geração. De lá para cá foram dez álbuns – nove de inéditas – em um espaço de apenas 12 anos. Em seis deles encontrei letras repetidas, a partir de uma pesquisa simples e feita no mais puro olhômetro, comparando.

Vá ao Lollapalooza sem ouvir as bandas que não conhece

Não ouça as bandas que não conhece antes de ir ao Lollapalooza. Simplesmente não ouça.

Se você comprou só pra ver o Foo Fighters no dia 7, sábado, então ouça muito Foo Fighters. Ouça os álbuns antigos, relembre os sucessos e dê risada com os clipes engraçadões como “Everlong”, “Breakout” e “Long road to ruin”. Escute o último Wasting Light (2011) imaginando como vai ser na hora em que a banda abrir com “Bridge Bruning”. Aprenda a letra e esteja preparado pra gritar o primeiro verso (“these are my favourites last words”) se Dave Grohl prefrir jogar para o público. Senão, tudo bem: cante junto e alto.

Decore as letras e até assista shows dessa turnê (digite “full concert no youtube, e um novo universo se abrirá). Descubra o que eles costumam fazer em determinadas músicas e já entre no clima de antemão. Faça isso também com o Jane’s Addiction – o Perry Farrel nem aguenta mais cantar mesmo. E também com o Artic Monkeys, headliner do dia 8, domingo. Assim, quando eles tocarem “I bet you look good on the dance floor” e o vocalista Alex Turner cantar “and your shoulders are frozen”, você vai poder responder “cold as the night”.

Dificilmente haverá alguém no Lollapalooza que não conheça essas bandas. Mas se você não conhece Cage the Elephant, Band of Horses e TV on the Radio, não escute-as com antecedência, como se pudesse abrir um catálogo e dizer “vejamos o que temos aqui”. Muito menos faça isso com bandas como Gogol Bordelo, MGMT e Foster the People. As chances de você ouvir cinco minutos de som, achar monótono e passar para a próxima são enormes. O que também pode acontecer, e que seria ainda pior, é arraigar um pré-julgamento que pode atrapalhar o show.

Dê a oportunidade a si próprio de vê-las pela primeira vez no palco, onde toda banda se mostra da forma mais verdadeira: sem loopings, transposição de vozes, equalizadores e efeitos artificiais extenuantes. No palco, eles fazem acontecer – ou pelo menos deveriam. Permita-se conhecê-las de forma mais intensa, com a vibe do público, do som ao vivo, dos erros de notas e da postura dos músicos. E entre no clima.

Saiba usar a expectativa. Pode ser que alguns shows sejam uma merda ou as bandas não sejam do seu gosto. Mas pelo menos vai poder dizer algo sobre elas muito além de “eu ouvi uma música lá, de um album e tal. E não gostei”. Mas se curtir,  vai ser como um tapa da cara, com aquela excitação de conhecer mais, ir atrás e achar aquela música com aquela parte em que o vocalista fez isso, o público cantou e o show veio abaixo.

Escute as bandas do Lollapalooza que não conhece na hora certa.

 

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